No
átrio de uma escola, onde não se lembrava de alguma vez ter entrado, Beatriz
viu um letreiro que dizia: «Nuvem pequenina de céu». Ficou pasmada. Nem queria
acreditar. Como podia estar a ver ali um recreio de uma escola?! Correra tão
depressa e chegara, sem dar por nada, àquele lugar?! Só tinha a certeza de não querer
encontrar qualquer outra escola.
Afinal, ali havia também uma escola?! Como,
estando tão distante da sua escola, entrara numa escola que lhe parecia a mesma?
Ela, que fugira de uma escola por não gostar de lá estar, que penetrara num
mundo livre de maldade e logo entrava, de novo, numa escola? «Só pode ser igual
à outra!», gritou desesperada. As escolas não eram todas iguais? Se todas eram
escolas, todas deviam ser iguais, pensava com uma grande desilusão a percorrer
todo o seu corpo encharcado pela água gelada do rio, mas cheio de uma nova
esperança.
A sua cabecinha, estonteada por uma fuga
tão vertiginosamente rápida, sentia-se demasiado confusa e estranha. Ali,
naquela escola via tantos meninos e meninas correndo, jogando, rindo. Mas como
fora ali parar?! Quem a empurrara para aquele lugar que só lhe trazia terríveis
lembranças de um tempo horrível e tão próximo? Precisamente, o lugar que ela
tanto desejara esquecer para sempre, aparecia-lhe, inesperadamente, no fim do
mundo?!
De súbito, Beatriz pensou que talvez se
tivesse enganado na direcção que tomara. Tal a sua precipitação na fuga, tal o
desejo de não voltar à escola… Devia ter seguido por um caminho errado… Mas,
como se enganara?! Haveria mais do que um caminho? E ela que julgava só haver
um destino por aquele rumo…
Restava-lhe fugir de novo, sair dali. Mas
como fazê-lo? Não via uma porta, nem um portão, não via uma rua, nem uma
estrada. Estava dentro de um recinto aberto e, na verdade, completamente
fechado. Naquele lugar, onde todos pareciam brincar divertidamente, também não
descobria uma janela, sequer uma estreita fresta. Onde chegara, afinal?! O
ambiente tão natural numa escola parecia-lhe idêntico ao da escola tenebrosa
donde fugira. Encontrava-se numa escola, era iniludível. Ora, isto só poderia ser
o começo de um novo suplício…
Agora que escolhera a liberdade de ser
outra criança, a liberdade de ter o seu próprio destino, acabava de entrar ainda,
outra vez, numa escola?! Quanto tempo desejara ver-se livre daquele recreio
onde os meninos da sua turma lhe batiam todos os dias, como se ela estivesse
ali a mais, estivesse ali sem dever, como se ela fosse um empecilho, um estorvo
ou um bocadinho de lixo abominável. E, depois da fuga salvadora, caíra numa
armadilha… Tinha a certeza. Entrara de novo numa escola!
Sem ela ter tido tempo de procurar uma
eventual saída, duas meninas e um menino saíram do grupo em que brincavam e,
olhando-a, disseram em uníssono: «Anda Beatriz, vem brincar connosco».
Estupefacta ante o simpático convite, respondeu toda a tremer: «Brincar com
vocês? Vocês não são como os outros?!». «Vem, não tenhas medo. Somos teus
amigos». «Meus amigos, como?», interrogou Beatriz, sem acreditar na sinceridade
das suas palavras.
«Aqui, numa pequenina nuvem de céu, todos
são amigos e, por isso, ninguém fica de fora da amizade», disseram a sorrir. «Mas
eu devo ficar como sempre fiquei! Sempre fui vista na escola como um verme, um verme
repelente…», insistiu Beatriz, sem acreditar no que lhe diziam. Seria um
embuste para a apanharem? Iria cair numa nova armadilha? Ou, pelo contrário,
estavam a dizer-lhe a verdade?! Mas como podia Beatriz acreditar?!
Ao verem-na sem responder e com as faces
incendiadas de medo, já nem conseguiam sorrir. Como a tinham magoado, afinal! Depois,
viram-na a esconder-se por traz de um fiozinho de água de uma das fontes daquela
escola, cheia de fios de água, plantas com frutos e relvados largos com pequenos
esquilos, coalas e lémures a saltitar. Todos os animais que saiam das suas
tocas tinham um pelo aveludado, olhos dóceis e patinhas felpudas.
Entretanto, Beatriz começou a divertir-se
com aqueles bichinhos inesperados. E, os três meninos saídos do grupo, não
resistiram a chamá-la de novo: «Tu abandonaste o tempo da inimizade, rejeitaste
o tempo da cólera, tu tiveste a coragem de escolher o tempo da harmonia e o
tempo da paz. Aqui, encontras esse tempo em que nunca chegaste a viver. Nesta
escola serás tratado por irmã». «Escolhi o único tempo em que eu podia viver, o
tempo da amizade», respondeu Beatriz, já confiante e com um sorriso nos lábios.
Naqueles momentos, a pequena Beatriz começou a
sentir que podia haver escolas com meninos bem diferentes daqueles que estavam
na escola donde fugira. Afinal, havia escolas com meninos amigos uns dos outros,
sem marginalizados, sem os «fora do grupo», sem martirizados, só porque eram
cheios de mansidão. Naquela escola, que estava numa pequenina nuvem do céu, não
havia que ter medo de ficar lá, sempre a aprender novas coisas.
Agora, Beatriz não pensava mais em fugir. Naquela
escola, a amizade apagava a mais pequena sombra de violência. Ali, não havia
meninos a provocarem sofrimento aos que tinham só afecto no coração. Neste
lugar, em que tudo era movido pelo sentimento da fraternidade, Beatriz queria
ficar, sem relutância, sem qualquer susto. Aqui, até poderia ter encontrado um
lugar para sempre, mesmo sendo, e ainda sendo, um lugar chamado escola.*
Teresa Ferrer Passos
*Conto inédito
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