quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Apartamento em Lisboa


Uma praia veio aqui desaguar:

As areias, as águas, os rochedos,
O cheiro espumarento que sopra sobre o mar,
Naufrágios, piratas, monstros e sereias:

Todos os medos:

Rochedos e águas e areias,
A incerta e esponjosa substância
Que é o nevoeiro correndo pelas veias;
Aos nossos pés
Um torvelinho entrelaçado com a ânsia,
A lista das ondas e marés,
O sal colado à boca e às narinas,
O fundo escuro e acre das cavernas,
As medusas demasiado femininas,
Rasgões nos braços e nas pernas,
Sol aos golfões,
Arrastando cofres e jóias e dobrões
E os destroços antigos de velhas caravelas:

Tudo me entrou pelas janelas
Quando pegava na caneta
E procurava o frasco da tinta violeta
E o papel se entornou sobre o soalho
E das gavetas da mesa de trabalho
Saíram caranguejos
Enrolados em medusas e desejos
E as cores absurdas do sol unido ao mar
Misturavam o gelo do azul com a febre do vermelho a delirar…

Parei e respirei o cheiro a iodo:

E nessa altura possuí o mundo todo.

13/5/2012

Fernando Henrique de Passos

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