terça-feira, 30 de setembro de 2014

Quinta-feira da espiga


Toma o tempo que quiseres.
Senta-te aqui e deixa-te arrastar
Pela contemplação desse mistério,
O grande torvelinho imóvel que te sorve,
Que te arranca as camadas do corpo e, uma a uma,
As recoloca depois na ordem certa.
Toma o tempo que quiseres, mas não perguntes
Que faço aqui no meio das papoilas?
Aguarda apenas que os sons do campanário
Deixem de ser exactos algarismos,
E que o óleo de novo se torne em aguarela
Na hora plena das doze badaladas
Fundidas num único sol-posto,
Prenúncio da derradeira madrugada,
Aquela que nunca terá fim.


29/9/2014

Fernando Henrique de Passos

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A ocultação do tempo...



«(a personagem) Tempo 01 -  Um mar sem direcção sou eu e também sou aquele que tudo envolve e ninguém conhece, até mesmo nos domínios do Império da Vigilância Superior, em que há máquinas para desocultar as mais pequenas coisas ou os mais escondidos segredos que habitam o pensamento da gente humana! por isso, tudo o que sinto ou quero, parece desintegrar-se de mim, como se tudo o que me respeita fosse toda uma ocultação, como se nada me pertencesse, apesar de tudo ser meu...»
                  
                               Teresa Ferrer Passos, Planeta Joyce 8, Harmonia do Mundo, 2007, p. 24.

domingo, 21 de setembro de 2014

Contigo...

Enfermeira Natércia Ferrer

«... O teu corpo mudo. E afinal aprendi, estou a aprender a falar contigo sem tu me poderes dizer nada. Invento os sorrisos que não és capaz de esboçar, encontro as palavras que desejavas dizer-me, descubro a vontade que não expressas, mas te vai na alma. És um corpo iluminado pelo meu olhar sagaz, estonteado, revolto. (...)»

         Teresa Bernardino (ortónimo de Teresa Ferrer Passos) in Carta-Memória à Mãe, 2000 (por ocasião do 10º aniversário da morte de Natércia Paz Ferrer, minha mãe)

O feiticeiro transparente

O mago da praia sem idade
Vê a cada instante o universo inteiro
Conhece todas as cores da única verdade
E num perpétuo lusco-fusco de mosteiro
Vai entretecendo o tempo na eternidade

O bobo do parque dos narcisos
Procura espelhos nos olhos dos pardais
Ouve aplausos no chocalhar até dos próprios guizos
E a ânsia de ouvir cada vez mais
Torna-lhe os gestos febris e imprecisos

O drama todo do mundo
Vem do mágico e do pantomineiro
E do seu laço profundo:
Só pode agir o primeiro
Por meio do bailado do segundo


21/9/2014

Fernando Henrique de Passos

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Vazio de mãe


«Na casa há vozes de silêncio. Não se escutam. Não alertam. Não dão as mãos. Nem a boca para o suave beijar. As mãos, a boca, os lábios estão vazios de palavras ditas, reditas sem cessar. E a doçura é amarga sensação de tortura ou náusea ou dor sofrida, magoada. Só. Aqui. Entre móveis paredes objectos emudecidos pela tua ausência» (1 de Julho de 1990)

                Teresa Bernardino (ortónimo de Teresa Ferrer Passos) in Carta-Memória à Mãe, 2000 (por ocasião do 10º aniversário da morte de Natércia Paz Ferrer, minha mãe)

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Imagens da mente...


«(...) O químico do cérebro sente-se cada vez mais a viver dentro de um labirinto misterioso que ele acaba por multiplicar por centenas de outros labirintos. Ao espelhá-los numa contínua sobreposição, imagina séries de imagens deformadas que o estonteiam; entra, depois, num estado de letárgica existência que julga interminável.
Vê-se um espectro mórbido, um corpo esquelético de ninguém, um equívoco da vontade e do ser acabados na solidão. Vive. Sozinho na imobilidade. No excesso da perda, toda a energia se apagou num acaso inevitável.(...)»

Do romance inédito Um Cientista e uma Folha de Papel em Branco de Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A luta pelo poder

Debate Costa-Seguro
A contenda-conflito de Costa contra o secretário-geral do Partido Socialista Seguro dá uma má imagem deste partido político. Dividido, o partido continua a dispersar forças. Pelas argumentações, os dois candidatos a 1º Ministro não se distinguem claramente, ainda que Costa se revele mais prudente, foi infeliz em expressões como "fazer uma fisioterapia" ou "uma agenda para a década".... Costa não se revela melhor ou superior a Seguro, antes pelo contrário... É claro que Costa não é novo nas lides de anteriores governos do PS, mas se sair vencedor nas primárias de 28 de Setembro próximo, não será difícil a Passos Coelho dar-lhe o pontapé de saída daqui a um ano, como já o fez com o experiente e engenhoso José Sócrates, há 3 anos.

11 de Setembro de 2014
Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Numa sociedade que repudia a diferença...

Ana Augusta Plácido com Camilo Castelo Branco
e o primeiro filho, Manuel
«(...) sensível ao desprezo e ao desdém da sociedade, Ana agoniza a dor sem se queixar a Camilo. Ele dá pouca importância às suas mágoas, alcandora-se numa indiferença de palmeira desenraizada. As feridas que já vão atingindo também o corpo da amante, parecem não o tocar. O órgão que mais se ressente é o coração. A sociedade não lhe dá tréguas. E Ana é incapaz de ter o autodomínio necessário para se preservar dos golpes (...)»

     Teresa Ferrer Passos, O Segredo de Ana Plácido, Edições Gazeta de Poesia, Lisboa, 1995, 1ª edição, p. 233 (Romance publicado por ocasião do 1º Centenário da morte de Ana Augusta Plácido).