segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Um poema do livro de Teresa Ferrer Passos, MEMÓRIA DE PAZ, Hora de Ler, Leiria, pp. 9-10:


RÉSTIA DE PAZ

As estevas brancas e o joio
cresciam lado a lado.
Entre amores-perfeitos e estrelas-do-egipto
nada se distinguia com nitidez.
De mãos entrelaçadas, esperávamos
as horas silenciosas do crepúsculo.
Inflamados pelas cores azuladas das alcachofras,
esperávamos a hora nova ou do nunca.
Depois, pela janela larga e debruçada da casinha
enquadrada na serra enevoada,
víamos crescer o sol,
de cansaço prostrado aos nossos pés.
Abismados, os nossos olhos sucumbiam naquela visão
procurando ainda uma réstia de paz.
Firme como no primeiro dia,
vimos o sol brincar às escondidas
com os contorcidos troncos
e as folhinhas da velha oliveira.
Como a sorver uma grande paz,
desvendámos aqui o segredo da vida:
verdes rebentos brotavam, com audácia,
da sua escavada carcaça,
inquebrantáveis de força!

domingo, 27 de novembro de 2022

«MEMÓRIA DE PAZ», Hora de Ler, Leiria, 2022, pág. 7:



Árduos são os tempos e os lugares que semeiam os finos arcos da poesia. A poesia a irromper nos dias que vivi na fadiga dos momentos, em que cresci devagar num canteiro de interrogações brutais e quiméricas. A busca da paz introduz-se em cada verso, livre de intenções ou de projetos. Em cada página, as palavras rodam entre luz e sombra, como um carrossel. E tudo coado por nuvens transparentes ou pesadas como uma chuva que não chega ao nosso olhar. Em cada página vibra uma torrente de memórias a soltarem-se, precipitadas e urgentes, em datas inesquecíveis, com os seus sentidos e os seus sentimentos a brotar como um rebento de minúsculo malmequer do campo. E tudo isto enleado nos dramas de uma sociedade lançada num pântano obscuro e, ao mesmo tempo, a penetrar em ideias edificadas sobre falhas que se julgam edénicas, de súbito. A poesia eclode como um sussurro incandescente, uma imagem do divino ausente ou enternecido, um verbo conjugado com a força de caminhos desconhecidos, mas prontos a serem trilhados. A poesia perfila-se como uma paz que tudo sustenta, vagarosa e sólida, que gira em torno de um real que se esconde e se descobre, sem eu ou tu, mas a espraiar-se no grande enigma de sermos nós.

Setembro de 2022

Teresa Ferrer Passos

sábado, 19 de novembro de 2022

UM POEMA do livro «MEMÓRIA DE PAZ», Hora de Ler, Leiria, 2022, pp. 11-12:

Alcantarilha antiga vista do lado nascente

 

MEMÓRIA DE ALCANTARILHA


Ali, ao crepúsculo, vibrava o espaço numa sinfonia
Imensa. Os sons, irreconhecíveis, prolongavam-se
Na minha alma cansada e ansiando paz.

Ali, ao crepúsculo, o piar do cuco tímido e choroso
Fazia-me pensar em todas as solidões do mundo.
Mas, os sinos da igreja desviavam-me o pensamento.

Ali, ao crepúsculo, esquecia-me de mim,
Extasiada pelo colorido azul-róseo do céu
A convocar-me a um cântico novo ao criador.

Ali, ao crepúsculo, esvoaçavam os pássaros
Com trinos rápidos, na excitação pelo fim do dia.
E as árvores inclinavam-se às verdes folhas paradas.

Ali, ao crepúsculo, via passar, de súbito, a cegonha,
Pesada de esperança nas asas ávidas de vida.
E, sem olhar para trás, rumava ao alto ninho.

Ali, ao crepúsculo, descia à terra o silêncio.
Então, frente à beleza do cenário,
Parecia-me que, sem saber, rezava.

Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Excerto da obra de Teresa Ferrer Passos «São Joaquim - uma Alma à Procura de Deus» ( narrativa ficcional em elaboração):


S. Joaquim, imagem barroca


«Naquele paradisíaco ambiente humano, Joaquim era pródigo a fazer perguntas a si próprio. Quem será essa mulher predileta do criador dos altíssimos pináculos e das muralhas invencíveis do céu? E essa mulher, será capaz de fazer estremecer o reino diabólico do mal? Será capaz de elevar a cabeça das frágeis criaturas humanas, semelhantes a efémeros malmequeres espalhados entre as ervas daninhas dos largos campos? Como irá Deus escolher entre todas as jovens da Palestina, uma jovem assim tão perfeita que estará acima das mais perfeitas?»

Fernando Hen


sábado, 5 de novembro de 2022



NO PRESENTE SE ESCREVE O ANTES

                   Lembrança do dia de noivado, há 29 anos

no presente construo a chegada contigo a meu lado.
E vejo um mar de amor que nunca se quebra
uma vereda invisível a romper os agrestes caminhos
um golpe de vento a lançar flores em vez de um suspiro.
A memória do tempo revela todo um antes presente
e as nossas mãos se cruzam como almas ardentes.
uma palavra a emergir e a nascer da vida


5 de Novembro de 2022

                                              Teresa Ferrer Passos


***

DESFILADA

Vamos em dois cavalos à desfilada
Mas mesmo assim vamos de mão dada.

Tudo em nós é horizonte,
Vale após vale e monte após monte.

E nas cores de incêndio deste fim de tarde
É o nosso amor a chama que arde.

É o nosso amor a luz que nos guia,
Para além das trevas, para além do dia.

Desabam palácios quando nós passamos?
Não queremos saber! Não nos importamos!

Já não tenho medo, tu nunca o tiveste;
A minha coragem, tu é que ma deste.

Vamos de mão dada e olhamos em frente
E a marcha do tempo é rumo ao presente.

Um presente eterno chega à desfilada
Na hora em que o tudo eclode do nada.

E as cores do ocaso brilham na distância
E sabem que a paz vai seguir-se à ânsia.

Vamos a galope, vamos de mão dada,
E tudo é presente, e tudo é chegada…

5/11/2022

                            Fernando Henrique de Passos