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domingo, 24 de julho de 2016

Há no firmamento...





"Há no firmamento
Um frio lunar,
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.

Quási maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.

Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.

Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
'Stou no meu olvido...
Dorme, coração..."


Fernando Pessoa, Obras Completas de Fernando Pessoa, Poesias I, 2ª edição, Editorial Ática, Lisboa, 1943, pp.81-82.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Revelação das almas ou o teatro




«Chamo teatro estático àquele cujo enredo dramático não constitui acção - isto é, onde as figuras não só não agem, porque nem se deslocam nem dialogam sobre deslocarem-se, mas nem sequer têm sentidos capazes de produzir uma acção; onde não há conflito nem perfeito enredo. Dir-se-á que isto não é teatro. Creio que o é, porque creio que o teatro tende a teatro meramente lírico e que o enredo do teatro é, não a acção nem a progressão e consequência da acção - mas muito abrangentemente a revelação das almas através das palavras trocadas e a criação de situações» 

                                                        Fernando Pessoa


Do intróito à peça O Marinheiro de Fernando Pessoa,1913 (revista por ele mais tarde), (in Obra em Prosa de Fernando Pessoa - Ficção e Teatro, Public. Europa-América, L. B. E.A, nº 470 p.153).

sábado, 14 de junho de 2014

A Fernando Pessoa


                                                            (no 126º aniversário do seu nascimento)

A sensação absurda e lancinante
De que cada coisa que nos olha
Nos tenta falar de uma outra coisa
Diferente de si própria,
Esta sensação, tu conheceste-la
Nas noites de insónia em que acordado
Sonhavas ser tu, e não Caeiro,
A tomar conta do rebanho,
E cada tronco, cada ovelha, cada pedra
Te fazia sentir como a um estranho.


13/6/2014

                                Fernando Henrique de Passos

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

«O luar quando bate na relva»


«O luar quando bate na relva
Não sei que coisa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...

Se eu já não posso crer que isso é verdade
Para que bate o luar na relva?»

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), Guardador de Rebanhos

quinta-feira, 13 de junho de 2013

No Aniversário Natalício de Fernando Pessoa


               «Acima da verdade estão os deuses.
                A nossa ciência é uma falhada cópia
                Da certeza com que eles
                Sabem que há o Universo.

                Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
                Não pertence à ciência conhecê-los,
                Mas adorar devemos
                Seus vultos como às flores,

                Porque visíveis à nossa alta vista,
                São tão reais como reais as flores
                E no seu calmo Olimpo
                São outra Natureza.»*

                                     * De uma Ode de Ricardo Reis

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A propósito de «Orpheu, Portugal e o Homem do Futuro»

-  LEMBRANÇA DE
DALILA PEREIRA DA COSTA (1918-2012)





«Num sentimento de febre
de ser para além doutro Oceano»
Fernando Pessoa,
“Para Além Doutro Oceano” (poema), 1917
  

Terrível superação e bendita, a de ser Pessoa o escolhido para abrir o caminho novo da pátria exausta, e, com ela, de todas as pátrias moribundas! Todas as pátrias a serem, no cume da montanha do tempo, uma só pátria a escrever-se na Europa apagada ainda por um mundo vil e degenerescente.
Num mar de oceanos múltiplos, cresceram os povos de tradições tão várias, a mudar com os séculos e os milénios, e, ao mesmo tempo, ensinando aos vivos identidades do presente e desvios da memória do passado.  Cada um, a ditar o cérebro sem amarras do homem-super, sem diferenças de rumos ou desigualdades insuperáveis.
Aqui, num sempre Portugal a respirar Pessoa, nasce o imenso futuro da ideia nova que é capaz da ousadia, mesmo da temeridade de um oceano longínquo e imortal, podendo transformar povos inteiros num povo redimido por essa  Europa a transbordar de espírito e de emoção, numa colheita imensa de sementes sábias.
Rumo à Europa dos novos descobridores de um mundo inteiro a dar-lhe a largueza dos mundos que o grego criou na Odisseia e na Ilíada mediterrâneas e que o português recriou nas navegações das Américas e do Índico e do Pacífico, essas geografias alheadas de si e sem saberem nada de quem chegava, urgente e inquieto.
Na oratória do Pessoa do Ultimatum (ass. pelo heterónimo Álvaro de Campos na revista Portugal Futurista, nº1 e único), datado de 1917, e do poema “Para Além Doutro Oceano” (revista Orpheu, nº 3, curiosamente também de 1917), Dalila Pereira da Costa vê o espectáculo pessoano das ondas, atravessadas com o lápis da cruz e da vitória, a inscrever-se no Velho continente das sabedorias e a elevar-se até à superação humana de Língua Portuguesa. Dalila vê a frota dos navegantes, como Pessoa, desde o estuário do Tejo até às margens do Danúbio.
Em Orpheu, Portugal e o Homem do Futuro, Dalila aborda a profecia do Ultimatum e de Para Além de Outro Oceano. Quando escreveu este opúsculo, no ano de 1977, viu uma Europa mundializada sob a égide da civilização luso-atlântica.
Hoje, numa perspectiva idêntica, vemo-la, contudo, diferente. Vemo-la agora Nova Civilização a renascer em novas literaturas sem papel, desenrolando-se em todo o papel invisível a circular, intenso e livre entre mares incomensuráveis. Agora, vislumbramos abismados os novos mundos da internética geração, dispersa e mesmo assim inteira, numa globalidade exaltante e, ao mesmo tempo, promissora via de espaços de muitos sentidos insuspeitáveis e cheios de novidade.
Uma Nova Civilização europeia começa, hoje, na tinta impressa nos ecrãs dos computadores e no olhar dos atlantes a sobreviverem num Portugal imerso em nevoeiro. E todos os navegadores da cabeça da Europa que é Portugal, essa janela aberta para as terras do longe atlântico, essa vontade de poder ainda a perecer, ressurgem das águas das salgadas marés, a espraiarem-se na voz emudecida e viva dos náufragos esgotados de sede e de ardor.
Com o Ultimatum nas mãos, Pessoa segue um rumo certo e intemerato entre linhas geométricas e astrolábios, junto a terras novas e secretas, pejado com todas as filosofias do conhecimento humano. Entre quadros negros de cálculos audazes de infinito a germinar na escola futurista de Sagres, os nautas do mar salgado de Quatrocentos unem-se hoje aos internautas dos espaços computacionais do futuro.
Num percurso de novíssimas máquinas, com a inteligência a transcender-se para vencer toda a mística de um universo a ser decifrado pelos novíssimos mares augurados na Mensagem (1934), forjam-se altos desígnios a contornar todos os tempos abismados com o emergir do tempo novo do super-homem. E foi Pessoa quem, em 1917, recriou um Super-Homem perplexo com a complexidade, com o saber completo e a arte da harmonia.
Como profeta da Europa decadente e a renascer, Pessoa pré-anunciava o Super-Homem no Ultimatum, com a audácia da Raça dos Descobridores e a lucidez da loucura mais funda que os abismos marítimos. Em Orpheu, Portugal, e o Homem do Futuro, Dalila Pereira da Costa descobria e tocava o Pessoa ávido da força dos heróis e intérprete da história oculta a não iniciados da sua Pátria dispersa pelo mundo. Vendo nela todas as pátrias, vendo tudo com todos os olhares e com todas as almas, Pessoa ascende ao topo da totalidade do Super-Homem teorizado pelo filósofo alemão Nietzsche em Assim Falava Zaratustra, escrito entre 1883-85. Um Super-Homem todo a espargir os seus limites, superados enfim.
Orpheu, Portugal e o Homem do Futuro, escrito em 1977, é um pequeno ensaio em que Dalila Pereira da Costa, a filósofa mística do Porto, faz renascer a “pequena pátria lusitana” com as tintas da exaltação mística desse Pessoa  transfigurado no espantoso Ultimatum do ano de 1917. A esse expectante homem novo, prestes a eclodir numa Europa à procura de um Caminho para o realizar, em liberdade e na partilha fraternal, a Nova Civilização salta do seu visionarismo futurista, a alargar os braços até abraçar o mundo todo.
Ao lembrar este opúsculo da autora de O Exoterismo de Fernando Pessoa, alguns meses após a sua morte, sem ser morte verdadeira, pois Dalila aqui está viva na nossa lembrança, recordamos aquilo a que ela chamou a «suprema ascese de Pessoa visando a criação de um homem novo ou mundo novo (a partir da sua verdadeira Pátria, o mundo de Língua Portuguesa)». Como Dalila bem salienta também, Pessoa continuou a profética oratória do Padre António Vieira que, no século XVII, previa uma espantosa “História do Futuro” neste país herdeiro da mítica Atlântida, nesta escarpada costa marítima do Ocidente da Europa.
Escrevendo a pensar na gente lusa dos Descobrimentos para o mundo, o Ultimatum pré-anunciava, dezassete anos antes, o livro de poemas Mensagem publicado em 1934, apenas um ano antes da morte do “Super-Camões”. Os portugueses, como Dalila Pereira da Costa, ainda esperam pela realização dos vaticínios do Ultimatum. Esperam por um magnífico monarca, qual rei D. Sebastião, O Desejado, a arribar ao Tejo talvez n’ A Última Nau, poema profético dessa enigmática e imortal “hora”, que Pessoa nos anunciou numa hora incerta que não vamos esquecer.
Na verdade, Dalila Pereira da Costa também nunca a conseguiu esquecer, porque a “hora” para o mundo, precisamente de Língua Portuguesa virá, ainda que silenciosa, mas para ser no mundo uma «Gaia Ciência» a guiar os povos, cada um e todos a envolverem-se no magnífico Futuro da humanidade que se superou e construiu uma Civilização «realizada pela alma atlântica». Uma «Civilização universal vivificada pela seiva duma cultura cosmopolita», como acentuaria Dalila nas últimas páginas do opúsculo que recordámos neste ensejo.
A saudosa Dalila Pereira da Costa que se dedicou afanosamente ao mistério da portugalidade que Pessoa tanto escalpelizou. Na senda do Poeta dos heterónimos, Dalila viu Portugal a perecer e edificou a esperança. Fê-lo renascer na “hora”! A “hora” vaticinada pelo autor de Ultimatum a contemplar o Tejo no cais da partida «para além doutro Oceano».

Lisboa, 18 de Maio de 2012

Teresa Bernardino*

*Também assina Teresa Ferrer Passos

Publicado na revista Nova Águia, Nº 10 - 2º Semestre 2012, pp. 118-119.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Frente a uma imagem de Santo António






Nasci no dia do Irmão António, a recolher-se jovem ao deserto das vertigens da África mediterrânica. Ao lado da dor da saudade pátria, a panaceia da sua santa idade a vazar-se ali e a ser futuro na Itália, sem retorno. 

Nasci no dia do Santo António de Lisboa, como ele. Nesse dia em que, lembrei-me, minha mãe “celebrava o dia dos meus anos”. Nasci. E achei tudo o que a cercava bizarro. Procurei sair de imediato. Mas vi os seus olhos sedentos de mim. Tentei sorrir. Não fui capaz. Mirei-a. Com as lágrimas em torrente, meus olhos, mal abertos, viram as suas faces começarem a entristecer. Olhou o Santo, na paz da mesa de vinhático em frente ao berço. Orou, olhando-o. Fez um sinal enigmático sobre as minhas lágrimas. 

Precisamente, naquele “dia em que celebrava o dia dos meus anos”, com o espanto a brotar do meu corpo tão pequeno, esbocei, com esforço, um sorriso só para ela. Ninguém o viu. Nem mesmo minha mãe ou só o Santo? 




13 de Junho de 2012 (124 anos depois do nascimento de Fernando Pessoa) 

Teresa Ferrer Passos

domingo, 6 de maio de 2012

A Última Nau


Fragata Bartolomeu Dias (2012)



Levando a bordo El Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.

Não voltou mais.
A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou ‘spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.

Fernando Pessoa, Mensagem (1934)