sexta-feira, 30 de novembro de 2012

No sinal vermelho



Os loucos passam todos do lado de fora do conforto
Parecem parados e contudo passam
Alguns esborracham as caras contra os vidros
Do lado de fora criam caretas de cristal
Sob a chuva fina que os afaga
E lhes embacia os olhos e a alma

O fumo do escape não os afugenta
Passam
São minhas criaturas
Bem como o fim de tarde e a luz dos eléctricos de outrora
E passa na passadeira uma poesia
De braço dado com um génio louco
Tão louco como os outros loucos que aqui passam
Apenas um pouco menos genial

E no fumo do cigarro
O seu último cigarro
Há as fagulhas dos eléctricos de outrora
Gemendo nos carris
Empurrando o pesado fim de tarde
Até que fosse noite e regressasse cada louco a sua casa
Se alguma casa pudessem ter os loucos
Obrigados a passar nas passadeiras
Condenados a voltar ao nada
Quando o semáforo voltasse a ficar verde

29/11/2012

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Na minha língua, viajo no mar


"Uma tempestade", pintura de Antonio Francesco Peruzzini


NA MINHA LÍNGUA, VIAJO NO MAR**


Perdido e sem sentido.
Mas nosso, o mar.
À sua beira, nos areais, Tejo adentro,
crepita nos ares um cheiro a perda,
a desconcerto, a rompimento.
O povo pobre, disperso ou em uníssono,
grita dentro de si um arraial cheio de mares
descobertos e em ruínas.
Ninguém troca palavras de esperança,
um desespero que toca as raias do inferno
avança.
E os pobres não podem ser dispensados
de contribuir para pagar a dívida do estado,
que não teve norte e foi injusto na governação.
Metam-se na barca e rompam novos mares,
disse o primeiro-Ministro. Os cofres estão vazios.
Os pobres, ao ouvirem isto, responderam:
O mar é a nossa língua cheia de naufrágios,
de caravelas e de Adamastores medonhos.
Não teremos medo, largaremos pelo salgado,
deixaremos este estado corrompido,
com tanta insensatez e loucura.
Depois, ainda o primeiro-ministro repetiu: Não, não temam
as saudades da natal terra. Rumem ao mar.
Aí está a salvação. Depois do temporal, regressem.
Portugal vai renascer.
Os pobres responderam: Iremos!
Levaremos o mar imenso da nossa língua.
E no mar da nossa língua em que viveremos
não se perderá do nome de Portugal,
mesmo sendo nós pobres,
sacrificados de impostos
por governos que nos defraudaram.
No mar, enfim, teremos paz.
O mar é do povo que o atravessou
no Século grande de Quatrocentos.
O mar que nos levou a outros mundos.
Esse mesmo mar será ainda nosso,
como o foi de Vieira, de Pombal ou de Pessoa.
O mar nos abraçará com as suas infinitas ondas
e nos abrirá as portas do mundo,
que nós escrevemos em língua lusa.
Nessa língua lusa a escrever-se,
a exaltar-se e a dobrar os novos
e não menos difíceis Cabos das Tormentas.
Ainda e sempre voltaremos, disse o povo.


27 de Novembro de 2012/18 de Março de 2015

                              Teresa Ferrer Passos

** Foi publicada a 1ª versão deste texto no Blogue Harmonia do Mundo em 27/11/2012). Esta 2ª versão substituiu-a e é datada de 18/3/2015.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O centro do lado de fora fica do lado de dentro


Entro no centro de mim,
Tacteio o escuro.
Não sei porque vim
Nem sei exactamente o que procuro.

O vulto da noite espreita da varanda
O vulto das estrelas na latada.
Vejo um relógio que não anda.
Vejo uma ampulheta estilhaçada.

Espalhada pelo chão pressinto a areia
Formando um rosto de criança.
Não sei como é que o vento revolteia
Se o tempo suspendeu a sua dança.

Para lá da abóbada celeste,
Fora do palco e do cenário,
Dom Quixote por desfastio investe
Contra o fantasma de um deus imaginário.

E eu, no centro da noite milenar,
Contemplo o meu rosto antepassado
E procuro um sorriso atrás do esgar
Do cavaleiro descentrado.

19/11/2012

Fernando Henrique de Passos

domingo, 25 de novembro de 2012

Unidade


Sou o prato de ameixas que levo na mão,
A luz da geladeira,
O figo que caiu no chão,
O pingo na torneira.

(A luz macia da manhã de Agosto
Dissolve as formas da cozinha;
Uma vassoura cansada faz de encosto
A esta preguiça que finge não ser minha.)

Sou duas gotas de mel sobre a toalha,
A sombra e luz da persiana,
A ventoinha que não trabalha,
O gelo no refresco de banana.

13/8/2012

Fernando Henrique de Passos

sábado, 24 de novembro de 2012

Um tiro na luz

Um tiro na luz
Giz chupado pela ardósia
Cintilações absorvidas pelo vácuo
Sóis que se despenham nos buracos negros
Pesadelos devorando versos
Cabelos louros a escorrerem sombra
Olhos azuis tornados em basalto

A bala dura
O aço frio da arma
O fumo é alcatrão
Que se cola às rosas e aos lírios
E onde a nudez dos pés fica colada

Céu cinzento
Nuvens baixas
Trovoada

Até que da raiva de um relâmpago
Ressurge a luz de novo

3/6/2012

Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Apartamento em Lisboa


Uma praia veio aqui desaguar:

As areias, as águas, os rochedos,
O cheiro espumarento que sopra sobre o mar,
Naufrágios, piratas, monstros e sereias:

Todos os medos:

Rochedos e águas e areias,
A incerta e esponjosa substância
Que é o nevoeiro correndo pelas veias;
Aos nossos pés
Um torvelinho entrelaçado com a ânsia,
A lista das ondas e marés,
O sal colado à boca e às narinas,
O fundo escuro e acre das cavernas,
As medusas demasiado femininas,
Rasgões nos braços e nas pernas,
Sol aos golfões,
Arrastando cofres e jóias e dobrões
E os destroços antigos de velhas caravelas:

Tudo me entrou pelas janelas
Quando pegava na caneta
E procurava o frasco da tinta violeta
E o papel se entornou sobre o soalho
E das gavetas da mesa de trabalho
Saíram caranguejos
Enrolados em medusas e desejos
E as cores absurdas do sol unido ao mar
Misturavam o gelo do azul com a febre do vermelho a delirar…

Parei e respirei o cheiro a iodo:

E nessa altura possuí o mundo todo.

13/5/2012

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Declaração Universal dos Direitos da Criança


DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA (20/Novembro/1959)




Princípio VI

«A criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade; sempre que possível, deverá crescer com o amparo e sob a responsabilidade de seus pais, mas, em qualquer caso, em um ambiente de afecto e segurança moral e material; salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe .

A sociedade e as autoridades públicas terão a obrigação de cuidar especialmente do menor abandonado ou daqueles que careçam de meios adequados de subsistência Convém que se concedam subsídios governamentais, ou de outra espécie, para a manutenção dos filhos de famílias numerosas.»

domingo, 18 de novembro de 2012

A propósito do culto dos santos

S. João de Deus com um doente ao colo

  
Não vamos apagar os santos por causa de Cristo, nem Cristo por causa dos santos.

Cristo pode ser sempre um caminho para a santidade, assim como o santo pode ser sempre um caminho para Cristo.

Num santo, há momentos mais ditados pelo céu do que pela terra.


Não há que excluir o contacto com os santos naqueles que se dirigem ao santo para lhe fazer um pedido especial. Há, antes, que reavivar naquele que se lhe dirige, o significado verdadeiro dessa veneração perante a sua imagem nos altares. Muitas vezes, há igrejas construídas sob a invocação de um santo.

Ora, isto não significa que nessa escolha eclesial não esteja presente, como figura central do cristianismo, o próprio Cristo. Esta invocação é uma homenagem ao santo, porque viveu conforme Cristo e deu testemunho d’Ele. Por isso, às vezes, até a sua imagem está no altar-mor da igreja, o que significa sobretudo que esse santo é um caminho para Cristo e não que se substituiu a Cristo.

É isto que é preciso esclarecer junto de quem os venera, pedindo-lhes favores. De facto, os santos são exemplos de vida cristã. A leitura dos santos anteriores à vida de muitos outros santos, foi um facto importantíssimo na história da hagiografia. De tal maneira importante, que conduziu a sua vida a ser mais tarde também ela reconhecida como santa, pela Igreja Católica. Lembramo-nos de que muitos santos surgiram, precisamente, da pedagogia deixada por santos de tempos anteriores.

Não se deve, por isso, excluir a importância do santo no Cristianismo, porque o santo é essencialmente aquele que foi capaz de seguir Cristo até ao limite. Portanto, o problema do culto dos santos não está na invocação de um imagem que se encontra no pequeno ou grande altar de uma igreja. Está sim no facto de essa invocação, esse culto, só servir para solicitar uma dádiva, quando se precisa. Fica à parte o seu exemplo de seguidor de Cristo.

A Igreja Católica terá de fazer uma grande evangelização da santidade, salientando a importância que cada santo teve ou tem na nossa época. O seu testemunho deixado pelo contemporâneos, as suas cartas, as suas autobiografias, os seus escritos, em suma, têm de ser relembrados e reavaliados. Se não fosse importante ser santo, Jesus Cristo teria pregado sozinho. Os seus apóstolos deveriam, para Ele, ser santos, ou seja, exemplos a ser seguidos. E, porque não, invocados também nas horas difíceis da vida.

18 de Novembro de 2012
                                                                        Teresa Ferrer Passos

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Inspirado em Mário de Sá-Carneiro



(invoco, para o Dependurado, a Estela Estelar)

O estúpido enganado, o indecente,
Afinal, que passou a vida a correr,
O casaco sem pele, o rapazinho sem dente,
O aborto renovado cada vez a nascer...

Em lugar de Senhor Doutor, o grande inebriado,
O mendigo pela rua a pedir explicações
Dos Bons que não teve nas suas boas acções,
- A candura inefável dum menino escorraçado...

O esqueleto que dorme de papo prò ar,
O moreno disfarçado pela ânsia de Luar,
O maluco sem loucura... a Ética ao deus Baco...

O estranho por toda a parte... Ainda que parta
Pelos mares sem fim amaldiçoando Esparta,
O menino benevolente... o hippie sem tabaco...

Lisboa, 03/ 10/ 1978

SIC ITUR AD ASTRA

Paulo Jorge Brito e Abreu

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Dalila

à memória de Dalila Pereira da Costa

Os pés nus de sal no mar que se dissolvem
Cabelos soltos longos de bruma vento e sonho
Dedos que tocam com força e com carinho
Fragmentos de papel à tona d’água
As folhas dos livros as lombadas
A biblioteca que se mistura com as algas

A vestal de búzios entre as mãos
Aguarda a distância o chamamento o horizonte
O aproximar das linhas infinitas
O poeta que um dia surgirá por entre as ondas
E trará já não mensagens mas respostas
Respostas que virão de outros passados

Fitando um só futuro
Ela mergulha (é quase a Hora)
E faz já parte dessas lendas
Que húmidas darão à costa um dia
E nos despertarão

1/6/2012

Fernando Henrique de Passos

in Nova Águia, Nº 10 - 2º Semestre 2012, p. 64

A propósito de «Orpheu, Portugal e o Homem do Futuro»

-  LEMBRANÇA DE
DALILA PEREIRA DA COSTA (1918-2012)





«Num sentimento de febre
de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa,
“Para Além Doutro Oceano” (poema), 1917
  

Terrível superação e bendita, a de ser Pessoa o escolhido para abrir o caminho novo da pátria exausta, e, com ela, de todas as pátrias moribundas! Todas as pátrias a serem, no cume da montanha do tempo, uma só pátria a escrever-se na Europa apagada ainda por um mundo vil e degenerescente.
Num mar de oceanos múltiplos, cresceram os povos de tradições tão várias, a mudar com os séculos e os milénios, e, ao mesmo tempo, ensinando aos vivos identidades do presente e desvios da memória do passado.  Cada um, a ditar o cérebro sem amarras do homem-super, sem diferenças de rumos ou desigualdades insuperáveis.
Aqui, num sempre Portugal a respirar Pessoa, nasce o imenso futuro da ideia nova que é capaz da ousadia, mesmo da temeridade de um oceano longínquo e imortal, podendo transformar povos inteiros num povo redimido por essa  Europa a transbordar de espírito e de emoção, numa colheita imensa de sementes sábias.
Rumo à Europa dos novos descobridores de um mundo inteiro a dar-lhe a largueza dos mundos que o grego criou na Odisseia e na Ilíada mediterrâneas e que o português recriou nas navegações das Américas e do Índico e do Pacífico, essas geografias alheadas de si e sem saberem nada de quem chegava, urgente e inquieto.
Na oratória do Pessoa do Ultimatum (ass. pelo heterónimo Álvaro de Campos na revista Portugal Futurista, nº1 e único), datado de 1917, e do poema “Para Além Doutro Oceano” (revista Orpheu, nº 3, curiosamente também de 1917), Dalila Pereira da Costa vê o espectáculo pessoano das ondas, atravessadas com o lápis da cruz e da vitória, a inscrever-se no Velho continente das sabedorias e a elevar-se até à superação humana de Língua Portuguesa. Dalila vê a frota dos navegantes, como Pessoa, desde o estuário do Tejo até às margens do Danúbio.
Em Orpheu, Portugal e o Homem do Futuro, Dalila aborda a profecia do Ultimatum e de Para Além de Outro Oceano. Quando escreveu este opúsculo, no ano de 1977, viu uma Europa mundializada sob a égide da civilização luso-atlântica.
Hoje, numa perspectiva idêntica, vemo-la, contudo, diferente. Vemo-la agora Nova Civilização a renascer em novas literaturas sem papel, desenrolando-se em todo o papel invisível a circular, intenso e livre entre mares incomensuráveis. Agora, vislumbramos abismados os novos mundos da internética geração, dispersa e mesmo assim inteira, numa globalidade exaltante e, ao mesmo tempo, promissora via de espaços de muitos sentidos insuspeitáveis e cheios de novidade.
Uma Nova Civilização europeia começa, hoje, na tinta impressa nos ecrãs dos computadores e no olhar dos atlantes a sobreviverem num Portugal imerso em nevoeiro. E todos os navegadores da cabeça da Europa que é Portugal, essa janela aberta para as terras do longe atlântico, essa vontade de poder ainda a perecer, ressurgem das águas das salgadas marés, a espraiarem-se na voz emudecida e viva dos náufragos esgotados de sede e de ardor.
Com o Ultimatum nas mãos, Pessoa segue um rumo certo e intemerato entre linhas geométricas e astrolábios, junto a terras novas e secretas, pejado com todas as filosofias do conhecimento humano. Entre quadros negros de cálculos audazes de infinito a germinar na escola futurista de Sagres, os nautas do mar salgado de Quatrocentos unem-se hoje aos internautas dos espaços computacionais do futuro.
Num percurso de novíssimas máquinas, com a inteligência a transcender-se para vencer toda a mística de um universo a ser decifrado pelos novíssimos mares augurados na Mensagem (1934), forjam-se altos desígnios a contornar todos os tempos abismados com o emergir do tempo novo do super-homem. E foi Pessoa quem, em 1917, recriou um Super-Homem perplexo com a complexidade, com o saber completo e a arte da harmonia.
Como profeta da Europa decadente e a renascer, Pessoa pré-anunciava o Super-Homem no Ultimatum, com a audácia da Raça dos Descobridores e a lucidez da loucura mais funda que os abismos marítimos. Em Orpheu, Portugal, e o Homem do Futuro, Dalila Pereira da Costa descobria e tocava o Pessoa ávido da força dos heróis e intérprete da história oculta a não iniciados da sua Pátria dispersa pelo mundo. Vendo nela todas as pátrias, vendo tudo com todos os olhares e com todas as almas, Pessoa ascende ao topo da totalidade do Super-Homem teorizado pelo filósofo alemão Nietzsche em Assim Falava Zaratustra, escrito entre 1883-85. Um Super-Homem todo a espargir os seus limites, superados enfim.
Orpheu, Portugal e o Homem do Futuro, escrito em 1977, é um pequeno ensaio em que Dalila Pereira da Costa, a filósofa mística do Porto, faz renascer a “pequena pátria lusitana” com as tintas da exaltação mística desse Pessoa  transfigurado no espantoso Ultimatum do ano de 1917. A esse expectante homem novo, prestes a eclodir numa Europa à procura de um Caminho para o realizar, em liberdade e na partilha fraternal, a Nova Civilização salta do seu visionarismo futurista, a alargar os braços até abraçar o mundo todo.
Ao lembrar este opúsculo da autora de O Exoterismo de Fernando Pessoa, alguns meses após a sua morte, sem ser morte verdadeira, pois Dalila aqui está viva na nossa lembrança, recordamos aquilo a que ela chamou a «suprema ascese de Pessoa visando a criação de um homem novo ou mundo novo (a partir da sua verdadeira Pátria, o mundo de Língua Portuguesa)». Como Dalila bem salienta também, Pessoa continuou a profética oratória do Padre António Vieira que, no século XVII, previa uma espantosa “História do Futuro” neste país herdeiro da mítica Atlântida, nesta escarpada costa marítima do Ocidente da Europa.
Escrevendo a pensar na gente lusa dos Descobrimentos para o mundo, o Ultimatum pré-anunciava, dezassete anos antes, o livro de poemas Mensagem publicado em 1934, apenas um ano antes da morte do “Super-Camões”. Os portugueses, como Dalila Pereira da Costa, ainda esperam pela realização dos vaticínios do Ultimatum. Esperam por um magnífico monarca, qual rei D. Sebastião, O Desejado, a arribar ao Tejo talvez n’ A Última Nau, poema profético dessa enigmática e imortal “hora”, que Pessoa nos anunciou numa hora incerta que não vamos esquecer.
Na verdade, Dalila Pereira da Costa também nunca a conseguiu esquecer, porque a “hora” para o mundo, precisamente de Língua Portuguesa virá, ainda que silenciosa, mas para ser no mundo uma «Gaia Ciência» a guiar os povos, cada um e todos a envolverem-se no magnífico Futuro da humanidade que se superou e construiu uma Civilização «realizada pela alma atlântica». Uma «Civilização universal vivificada pela seiva duma cultura cosmopolita», como acentuaria Dalila nas últimas páginas do opúsculo que recordámos neste ensejo.
A saudosa Dalila Pereira da Costa que se dedicou afanosamente ao mistério da portugalidade que Pessoa tanto escalpelizou. Na senda do Poeta dos heterónimos, Dalila viu Portugal a perecer e edificou a esperança. Fê-lo renascer na “hora”! A “hora” vaticinada pelo autor de Ultimatum a contemplar o Tejo no cais da partida «para além doutro Oceano».

Lisboa, 18 de Maio de 2012

Teresa Bernardino*

*Também assina Teresa Ferrer Passos

Publicado na revista Nova Águia, Nº 10 - 2º Semestre 2012, pp. 118-119.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A luz daquele dia
















Na velha rua da velhíssima cidade
Passa um velho casal de namorados,
Os rostos orvalhados
Pela manhã de Inverno.
Sobe no céu o sol que o Padre Eterno
Mandou que brilhasse intensamente.
Vinda do mar,
A névoa fresca sente
Que o dia a vai amar.
O cheiro a maresia
Acorda e inebria
Um bando de pardais.
A catedral deixa brilhar os seus vitrais
E abre as portas ao par de namorados.
Ei-los agora ajoelhados.
“Lembras-te daquele dia de Novembro?”,
Diz ele. Diz ela: “Lembro…”
Deram as mãos. Olham o altar.
Ouvem o som do mar a marulhar,
A lembrar-lhes o mar daquele dia.
E o cheiro a maresia
Invade a catedral,
Beija ao de leve um castiçal,
Acende uma chama numa vela.
Além dele e dela,
Mais ninguém a vê.
Olham-se e sorriem só eles sabem de quê…

5 de Novembro de 2012

Fernando Henrique de Passos

Maresia




No altar do amor ergueu-se o som do mar.

Com chamas de maresia, uma vela pequenina

brilhou, como um natal, suave e denso.

Depois, o nosso olhar tocou o céu,

descido por instantes.

As nossas almas beijaram-se  

como um sal.

E o perfume do mar ficou ali

só para louvar a Deus

que o nosso amor abençoava.

5 de Novembro de 2012

Teresa Ferrer Passos

sábado, 3 de novembro de 2012

Crónica dos confins da cidade


Um muro no centro da manhã de névoa
Um graffiti grotesco espantado ante o espanto dos transeuntes
Nos subúrbios do subúrbio
Onde a cidade e o bosque se entrelaçam
Dando origem a criaturas verdes de olhos desbotados
Mastigando líquenes
Mastigando caliça das paredes

Desceu agora de elevador um fauno triste
De musgo na lapela
Desfolhando notícias amarelentas
Com a gravata a cair verticalmente
Por falta de uma brisa
O fumo acre do cachimbo
Fazendo verter gotas de orvalho dos seus olhos

Há um poço onde uma fada se olha ao espelho
Enquanto esmaga distraída a ponta do cigarro
Que distraidamente acaba de fumar
Suspirando como quem espera alguma coisa
De que entretanto se esqueceu

Um ser pequeno atarracado
Debruça-se sobre um maço de papéis
Empunhando uma minúscula caneta
Com a qual escreve versos desvairados
Sobre cidades nunca imaginadas
Onde não há árvores nem verdura

Um caminho de lajes conduz ao underground
Em cujos túneis húmidos sombrios
Circulam vagões cheios de esmeraldas
Das quais algumas resvalam às vezes para os trilhos
Produzindo mil estilhaços de esperança
Sobre os quais se precipitam melancólicas hordas de duendes

Lá fora à superfície
No centro de tudo ainda o muro
E os fantasmas vegetais
Deambulando entre os dois lados
E o monstro entre as letras absurdas
Entre as cores cansadas e os rostos
Translucidamente passageiros dos transeuntes
De espanto hipnótico estampado
No olhar perdido entre carreiros

Confins do haver-rumo
Placas e letreiros caídos pelo chão
Servindo de pasto aos cogumelos
E à alegria sonolenta
De não se saber se se é um sonho
Ou algum poema de um anão
Esquecido do projecto de escrever
Sobre um mundo diferente do seu mundo

3/11/2012

Fernando Henrique de Passos

Crise económica portuguesa e Lusofonia


«(...) Se, com efeito, Portugal sempre tivesse promovido os laços com os restantes países e regiões do espaço lusófono, teria hoje, mesmo no espaço da moeda única europeia, uma posição bem mais fortalecida. Agora, porventura, já será tarde. A História não volta atrás. Seja como for, Portugal terá sempre futuro e terá tanto mais futuro quanto mais assumir esse desígnio estratégico: “mais Lusofonia”. (...)»

3/11/2012

Renato Epifânio in "Milhafre" (blogue do Movimento Internacional Lusófono)

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A União Económica Europeia e as Nações



A União Europeia tem os seus antepassados mais distantes no Império Carolíngio/Romano, centrado no reino dos Francos de Carlos Magno (século VIII-IX) até ao Sacro Império Romano-Germânico (a emergir no século XIV). Ambos redundaram em fracasso. Mas ambos começaram por ser o resultado de uma benéfica expansão económica dos países envolvidos no objectivo unificador.
Os progressos da economia europeia ao longo do século XIII permitiram que surgisse o sustentáculo financeiro (abundância de moeda) para não deixar regredir ou colapsar os avanços da riqueza provinda da produtividade manufactureira (industrial), comercial e agrícola. A criação das primeiras estruturas da Banca enriquece a emergente burguesia europeia. A Banca tornava-se agora o sustentáculo da produção de riqueza na Europa. As nações começavam a prosperar graças à interpenetração da Produção e da Banca (onde se depositam as poupanças para voltar a investir na produtividade).
Esta movimentação de capitais em dois sentidos – a alternância entre a poupança para produzir e a produção para a poupança – vai criar uma prosperidade nas nações que estará na base de um imponente comércio internacional. Vêem estas linhas a propósito da actualidade económica e financeira que se vive na Europa, em que Portugal se insere económica e monetariamente.
Pelo menos desde há dez anos, Portugal (integrado na União Económica e Monetária Europeia) começou a defrontar-se com uma grave crise de natureza económica que se acentuou com o governo de José Sócrates e que se transferiu para o de Pedro Passos Coelho. Este último tem tomado sucessivamente medidas para aumentar a receita e diminuir a despesa, mas logicamente sem êxito.
A verdade é que estamos neste momento com uma união económica e monetária a nível europeu e não nacional. A presença do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia (vulgo Troika), que vigia e indica as linhas orientadoras da política nacional no plano económico e financeiro, não oferece margem de manobra ao governo português.
A dívida ascendeu a valores incomportáveis para o Estado mas este não pode desobedecer às instituições de vigilância da Europa (Troika). A economia portuguesa tem definhado nos últimos anos a um ritmo assustador. Por sua vez, o governo procura superar o impacto das leis europeias a que ficámos sujeitos, através de uma política de pesados impostos que fragmentam o tecido social através da subida dos índices de desemprego e de miséria dos velhos, dos doentes, dos despedidos por falência das empresas. Muitos protestam contra a pesada carga fiscal e o despedimento público. Outros vêem o seu poder de compra baixar, tendo dívidas por empréstimos contraídos aos bancos para aquisição de casa, carro, etc. Centenas de empresas abrem falência por ausência de incentivos e deslocam as suas sedes para o estrangeiro para sobreviver. As greves proliferam e provocam prejuízos graves ao estado já muito defraudado de riqueza. Os ministros da Economia e das Finanças são considerados incompetentes porque não lançam as bases do aumento da produção industrial e agrícola. O protesto generaliza-se.
Os governos, as democracias, os partidos maioritários, são responsabilizados pela crise do progresso e do enriquecimento dos estados europeus de economias mais débeis. Mas há um factor a que ninguém está a dar suficiente importância: esta grave crise das nações não pode ser resolvida, apenas e fundamentalmente, com as medidas limitadoras a que os seus próprios governos estão sujeitos.
Esta crise económica que limita o incremento da riqueza dos estados não respeita a nenhum destes estados. E, em consequência, nenhum ministro das Finanças ou da Economia pode resolver a crise. De facto, sem que os responsáveis europeus lhes dêem instruções num sentido que lhes seja favorável, vegetam as suas economias e as suas finanças.
Os países mais fracos da Europa que aderiram ao Euro – moeda única – na Europa dos 27, estão bloqueados por razões que os ultrapassam. Por mais competência que tenham os governos, nada podem adiantar ao que lhes é imposto. A impossibilidade de comprar e vender, de produzir o que a cada país interessa individualmente, está vedada desde que se deu a adesão à Comunidade Económica Europeia e, ainda mais, desde a adesão à moeda única.
Por muito eficazes que sejam as medidas financeiras, elas de nada servem sem uma substancial receita de capitais provinda da produção nacional. Como tudo depende da esfera imperial dos países mais ricos da Europa, a estes não convindo a ascensão dos estados mais pobres, irão manter-se os pobres, e cada vez mais pobres, se das esferas superiores europeias não vierem outras directivas.
Mas, o que é ainda mais arrasador são as recentes notícias sobre o que se está a passar com um banco europeu localizado na Suíça: este anunciou o despedimento de dez mil funcionários por defrontar dificuldades na manutenção do seu status financeiro. Ora, isto prenuncia que mesmo na banca poderosa dos países ricos, podem começar a abrir-se brechas, a surgir clivagens, desde logo anunciadoras de que, mais tarde ou mais cedo, os países mais ricos da Europa também poderão sucumbir.
E com o colapso desses grandes países, toda a Europa que quis reerguer-se, recuperando o tempo da ideia imperial, entrará em decadência. Na verdade, nunca a Europa conseguiu concretizar com carácter duradouro essa ideia. Em todas as tentativas feitas, desde o almejado Império Franco-Romano até ao Sacro Império Romano-Germânico, tudo ficou por realizar.
Nem, vários séculos mais tarde, Napoleão, nem Bismarck, nem Hitler alcançaram esse sonho quimérico de uns Estados Unidos da Europa sob a égide de um ou dois estados mais ricos. A diversidade, os antagonismos e a forte identidade dos países que formam a Europa, têm tornado impossível a realização de tão irrealista e maquiavélico objectivo.

31 de Outubro de 2012

Teresa Ferrer Passos