segunda-feira, 29 de abril de 2013

Estilhaços de amor


Francisco de Assis com o lobo

Estilhaços de amor cravados nas estrelas
salpicam-nos e trazem-nos lágrimas transparentes à
superfície dos olhos.
O caos cresce nos nossos corpos sem as sementes
do amor.
As horas extinguem-se nos corações vazios de amor.
Nascem desertos dentro dos nossos músculos,
dentro das nossas veias, dentro dos nossos ossos,
onde não sopra o vento manso do amor.
Tudo se esvai e desvanece quando nos esvaziámos
dos sinais vivos de amor.
Tudo se estilhaça de encontro às faces estranhas
de quem está connosco.
Soltam-se estilhaços do rosto dos desamparados sem um olhar de amor a alguém, a um simples alguém.
O vazio segue e o nosso caminho fica inseguro e árduo.
O vazio segue-nos, desfeito em nada,
sem procurar mesmo que sejam só uns estilhaços de amor. 

Nós olhámos para trás e pegámos-lhe na mão.
Restava-nos ainda um estilhaço de amor.

8 de Abril de 2013
                                                   Teresa Ferrer Passos

sábado, 27 de abril de 2013

Do consenso à paz social


«É essencial que, de uma vez por todas, se compreenda que a conflitualidade permanente e a ausência de consensos irão penalizar os próprios agentes políticos mas, acima de tudo, irão afetar gravemente o interesse nacional, agravando a situação dos que não têm emprego ou dos que foram lesados nos seus rendimentos, e comprometendo, por muitos e muitos anos, o futuro das novas gerações.»
(...)
«As instituições financeiras internacionais, fazendo uso da sua força persuasiva enquanto credores, terão induzido os governos dos países em dificuldades a aplicarem medidas que violam regras básicas de equidade, regras que constituem alicerces das sociedades democráticas contemporâneas. Ameaçando a coesão e a paz social, perturbaram a estabilidade das democracias constitucionais e geraram novos sentimentos antieuropeus.»
       Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República de Portugal (Discurso na Cerimónia da Assembleia da República comemorativa do 25 de Abril de 1974)  

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Gostar do que se faz

«Fazer o que se gosta ou gostar do que se faz? Pode parecer o mesmo, mas é bem diferente. Já Santo Agostinho dizia que o segredo de uma vida feliz estava em gostar - e aprender a gostar - de fazer aquilo que se tem que fazer e que é a nossa missão. Quem só faz aquilo de que gosta, limita-se a seguir os seus apetites e fica criança mimada. Nem é feliz, nem se pode contar com ele.»

        Vasco Pinto de Magalhães, in Não Há Soluções, Há Caminhos

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Para lá do espaço das palavras














Quase impossível

O som das palavras caindo uma após outra
Na superfície do lago subterrâneo
Gotas opacas
Calcário de palácios pré-humanos
Pré-história das amibas

Sei o caminho
Ao menos isso sei

Atravessar a maldição dos ecos
A luz fantasmagórica
As sombras nas paredes

Ao menos isso sei

Descer à pré-história das estrelas
Reflexos perdidos entre grutas
Milenar chão sedimentado
Pó de calcário
Pegadas de astronautas do passado

Ao menos isso sei

Conter o ímpeto de rasgar o espaço
Descer ainda
Procurar o centro da manhã
No reino onde o sol nunca nasceu
Palácios do tempo das fadas e dos reis
Gotas de calcário nas vidraças
O lençol de água sob a terra

Ao menos isso sei

Mergulhar
Nadar até ao fundo
Até à sombra dos reflexos
Centro da névoa naufragada

Voltar à tona d’água

Isso sei – daí para a frente não sei nada

20/4/2013

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 16 de abril de 2013

Acerca do poema "O Meu Céu na Terra!..." de Santa Teresa do Menino Jesus



FACE DE JESUS, O CRISTO


ACERCA DO POEMA «O MEU CÉU NA TERRA!...»
de Teresa do Menino Jesus e da Santa Face. 


No poema «O Meu Céu na Terra!...», Santa Teresa do Menino Jesus descobre na Face de Jesus, o guia para as suas acções, o caminho para a sua santidade, o rumo para a missão de transmitir os Seus caminhos até aos confins do mundo.

A missão é, para Teresa do Menino Jesus, o objectivo maior da sua vida. Na procura de seguidores de Jesus, Teresa desvenda a Sua Verdade, provoca apóstolos da Sua divindade, lança arautos do Seu Reino de Amor.  

Logo, no primeiro verso de «O meu céu na terra!...» surge esplendorosa a imagem de Jesus. Ela impõe-se por si, ela conduz «os meus passos», escreve Teresa. Depois, a doçura do Seu rosto transforma-se num céu, já, aqui, na terra.

As lágrimas, que Jesus carrega no peso da cruz - no peso do pecado - tornam esse Rosto ainda mais sedutor, ao erguer-se como a «única Pátria» e um «Reino de amor».

Ao contemplar a Face salvífica de Jesus, Santa Teresa de Lisieux acha-se à porta do Mestre, a desencantar a semelhança, e assim, a tocar, quase a medo e sem medo, o «doce Salvador». 

Ao alcançar os «traços», ao receber as «marcas» da sua beleza próxima do humano e divina - uma beleza que não está apenas na imagem exterior, mas sobretudo na imagem interior -, Teresa de Lisieux esconde-se «sem cessar» nessa Face para que, no seu caminho pequenino, Jesus a deixe chegar à santidade. 

Ela sabe que, só desse modo, tem ao seu alcance a conquista de novos santos. Novos santos que Santa Teresa do Menino Jesus tanto ambicionava oferecer ao Salvador.   

16 de Abril de 2013

                                                                                          Teresa Ferrer Passos



O MEU CÉU NA TERRA

JESUS, A TUA INEFÁVEL IMAGEM
É O ASTRO QUE CONDUZ OS MEUS PASSOS
AH! TU BEM SABES, O TEU DOCE ROSTO
É PARA MIM O CÉU CÁ NA TERRA.

O MEU AMOR DESCOBRE OS ENCANTOS
DA TUA FACE EMBELEZADA PELO PRANTO.
EU SORRIO ATRAVÉS DAS LÁGRIMAS
QUANDO CONTEMPLO AS TUAS DORES
(...)

A TUA FACE É A MINHA ÚNICA PÁTRIA
ELA É O MEU REINO DE AMOR
(...)

O TEU ROSTO, Ó MEU DOCE SALVADOR
É O DIVINO RAMO DE MIRRA.
(...)

A TUA FACE É A MINHA ÚNICA RIQUEZA
EU NÃO PEÇO NADA MAIS
ESCONDENDO-ME NELA SEM CESSAR
PARECER-ME-EI CONTIGO, JESUS...
DEIXA EM MIM A DIVINA MARCA
DOS TEUS TRAÇOS CHEIOS DE DOÇURA
E EM BREVE, TORNAR-ME-EI SANTA
E ATRAIREI PARA TI OS CORAÇÕES.
(...)

                                     Teresa do Menino Jesus e da Santa Face

sábado, 13 de abril de 2013

O “PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU…” e SANTA TERESA DE ÁVILA




«E para Teresa o céu é a alma (...). “Neste pequenino palácio da minha alma cabe tão grande Rei (…) Que coisa maravilhosa! Aquele que poderia encher muito mais de mil mundos com a Sua grandeza vem encerrar-se numa coisa tão pequena”»

                                   Renato Pereira «O Pai-nosso de cada dia»
          in Revista de Espiritualidade, nº 81, Jan/Março 2013, p.25. 

terça-feira, 9 de abril de 2013

«Quando Orardes...»




«Santa Teresa de Jesus no seu caminho de perfeição fez um belo e suficientemente longo comentário a esta oração ensinada por Jesus; também ela constatava, à sua volta e em si própria, o quão longe estamos da verdade do que o Pai nosso encerra.»

               Alpoim Alves Portugal, «Quando Orardes...» in Revista de Espiritualidade,  nº 81, Janeiro/Março 2013

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Um destino feito da forma das palavras
















De que palavras é feito o azul do mar?
Que sons conduzem ao fio do horizonte?
Que lendas dormem à espera de acordar
No dia em que a pena de um poeta as conte?

De que palavras é feito o cheiro a sal?
Qual é a cor dos sons que escorrem dos navios?
Que praia estenderá seu areal
Aos que um dia enfrentarão os céus sombrios?

Que alma habita a névoa leve, a rocha dura,
Com força de animal, ternura mais que humana?
– É a palavra passada e que é futura,
É o grito, é o langor, da língua lusitana…

27/11/2012

Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A espada de fogo do arcanjo




A espada de fogo do arcanjo
Na cidade fria à noite
Quando arrepios de ar se roçam furtivamente nas vidraças
Do lado de fora das casas aquecidas

A espada de fogo do arcanjo
Quando os eléctricos passam esmagando a chuva fina
De luzes apagadas e luminosos estalidos de faíscas
Quando o peso da massa de ferro nos carris
É a única coisa que é real

A espada de fogo do arcanjo
Reflectida nas poças de água límpida
E nos cristais dos lustres exteriores

O rosto cristalino do arcanjo
Olhou-se na montra de uma loja
Olhou para lá do seu reflexo

A espada de fogo do arcanjo
Desceu devagar sobre a cidade
Procurou vestígios do dragão

Toca um telefone
Dentro e fora das casas aquecidas
Dentro e fora das alamedas frias
Dentro e fora dos cérebros das crianças
Que espreitam atrás dos vidros húmidos
Tão húmidos do lado de fora do conforto

Toca um telefone
Os sonhos electrónicos do século
Interrompem os sonhos de granito
Da cidade erigida sobre a terra
Interrompem secos e neutrais
Os sonhos lentos das raízes
Dos prédios presos à saudade
Do tempo definido dos dragões

A espada de fogo do arcanjo
Quando o brilho noctívago da urbe
Por pouco não rasgou o véu do tempo

A espada de fogo do arcanjo
Quando o brilho da chama se extinguiu
Por falta de um dragão

31/3/2013

Fernando Henrique de Passos

sexta-feira, 8 de março de 2013

PÁSCOA 2013




SAGRAÇÃO DO COELHINHO

Coelho, eu te consagro,
Pelo nome do Cordeiro,
O Rei dos reis, imolado,
Mas, agora, redivivo.

Tu que tens o dom
Da fecunda reprodução,
Vem, vem de novo ser bom,
No ilimitado perdão.

Vem, coelhinho da Páscoa,
De fantasia profunda,
Cestinha de ovos fecundos,
Adocicar os meus medos.

Senhor Morto, ressurreto,
Subindo aos céus pelos seus,
Enquanto na Terra são lebres
Mensagens de chocolate.

Luiz Martins da Silva (Brasil)






PROCISSÃO DO FOGARÉU (*)

Irrompem com suas tochas
E trajes de algozes
A Quarta-Feira de Trevas,
Rufando tambores.

Altivos e temerários
[Assombro de crianças],
Eles são os farricocos.
Vasculham cada ruela.

Mas de ninguém a denúncia
Do paradeiro de Cristo,
Nem o velho calçamento
De pedras por testemunha.

Mas, como? Já o prenderam?
Fácil, não houve fuga.
Já os aguardava o Cordeiro
Na túnica pura dos justos.

Luiz Martins da Silva (Brasil)

* Ocorre a cada ano na cidade de Goiás (Goiás Velho, antiga capital do Estado de Goiás), Brasil.









Pintura (a óleo s/ tela) de Albino Moura

«Deus não procura meios poderosos: foi com a cruz que venceu o mal! Não devemos crer naquilo que o Maligno nos diz: não podes fazer nada contra a violência, a corrupção, a injustiça, contra os teus pecados! Não devemos jamais habituar-nos ao mal! Com Cristo, podemos transformar-nos a nós mesmos e ao mundo.»
Papa Francisco na Homilia de Domingo de Ramos
24/3/2013



«Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz»
         Papa Francisco na Homilia do Dia de S. José   19/3/2013





O Santo Padre Francisco revela que veio para servir


 a Deus, servindo os Seus filhos, a Humanidade!



20/3/2013 
                                                                       Teresa Ferrer Passos


FRANCISCO… E O MUNDO NOVO
A CAMINHO DO VELHO VATICANO

Papa Francisco

     Chamo-me Francisco. Sou o novo Papa. O sucessor do Papa que abdicou, Bento XVI. E sucessor daquele que não desceu da missão, embora tombado, paralítico, quase sem poder falar.

     O novo Papa chama-se Francisco. Esse o nome de Francisco de Assis, esse o nome de Francisco Xavier, e também, esse o nome de Francisco de Sales. O primeiro, a negar a riqueza e a elevar-se à altura dos pobres. O segundo, a chegar aos confins do mundo, à Índia e ao Japão. O terceiro, a converter aqueles que se afastavam e a propagar a sancta simplicitas das pequeninas acções.
     Francisco. Nome inédito entre Pontífices. Nome rico de simbolismo.

     O Papa Francisco traz da América do Sul, mais precisamente da Argentina, a estatura mental do Novo Mundo. Como tal, em poucas horas, foi capaz de escrever belas páginas. Escreveu páginas de simplicidade com a fisionomia grave.

     Pela primeira vez, um Papa vem de tão distantes terras para a Cadeira de S. Pedro. Vem dessa América do Sul descoberta por portugueses e espanhóis, dessa América do Sul a quem a Companhia de Jesus (a que pertence o Papa Francisco), levou a Boa Nova divulgada pelos apóstolos do Cristo, Jesus.

     Da América do Sul parecem chegar ventos de mudança para a Cúria Romana. O tom simples com que o Papa Francisco falou ao povo cristão, com que falou urbi et orbi, após a sua eleição, revelou a sua personalidade vincada e com uma firme convicção sobre a beleza da vida humana, segundo os Evangelhos de Jesus.

     Um tom simples que se reforçou, nessa noite de 13 de Março de 2013, ao dirigir ao povo reunido na Praça de S. Pedro, um pedido, mais do que um pedido, um favor: rezem comigo o Pai Nosso e a Ave Maria (as orações que todos sabiam dizer com ele). E o povo começou, sem o suspeitar, a falar com ele.

     O Papa Francisco colocava-se do mesmo lado que o povo. Mais do que do mesmo lado, o Papa Francisco pedia ainda ao povo que rezasse por ele, antes de ele o abençoar.

     Para o Papa Francisco era preciso que o povo intercedesse, rezando, para ele poder abençoá-lo com a absoluta certeza da eficácia da sua bênção. Seria a oração do povo, o selo, o selo de que a sua bênção não seria vã, mas eficaz e plena.

     Um voo novo risca os céus de Roma. Foi o Papa Francisco que, logo ao assomar à janela do Vaticano para saudar o povo, o começou a traçar.     

14 de Março de 2013
                                                                Teresa Ferrer Passos



«Ressoe em nós intensamente o convite à conversão, "a converter-se a Deus de todo o coração" (Joel 2, 12), acolhendo a sua graça que faz de nós homens novos, e de uma novidade maravilhosa que é a participação na própria vida de Jesus.»

Papa Bento XVI, Sermão da Quarta Feira de Cinzas de 2013



Pintura (a óleo s/ tela) de Sieger Köder 

AURORA DE VIDA

Jesus está pregado no madeiro.
É o Filho do Altíssimo.

Tem o corpo envolvido de escárnio,
De desprezo, de abandono.
O sangue enrola-o como uma corda.
As dores, prostradas de sofrimento,
Silenciam-se. Vê-se o corpo com a pele esfarelada.
Há um lodo viscoso a escorrer das vísceras.
A morte explode no corpo deitado
De Jesus pregado no madeiro (em cruz).

A carne está a transformar-se em terra viva.
Confundindo-se com a terra sem vida,
A poeira dos ossos está pronta para a perda.
Tudo está prestes à morte.

Eis a Aurora de um Novo Mundo!
Como Jesus, o Filho do Altíssimo,
Uma Vida nova eleva-se,
E também a vida em abundância!

Vitória sobre a morte!

E ninguém mais morrerá com a sua própria morte!

Jesus Ressuscitou!

O Homem não é pó,
O Homem não se tornará pó, nem cinzas,
O Homem não morrerá!


                                  PÁSCOA/2013
                                                                              (Inédito)
                                                
                                                   Teresa Ferrer Passos



Pintura de Sieger Köder

«Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus. O que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» 

S. Paulo, Carta aos Romanos, 12, 2 



Jesus Cristo na cruz, Santuário de Fátima

PRIMAVERA PASCAL
(eu avoco, arquetipal, o 6 de Copas Arcano)


«Eu sou a videira; vós, os ramos.
Quem permanece em mim e Eu nele,
esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer
 Evangelho Segundo São João


                                                              à memória de Antônio William Fontoura Chaves


Só da Luz, quero a Luz e muita Luz,
Que ela é Pão, que ela é prémio pró dolente,
Ela é nova, ela é noiva, eu digo sus!!!
Coragem para o pobre e o doente.

Só da Luz. Só d'Amor, em farta Vinha,
O Sol agora vem, e é bem-vindo......
Ai cânticos e frol duma andorinha!!!!!!
O dia é Primavera, eu digo lindo!!!!!!

Só da Luz, minha leda, e só do Vate:
Vem d'amora, de poma, e vem de véu......
Vem comigo, a lidar o bom combate:
Eu n'asa dos teus olhos, vejo o Céu.

COOPERATORES VERITATIS
                                                        Paulo Jorge Brito e Abreu



Sepulcro de Jesus

                    MISTÉRIO PASCAL



O Uno, O Todo, O Inefável, Deus,
O sonho de todas as filosofias,
Morreu pendurado pelos braços,
E morto esteve durante três dias.

O Mundo quebrou-se em mil pedaços,
As aves do céu e os lírios do campo tremeram de medo,
E os espaços siderais tremeram de frio.

Mas ao terceiro dia, manhã cedo,
Madalena encontrou o túmulo vazio.

O túmulo vazio, o Mundo pleno,
Regurgitando de luz e de sinais,
Para tanto Amor quase pequeno.

Que procuramos mais?

PÁSCOA/2013
                                                         (Inédito)

                                        Fernando Henrique de Passos 





BOA PÁSCOA 2013!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Tarde



Se a tarde parecer estranha,
Se for tarde demais,
Não deixes a montanha,
Detém-te um pouco mais.

Detém-te na descida,
Deslumbra-te a olhar:
Já nada tem medida,
Nem há tempo a passar.

Se a tarde delirar,
Não busques a manhã:
É cedo pra acordar
E a lucidez é vã.

26/2/2013

Fernando Henrique de Passos

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Sangue-Relíquia

UMA MEDITAÇÃO POSSÍVEL
SOBRE A SANTIDADE DO BEATO JOÃO PAULO II*


Padre José Nuno Ferreira da Silva

«(…) Ele foi o Papa que o mundo pôde ver ensanguentado por amor do mundo, num momento crucial, quase no início do seu longuíssimo pontificado, a 13 de Maio de 1981, quando, em plena Praça de São Pedro, sofreu o atentado que veio a definir o sentido do seu percurso, vinculando-o a Fátima e à sua Mensagem, nomeadamente à terceira parte do Segredo que, por sua iniciativa, foi divulgado no ano 2000, oferecendo a imagem de um bispo de branco, caindo sob o fogo de armas.
Um Papa em sangue. João Paulo II ofereceu, aos olhos dos homens deste tempo, algo já esquecido nas lonjuras da Igreja nascente: o sangue de um sucessor de Pedro. Escolher o seu sangue como relíquia é trazer para o século XXI a lembrança do sinal de contradição que o acontecimento do atentado constituiu nos fins do século XX. A sua vida como Papa, sabemo-lo, obedeceu a esse desígnio: introduzir a Igreja no terceiro milénio.

O seu sangue, de ora em diante exposto à compreensão ou à incompreensão dos homens, crentes ou não, reveste-se de grande significado, convoca, para o milénio que começa, a trama global em que viveu o seu múnus pontifício. Discípulo de Cristo e seu Vigário, da chamada a concretizar nestes tempos a missão do primeiro dos apóstolos, nada de mais significativo poderia ser oferecido aos tempos, como sinal e interpelação, que o seu próprio sangue. Este permanecerá perenemente como lugar de enraizamento de um milénio que se escreve diferente desde o princípio, porque João Paulo II, Papa entre dois tempos, não temeu derramá-lo. (…)

A sua santidade é próxima, real, nada tem de etéreo ou angelismo. É de carne e de osso, de olhares e sorrisos, palavras serenas e palavras duras, palavras de compreensão e palavras de censura, palavras de compaixão e palavras de beleza... e gestos, muito gestos, muitos gestos e actos de sentido profético inesgotável. Místico, não fugiu ao mundo nem se voltou sobre si em misticismo desencarnado. Actuante, não caiu em activismo. Viajante, imobilizava-se em longos silêncios orantes.

Atlético e saudável, soube envelhecer sem se esconder nem permitir que o escondessem, como hoje tanto acontece. Confiado aos cuidados médicos e neles confiante, recusou o encarniçamento terapêutico e acolheu a morte na sua hora. A sua santidade foi uma santidade corpórea, tangível, situada no tempo e no espaço, tecida das múltiplas relações que estabeleceu, mas profundamente enraizada na experiência quotidiana da Páscoa de Cristo, acontecimento culminante da divina Misericórdia. O sangue diz a santidade totalmente humana que corria nas artérias e veias do corpo que foi e que nós vimos e ouvimos, tocámos e sentimos.

Só o sangue poderia expressar esta totalidade, porque só o sangue não é dizível como uma parte do corpo que a pessoa é. O sangue chega a todo o corpo. Chegou a todo o corpo que João Paulo II foi, naturalmente bombeado por um coração incansável, levando e trazendo, cumprindo a troca que possibilita a vida; só o sangue, elemento corpóreo culturalmente símbolo de martírio e doação, poderia expressar a radicalidade que em cada um dos seus compromissos foi visível. Nada como o sangue seria relíquia adequada do Beato João Paulo II. Sangue-relíquia.

É belo, também, lembrar que o sangue deste Papa, sendo sangue derramado, é sangue recebido. Sangue recebido de anónimos homens e mulheres que, na dádiva do seu próprio sangue, dão vida, como deram vida a João Paulo II, nas muitas circunstâncias da sua existência em que precisou do sangue de outros para continuar vivo, nomeadamente na sequência do atentado. Quem seriam? Quem terá, sem o saber, dado do seu sangue ao Papa?

Toda a tradição bíblica do sangue como princípio de vida e, em Jesus, princípio de vida nova, oferece um horizonte de compreensão para visitarmos a relíquia do sangue do Papa de todas as gentes, que todo o mundo visitou. O sangue do Papa das gentes resulta da mistura dos sangues de pessoas várias, em momentos críticos vários da sua existência. Sangue derramado que é sangue recebido, que é sangue dado.

A relíquia surge, assim, liberta de toda e qualquer enviesamento de interpretação pietista ou marcada pela superstição, como uma narrativa de amor, expressão do elevado patamar de comunhão, tão global quanto interpessoal, que este Pastor universal atingiu. (…)»

José Nuno Ferreira da Silva**

* Internet, Paróquia de S. Cosme, Gondomar (excertos).
** O Pe. José Nuno nasceu em 1964 em Gondomar, é Licenciado em Teologia e Doutorado em Bioética pela Universidade Católica. Actualmente, é Capelão do Hospital de São João no Porto e Coordenador das capelanias hospitalares.