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segunda-feira, 10 de outubro de 2016

No vale do mundo


Os olhos habituam-se à penumbra
E vão a pouco e pouco percebendo
O virginal delírio colorido
Das borboletas que voam só de noite.

Uma raposa espreguiça-se na relva
E a relva é branca como no Antártico
E os olhos brancos da raposa branca
Tingem de ser o nada do deserto.

10/10/2016

Fernando Henrique de Passos

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A ilusão do centro: pecado original


“(…) mas quanto ao fruto da árvore
que está no meio do jardim,
Deus disse: ‘Nunca o deveis comer,
nem sequer tocar nele,
pois, se o fizerdes, morrereis” (Gen 3, 3)



Só figuras finitas têm centro.
O ilimitado é desprovido desse lugar geométrico.

No Jardim do Éden temos tudo,
No Jardim do Éden somos tudo,
E o Jardim do Éden não tem centro.

A ilusão que nos faz ver um centro no Jardim
É a mesma ilusão que nos faz querermos mais
Além de tudo o que já somos.

E é essa a raiz de todo o Mal.

15/9/2016

Fernando Henrique de Passos


terça-feira, 9 de agosto de 2016

Tudo começou aqui


Teresa com 4 meses e sua mãe

Tu nasceste neste dia
Enquanto eu me aborrecia
À espera da minha vez.
Fiquei encantado ao ver-te
E desejei logo ter-te
Para minha companhia.

Liguei lesto pra Viana
(Apesar de ser tão longe)
Onde o meu futuro pai
Já só pensava em ser monge.

Ele ouviu a voz do alto
Dizendo “ruma a Lisboa”
E julgando que era Deus
Tirou como conclusão
Que aquela ideia era boa.

Como era muito indeciso
(O filho fora mais rápido…)
Levou ainda um par de anos
Até se fazer à estrada
Pondo em ação os meus planos.

Correu tudo muito bem
A partir desse momento
E passado o tempo certo
Deu-se o nosso casamento.

E foi assim, querida Teresa,
Que eu te levei ao altar
E mesmo não sendo príncipe
Desposei uma princesa.

Mas tudo sabes tudo isto
Quase melhor do que eu sei
Pois com respeito ao meu pai
Começaste por ser nora
Mas – se o posso revelar –
És a biógrafa agora!

9 de Agosto de 2016

            Fernando Henrique de Passos

quinta-feira, 28 de julho de 2016

O Buda e os seus seguidores


Os crentes budistas frequentam templos,
templos erguidos em louvor do Buda,
templos com altares onde brilha o Buda
e rezam ao Buda e deixam-lhe oferendas
e esperam em troca os favores do Buda.

Mas o bom do Buda não desejou isto.

Ele descobriu coisas espantosas
sobre o ser humano, sobre a existência,
sobre a liberdade que há ao nosso alcance
de nos libertarmos da vil Lei da Dor.

E quis ensinar-nos o que descobriu.

Mas o seu caminho não é estrada plana
e é tão mais fácil construir uns templos
em louvor do Buda, com altares ao Buda,
e fazer em ouro imagens do Buda
e rezar ao Buda e deixar-lhe oferendas
e esperar em troca os favores do Buda…

28/7/2016

Fernando Henrique de Passos

domingo, 24 de julho de 2016

Há no firmamento...





"Há no firmamento
Um frio lunar,
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.

Quási maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.

Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.

Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
'Stou no meu olvido...
Dorme, coração..."


Fernando Pessoa, Obras Completas de Fernando Pessoa, Poesias I, 2ª edição, Editorial Ática, Lisboa, 1943, pp.81-82.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Acontecimento raro


Incêndio das cartas astrológicas
Abismos a abrir-se no espaço sideral
Rajadas de vento a despentear galáxias
Sobressaltos nos ínfimos asteroides
Delírio do pó feito de estrelas
Dança ritual de mil planetas
Sob a chuva de energia cósmica
Que o destino convocou ao provocar
A conjunção de dois sóis…

20/7/2016

Fernando Henrique de Passos

Sintonia sem espaço




(Ao Fernando, no 23º aniversário do nosso primeiro encontro
                                   na Fundação Gulbenkian)


Nos laços do espaço, não há o teu espaço
e o meu espaço. Tudo se mistura numa nuvem
ou num céu azul, como se fosse puro acaso.

E tudo se transforma nos segundos
que contamos entre minutos.
As nossas vozes ecoam em silêncio
e tocam-se. São uma só, e distintas.

O nosso amor impõe-se numa   
distância, sem distância alguma.
E o nosso ser tem uma sintonia
que nenhuma razão explica.

E procuramo-la tantas vezes.
Procuramo-la até num tão simples gesto
como ligar um telemóvel.

20 de Julho de 2016

                                  Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A Fantástica Viagem


Estou sob a grande abóbada secreta
No bordo do mapa e no fim do mundo.
Daqui para a frente é sempre em linha reta
Através do vento gemebundo.

Deixou de haver lugares nesta jornada,
Apenas um relógio a servir de guia.
Entre o ponto de partida e a chegada
O espaço só de uma poesia.

Dar corda ao relógio antes de partir
É pôr a funcionar a estranha ponte
Que iguala os pontos que devia unir:
E assim, só de o olhar, já estou no horizonte…

13/7/2016

F.H.P.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Indícios


A forma invisível
Em torno da qual
Se enredam os teus sonhos

A falta de razão
Para um pôr-do-sol
Te parecer tão belo

A sombra rebelde do teu querer
Que te faz ir por outro lado
Diferente do que julgavas procurar

As palavras na música sem voz
Que te dizem aos ouvidos mil segredos
Que tu não tens palavras para repetir

:Eis alguns dos rostos
Do Senhor teu Deus

13/7/2016

Fernando Henrique de Passos

domingo, 19 de junho de 2016

No ventre do vulcão


Teu era o sangue
E lágrimas corriam do teu rosto.

A dor era também tua
E então fizeste dela a tua escrava
E deste-lhe a ordem de escavar a lava.

(Por isso ela agora sua
Abrindo a larga galeria
Por onde jorrará a luz do dia.)

14/6/2014

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 7 de junho de 2016

Uma folha de papel em branco


                                                                 À Teresa

A folha de papel à tua frente
Onde querias provar que Deus existe
Permanece teimosamente em branco
E Deus olha o teu esforço e Deus sorri-te.

Larga a caneta e ergue os olhos,
Sorri para Deus quando Ele te sorri,
Faz-te tu mesmo folha de papel
E deixa ser Deus a escrever em ti.

7/6/2016

Fernando Henrique de Passos

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A lontra


Paro no seio da pergunta

(A lontra nada na líquida doçura
Entre cascatas, água, sombras, luz e nada,
Onde nada suscita uma procura
Que não seja já a coisa procurada)

Eis-me no seio da pergunta

12/5/2016

Fernando Henrique de Passos

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Alta voltagem



Os olhos do céu abriram-se muito
Os olhos do céu abriram-se tanto
Que fulgiu de novo o fogo já extinto
Deixando espelhar o brilho do espanto

8/5/2016

Fernando Henrique de Passos

domingo, 8 de maio de 2016

A lei do Letes


(convoco, para a Musa minha, o 9 de Copas Arcano)

Ó Morte e doce Morte que me zurzes
Com essa luz fatídica e cruel
Que dava a negra cor às verdes urzes
E que ria nas bênçãos de Raquel...

Doce Morte que a rir assim me surges
E que entras disfarçada de batel
Onde os bons e os maus perdem as cruzes
E a vida é um teatro de papel,

Ensina-me a cantar o teu sorriso,
Teu alor liquefeito, o Paraíso,
Ensina-me a ser Deus e não diabo,

Pois se eu hei-de morrer um dia destes,
Que seja ouvindo a voz, entre ciprestes:
«Não começo, não vivo e não acabo.»

ORA PRO NOBIS PECCATORIBUS

Paulo Jorge Brito e Abreu

sábado, 23 de abril de 2016

Reflexos no Interior de uma Clepsidra



Oh vitrais virtuais das catedrais elétricas
Que encerrais os sonhos devastados de meu pai
Nas vastas galerias geométricas
Onde o sopro do espírito se esvai:

− Devolvei-me o vosso prisioneiro!

Oh lírio com medo de crescer
Que buscavas a sombra de um convento
E me deixaste a luz do querer crer
A mim, teu filho, como em testamento:

− Saberei merecer ser teu herdeiro!

Oh "sonhos não sonhados" de Pessanha,
Cores avistadas num país perdido,
Guardadas na ala mais estranha
Do museu dos monstros sem sentido:

− Resgatar-vos-ei do cativeiro!

18/4/2016

                Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 12 de abril de 2016

(TEORIA DO TUDO)





Um fragmento de Deus
Separou-se do resto do seu corpo.
Corpo e fragmento sofrem atrozmente.
Desejam reunir-se
Mas vogam no espaço que os separa.
Só podem voltar a encaixar
Se no instante em que de novo coincidam
For rigorosamente zero a sua velocidade relativa:
Não poderá haver nesse momento
Qualquer impulso mútuo…
Nem de atração…
Nem de repulsa…


12/4/2016

              Fernando Henrique de Passos

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Idílio Franciscano


( avoco, para a Musa minha, o Sumo Sacerdote )

À hora dessas rezas, à noitinha,
Afogado em tristezas, e em pena,
Doce luz eu vi, pois, que se avizinha…
Perguntei-lhe: «Quem sois?» - «Meu nome é Lena.»

E tudo era color, ó Rosa minha,
Que à hora do fulgor, a Bela ordena…
Citereia lá vinha, era Rainha,
Que andorinha tu és, e flor amena.

E pois que a meiga branda, em flor de lis,
Demanda, meu Senhor, pela Sophia,
E pois que é deleitosa, e cor d’ Assis

A Rosa numa veiga se anuncia,
Eis Bela, a avena bela, é Beatriz,
Que a flor de anis anelo, e nasce o dia.

Lisboa, 10/ 04/ 1994

AVE MARIA, GRATIA PLENA

Paulo Jorge Brito e Abreu

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Flor do deserto


                         À Teresa, no aniversário do nosso casamento




Oh flor do deserto, entre areias finas,
Rebento da noite, botão da promessa,
No silêncio negro és tu que iluminas
O espaço vazio que a Lua atravessa.

Mistério da luz que ninguém entende,
Pérola translúcida, espelho sem moldura,
Não temes o tempo pois nada te prende
À miragem cega que a turba procura.

Oásis de cor, sonho de poeta,
Límpida manhã do meu despertar;
Folha de papiro, mensagem secreta,
Raiz profundíssima do verbo esperar…


19 de Fevereiro de 2016

                           Fernando Henrique de Passos

Esperar


                  Ao Fernando, no 22º aniversário do nosso casamento




do alto das torres te vejo mais alto
como um clarão a subir às nuvens
às nuvens que passam sempre devagar.

do alto do rio te vejo descer
até à intempérie de um largo mar
e nele planar no imenso chão.

do alto da sombra te vejo a amar
te vejo a sonhar com nova manhã
e a renascer num céu de mil asas.

19 de Fevereiro de 2016

                                    Teresa Ferrer Passos


domingo, 14 de fevereiro de 2016

Equilíbrio



                        Jesus todo a mover-se
                        no equilíbrio da Sua vontade,
                        com a força do Pai,
                        sem recusar as mãos do amparo e
                        a sentir nelas o olhar doce de Sua Mãe,
                        Maria Santíssima.

                                      14/2/2016

                                                                         Teresa Ferrer Passos