sábado, 29 de junho de 2013

Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, em breve Cardeal




       Neste Dia de S. Pedro e S. Paulo (29 de Junho), o recém-nomeado Patriarca de Lisboa D. Manuel Clemente recebeu o pálio, a insígnia litúrgica que simboliza o serviço de Patriarca e, por tradição inerente, de Cardeal, o mais alto cargo da Igreja Católica depois do Papa, que lhe será atribuído na próxima reunião do Sacro Colégio Pontifício. A insígnia, desde já, de Patriarca, foi entregue a Manuel Clemente das mãos do próprio Papa Francisco. Depois, Manuel Clemente prestou o juramento de fidelidade à Igreja e ao Papa. O pálio, uma faixa ou estola de lã branca de cordeiro, é o símbolo de Jesus, o Bom Pastor. A lã felpuda da faixa é decorada com seis cruzes pretas de seda que representam, por sua vez, o compromisso de ser capaz de dar a vida pelas mansas ovelhas que vai conduzir.

       Neste ensejo, lembramos o que Joseph Ratzinger escreveu no livro Jesus de Nazaré: «Alguém demonstra que é um verdadeiro pastor, quando entra através de Jesus visto como porta; é que, deste modo, Jesus permanece substancialmente o pastor: só a Ele “pertence” o rebanho». (Ob. cit., 2007, p.346). D. Manuel Clemente recebeu, ao ser investido do pálio, a responsabilidade de continuar o ofício de servir o Bom Pastor, seguindo o amor que o Bom Pastor, com quem Jesus se identifica, tem pelo seu “rebanho”.

       Ao assumir este cargo eclesial, Manuel Clemente coloca-se no número daqueles que, em breve, na qualidade de cardeal não só escolherá, em conclave, o sucessor de cada Papa, como ele próprio se coloca entre aqueles que poderão vir a ser sucessores de Pedro, como agora o foi o Cardeal Jorge Mario Bergoglio, com o nome de Papa Francisco. Na verdade, como Jesus disse, impõe-se no plano de Deus “haver um só rebanho e um só Pastor”.

       Os Cardeais podem vir a ser sucessores de Pedro a quem Jesus confia a missão indo ao ponto de ser capaz de dar a vida pelas Suas ovelhas. Na 1ª Carta de Pedro aos pagãos, estão escritas palavras orientadoras para os futuros continuadores da missão evangélica: «Aproximai-vos d’Ele, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus. E vós mesmos, como pedras vivas, entrai na construção de um edifício espiritual, por meio de um sacerdócio santo» (I Ped 2, 4-5). Nesta breve 1ª Carta do Apóstolo, vemos Pedro fazer uma magnífica oração dirigida aos povos estrangeiros, junto de quem exaltava a maravilha de anunciar «as virtudes d’Aquele que os chamou das trevas para a Sua Luz admirável» (I Ped 2, 9). Ainda no mesmo documento relevamos a importância que Pedro atribui já aos presbíteros (título eclesial da época), nestes tempos primitivos do Cristianismo.
    
     O Apóstolo, na humildade de servir a Jesus o Cristo, acentuava nesta missiva que ele próprio era um presbítero como eles. Exortava-os ainda a dar a maior relevância a princípios de ordem moral, conforme os caminhos traçados por Jesus: «Apascentai o rebanho que Deus vos confiou, velando por ele, não constrangidos, mas de boa vontade; não por um sórdido espírito de lucro, mas com dedicação; não como dominadores sobre os que vos foram confiados, mas como modelo do vosso rebanho. E quando o Príncipe dos pastores aparecer, recebereis a coroa de glória que jamais se ofuscará» (I Ped 5, 2-4). Nos nossos dias, o recém-eleito Papa Francisco procura seguir estas linhas de rumo do Apóstolo que Jesus escolheu para O representar na terra, em que se inscrevem as palavras de Jesus: «Amai-vos uns aos outros como eu vos amei».

       Com a sua conhecida simplicidade, com uma personalidade frontal, com o seu entusiasmo, o Patriarca D. Manuel Clemente vai ser, acreditamos, um escrupuloso discípulo de Pedro. Ele é a pessoa indicada, nos nossos dias, para redimensionar, na linha da predicação do Papa Francisco, uma Igreja ainda demasiado apagada, pouco interventiva na sociedade materialista do mundo Ocidental. Uma Igreja sem as ousadias da redescoberta daquela Igreja primitiva, essa Igreja do tempo de Pedro e de Paulo, não será capaz de redescobrir o mundo nem que o mundo a redescubra.

       Que o Patriarca (em breve, Cardeal) Manuel Clemente edifique uma nova e grande fé na Ecclesia de Deus. Impõe-se salvar da tempestade a barca das palavras de Deus encarnado em Jesus. É preciso repor o exemplo como guia de vida para os que ainda não crêem ou aqueles que deixaram de crer. A D. Manuel Clemente, auguramos, parafraseando Santa Teresa do Menino Jesus –Padroeira das Missões e Doutora da Igreja –, um caminho movido pela força arrasadora e súbita dos pequenos caminhos, esses mesmos que oferecem às criaturas humanas os caminhos do Pai, do Filho, do Espírito Santo.    

29 de Junho de 2013

Teresa Ferrer Passos*
*Historiadora

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Maria José Nogueira Pinto – Uma Vida Invulgar


Foi ontem lançada no Museu de S. Roque uma monografia histórica sobre Maria José Nogueira Pinto, antiga Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, deputada pelo CDS e, mais recentemente, como independente, nas listas do PSD. A obra, de carácter biográfico, foi construída por Maria João da Câmara, através de depoimentos de colaboradores, amigos e de sua família de que destacamos seu dedicado marido Jaime Nogueira Pinto, escritor e político.
A obra foi apresentado por Manuela Ferreira Leite que elogiou “a forma e o ritmo” da autora. Referindo-se a Maria José Nogueira Pinto recordou a sua “capacidade de analisar problemas e de nunca desistir”.
 O Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Pedro Santana Lopes, salientou a grande força anímica de Maria José Nogueira Pinto, a quem a ex-ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite caracterizaria deste modo singelo: "Experimentem ser como ela".

27 de Junho de 2013
 Teresa Ferrer Passos



sábado, 22 de junho de 2013

Por Ocasião dos 100 Dias do Pontificado de Francisco


ACERCA do DIREITO de RECEBER o BATISMO 

Papa Francisco na Capela da Casa de Santa Marta 


     «Pensai numa mãe solteira que vai à Igreja, à paróquia e diz ao secretário: Quero batizar o meu menino. E quem a acolhe diz-lhe: Não tu não podes porque não estás casada. Atentemos que esta mãe que teve a coragem de continuar com uma gravidez o que é que encontra? Uma porta fechada. Isto não é zelo! Afasta as pessoas do Senhor! Não abre as portas! E assim quando nós seguimos este caminho e esta atitude, não estamos fazendo o bem às pessoas, ao Povo de Deus. Jesus instituiu 7 sacramentos e nós com esta atitude instituímos o oitavo: o sacramento da alfândega pastoral. (...) Quem se aproxima da Igreja deve encontrar portas abertas e não fiscais da fé!»

Missa em 25/5/2013                                                                                   
                                                                    Papa Francisco



     Nem todos os padres se comportam com essa atitude de fazer os filhos pagarem pelos actos dos pais. Contudo, é bom que o Papa Francisco lembre estes casos que não obedecem a uma norma da Igreja, mas continuam a depender do critério de cada Padre de Paróquia. É urgente que a atitude de intransigência (de responsabilidade pessoal) deixe de ser possível. As palavras do Papa Francisco são bem reveladoras do que um padre deve fazer em relação a uma mãe solteira que deseja batizar o seu filho(a).

                                                    22/6/2013

                                                                                               Teresa Ferrer Passos

O laboratório no deserto



A boca ressequida da loucura.
A pele gretada.
Um olhar quebradiço
De capa de revista abandonada
Quebra o feitiço
Que mantinha em suspenso a madrugada.

Lucubrações.
A luz castanha de uma vela.
Paredes cobertas de escaninhos
Guardam a razão negramarela
Da noite enovelada em torvelinhos
Transformando em óleo a aguarela.

O laboratório no deserto.
As moscas de metal.
O espaço totalmente desconexo
Do rodapé de um manual
Reflecte perplexo
Os fulgores de um ocaso matinal.

O riso solto e sem medida.
O alambique.
A luz é destilada gota a gota
E o sol a pique
Viola a madrugada desgrenhada e rota
E espera que o sangue o purifique.

A cadência exacta do metrónomo.
O pó de areia.
O pensamento desdobrável do deserto
Converte o meio-dia em lua cheia
E dissolve o contorno quadricular e certo
De cada nova ideia.


21/6/2013

Fernando Henrique de Passos

terça-feira, 18 de junho de 2013

Amor celeste



(invoco, para o mar, o Arcano da Estrela)

Em Númen´s multicores, em nobreza,
Marinela de plantas se vestia,
E as Graças, os Cupidos, a magia,
Nos seus cabelos eram a lindeza.

Mansíssima oração, alada deusa,
Coa Lua vens silente em Poesia.
Bendita sejas tu, bendito o dia
Em que o Vate a ti veio com pureza.

Em ti bailam as flores da floresta,
Em ti cessa o meu mal por que eu me afoite.
Bendita sejas tu, ó meiga mesta,

Bendito seja o ventre em que me acoite.
Maria, Mãe das flores, vem qual Vesta,
Maria, Mãe dos astros e da Noite.

Lisboa, 10/ 01/ 1991

AMOR MAGISTER EST OPTIMUS

                                                 PAULO JORGE BRITO E ABREU

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Academia de Estudos Misericordianos



"O Secretariado Nacional da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) aprovou recentemente a criação da Academia de Estudos Misericordianos. Por iniciativa e proposta de Manuel Ferreira da Silva, fundador do jornal Voz das Misericórdias, a Academia pretende ser um fórum de estudo e reflexão sobre as Misericórdias e todas as dinâmicas que as envolvem e caraterizam." 
                              Jornal Voz das Misericórdias, Maio de 2013

sábado, 15 de junho de 2013

À Bout de Souffle



Um salto no espaço aberto no livro
Nas ondas no rio no meio das casas
Os prédios de letras desfazem-se em números
Os símbolos vagos são gotas de chuva
O vento é vertigem ruína de ideias
Conceitos castelos que se desmoronam
A lava das ruas sobe à superfície
A água fervilha e desfolha páginas
Um arranha-céus faz de secretária
A luz de um relâmpago faz de candeeiro
Um salto no espaço no buraco negro
Futuro nas frases nas linhas quebradas
No papel molhado na caneta húmida
Nos cálculos lúbricos e nos teoremas
E na enxurrada de premissas falsas
O vento na cara o livro de rojo
A racha no muro a mesa entornada
Há teses hipóteses planos imperfeitos
Torrente de símbolos dilúvio de ideias
Letras a boiar números desbotados
Sucessão de casas ondas a ruir
Um salto no espaço aberto no cérebro
No círculo certo no centro do mundo
E no convergir de todos os arcos
Arquejar dos astros tempestade cósmica
Golfada de vento espasmo universal
Um salto no centro da falta de fôlego
De um deus quase à beira de criar alguém
E que pára à espera de ouvir o silêncio
No fundo do vento no fundo da chuva
Para lá da lama em fechando o livro
Mas o livro ri-se
Grossas gargalhadas bátegas de riso
Bailam sobre as águas comandam o vento
Saltam no vazio no espaço deixado
Pela falta de ar do sopro de Deus
Preso ao turbilhão da ideia de ser
E do movimento a que deu início
E não quer parar não sabe parar
Não pode parar
Enquanto houver letras enquanto houver livro
E o livro for lei


14/6/2013
                                Fernando Henrique de Passos

quinta-feira, 13 de junho de 2013

No Aniversário Natalício de Fernando Pessoa


               «Acima da verdade estão os deuses.
                A nossa ciência é uma falhada cópia
                Da certeza com que eles
                Sabem que há o Universo.

                Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
                Não pertence à ciência conhecê-los,
                Mas adorar devemos
                Seus vultos como às flores,

                Porque visíveis à nossa alta vista,
                São tão reais como reais as flores
                E no seu calmo Olimpo
                São outra Natureza.»*

                                     * De uma Ode de Ricardo Reis

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Santo António e o povo de Lisboa

«Durante a sua vida, não há notícia de que S. António tivesse feito milagres. Mas, depois de morrer, porque a dor, a carência do seu afecto pretendem algo que o continue, a fé nasce no coração daqueles que dantes só o admiravam ou o amavam demasiado humanamente.»



«Mas quando S. António morreu, de repente, tudo se modificou. É então que ele é revelado aos seus contemporâneos, é revelado no vazio que ele lhes deixa.»


«É então que o espanto domina essa multidão até aí tão segura num amor que era quase obstáculo da fé.»


«Então ela compreendeu que é a fé que readmite a grandeza do amor, que lhe dá vida, que tem o poder de conter os vivos na perpétua união com a vida. E foi quando os milagres começaram.»*


* Excertos do livro Santo António de Agustina Bessa Luís, pp. 229-230.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Psicanálise sideral



Um sono pesado do lado estranho da montanha
De pé no estrado por cima do rio
Na mão o machado sobre a lenha
O fio da lâmina metalizando o frio

O peso do castelo no ângulo azul do horizonte
A massa de argila lodosa ao pé do barro
A água suspensa do escorregar da fonte
O caminho estreito do burro atrás do carro

A taça que cintila no estalar da luz no arvoredo
O delírio do ídolo das fadas no terraço:
Varandas penduradas sobre os mundos imensos do segredo:
Terror nocturno da solidão do espaço


10/6/2013

Fernando Henrique de Passos

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Uma psico-biografia de Santa Teresa do Menino Jesus

Edições Carmelo acabam de publicar uma obra
 sobre Santa Teresa do Menino Jesus


«Se a paz habitar o nosso espírito, abre-se a porta para o caminho da perfeição. Porque onde habita o Amor, aí vive a paz.»

«E a paz surge em quem sabe "dar" o Amor, da mesma maneira que o sabe "receber".»

«A paz que começa no nosso coração transmite-se aos outros corações. A paz é o fim último do "viver de Amor"»

        Teresa Ferrer Passos «Poética do Sofrimento e do Amor em Santa Teresa de Lisieux» in revista Faces de Eva, nº16, 2006, p.59.

sábado, 1 de junho de 2013

No Dia Mundial da Criança - Pequena Homenagem

Nuvem Pequenina de Céu

      No átrio de uma escola, onde não se lembrava de alguma vez ter entrado, Beatriz viu um letreiro que dizia: «Nuvem pequenina de céu». Ficou pasmada. Nem queria acreditar. Como podia estar a ver ali um recreio de uma escola?! Correra tão depressa e chegara, sem dar por nada, àquele lugar?! Só tinha a certeza de não querer encontrar qualquer outra escola.

      Afinal, ali havia também uma escola?! Como, estando tão distante da sua escola, entrara numa escola que lhe parecia a mesma? Ela, que fugira de uma escola por não gostar de lá estar, que penetrara num mundo livre de maldade e logo entrava, de novo, numa escola? «Só pode ser igual à outra!», gritou desesperada. As escolas não eram todas iguais? Se todas eram escolas, todas deviam ser iguais, pensava com uma grande desilusão a percorrer todo o seu corpo encharcado pela água gelada do rio, mas cheio de uma nova esperança.

      A sua cabecinha, estonteada por uma fuga tão vertiginosamente rápida, sentia-se demasiado confusa e estranha. Ali, naquela escola via tantos meninos e meninas correndo, jogando, rindo. Mas como fora ali parar?! Quem a empurrara para aquele lugar que só lhe trazia terríveis lembranças de um tempo horrível e tão próximo? Precisamente, o lugar que ela tanto desejara esquecer para sempre, aparecia-lhe, inesperadamente, no fim do mundo?!

      De súbito, Beatriz pensou que talvez se tivesse enganado na direcção que tomara. Tal a sua precipitação na fuga, tal o desejo de não voltar à escola… Devia ter seguido por um caminho errado… Mas, como se enganara?! Haveria mais do que um caminho? E ela que julgava só haver um destino por aquele rumo…

      Restava-lhe fugir de novo, sair dali. Mas como fazê-lo? Não via uma porta, nem um portão, não via uma rua, nem uma estrada. Estava dentro de um recinto aberto e, na verdade, completamente fechado. Naquele lugar, onde todos pareciam brincar divertidamente, também não descobria uma janela, sequer uma estreita fresta. Onde chegara, afinal?! O ambiente tão natural numa escola parecia-lhe idêntico ao da escola tenebrosa donde fugira. Encontrava-se numa escola, era iniludível. Ora, isto só poderia ser o começo de um novo suplício…

      Agora que escolhera a liberdade de ser outra criança, a liberdade de ter o seu próprio destino, acabava de entrar ainda, outra vez, numa escola?! Quanto tempo desejara ver-se livre daquele recreio onde os meninos da sua turma lhe batiam todos os dias, como se ela estivesse ali a mais, estivesse ali sem dever, como se ela fosse um empecilho, um estorvo ou um bocadinho de lixo abominável. E, depois da fuga salvadora, caíra numa armadilha… Tinha a certeza. Entrara de novo numa escola!

     Sem ela ter tido tempo de procurar uma eventual saída, duas meninas e um menino saíram do grupo em que brincavam e, olhando-a, disseram em uníssono: «Anda Beatriz, vem brincar connosco». Estupefacta ante o simpático convite, respondeu toda a tremer: «Brincar com vocês? Vocês não são como os outros?!». «Vem, não tenhas medo. Somos teus amigos». «Meus amigos, como?», interrogou Beatriz, sem acreditar na sinceridade das suas palavras.

     «Aqui, numa pequenina nuvem de céu, todos são amigos e, por isso, ninguém fica de fora da amizade», disseram a sorrir. «Mas eu devo ficar como sempre fiquei! Sempre fui vista na escola como um verme, um verme repelente…», insistiu Beatriz, sem acreditar no que lhe diziam. Seria um embuste para a apanharem? Iria cair numa nova armadilha? Ou, pelo contrário, estavam a dizer-lhe a verdade?! Mas como podia Beatriz acreditar?!

     Ao verem-na sem responder e com as faces incendiadas de medo, já nem conseguiam sorrir. Como a tinham magoado, afinal! Depois, viram-na a esconder-se por traz de um fiozinho de água de uma das fontes daquela escola, cheia de fios de água, plantas com frutos e relvados largos com pequenos esquilos, coalas e lémures a saltitar. Todos os animais que saiam das suas tocas tinham um pelo aveludado, olhos dóceis e patinhas felpudas.

     Entretanto, Beatriz começou a divertir-se com aqueles bichinhos inesperados. E, os três meninos saídos do grupo, não resistiram a chamá-la de novo: «Tu abandonaste o tempo da inimizade, rejeitaste o tempo da cólera, tu tiveste a coragem de escolher o tempo da harmonia e o tempo da paz. Aqui, encontras esse tempo em que nunca chegaste a viver. Nesta escola serás tratado por irmã». «Escolhi o único tempo em que eu podia viver, o tempo da amizade», respondeu Beatriz, já confiante e com um sorriso nos lábios.

     Naqueles momentos, a pequena Beatriz começou a sentir que podia haver escolas com meninos bem diferentes daqueles que estavam na escola donde fugira. Afinal, havia escolas com meninos amigos uns dos outros, sem marginalizados, sem os «fora do grupo», sem martirizados, só porque eram cheios de mansidão. Naquela escola, que estava numa pequenina nuvem do céu, não havia que ter medo de ficar lá, sempre a aprender novas coisas.

     Agora, Beatriz não pensava mais em fugir. Naquela escola, a amizade apagava a mais pequena sombra de violência. Ali, não havia meninos a provocarem sofrimento aos que tinham só afecto no coração. Neste lugar, em que tudo era movido pelo sentimento da fraternidade, Beatriz queria ficar, sem relutância, sem qualquer susto. Aqui, até poderia ter encontrado um lugar para sempre, mesmo sendo, e ainda sendo, um lugar chamado escola.*

Teresa Ferrer Passos

*Conto inédito