Passeiam serpentes aos pares pelas arcadas,
Longas e lentas ondas reluzentes
Ofuscando a noite das estradas
Com bátegas de cor e estrondo de acidentes.
Relâmpagos no mar, neve na areia,
Cristais em brasa sobre a rocha fria,
Reacção ácida que desencadeia
A congeminação de um novo dia.
Quando chega enfim a madrugada
Há restos de cobras entre a espuma
Que se dissolvem na nova luz criada
Pelos amores do Verbo com a Bruma.
26/11/2014
Fernando Henrique de Passos
quinta-feira, 27 de novembro de 2014
quarta-feira, 26 de novembro de 2014
Matrimónio em crise
«No nosso tempo, o matrimónio e a família estão em crise. Vivemos numa cultura do provisório, em que cada vez mais pessoas renunciam ao matrimónio como compromisso público.
Esta revolução nos costumes e na moral tem muitas vezes desfraldado a “bandeira da liberdade”, mas na realidade levou devastação espiritual e material a inúmeros seres humanos, especialmente aos mais vulneráveis.
É cada vez mais evidente que o declínio da cultura do matrimónio está associado a um aumento de pobreza e a uma série de numerosos outros problemas sociais que atingem em medida desproporcional as mulheres, as crianças e os idosos. E são sempre eles a sofrer mais, nesta crise.»
Discurso do Papa Francisco (excerto) na Audiência aos participantes no Seminário Internacional sobre “A complementaridade entre homens e mulheres” (17-19 de Novembro de 2014)
terça-feira, 25 de novembro de 2014
Raízes da Cidade
Nos pálidos reflexos azulados
Do zumbido dos berbequins eléctricos:
Sobem através das lianas que se enrolam
Nos grossos alicerces de betão
Os sonhos diurnos de animais noctívagos
Vorazes por pétalas macias
Das delicadas flores do Paraíso
24/11/2014
Fernando Henrique de Passos
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Se Deus interviesse...
Etty Hillesum (1914-1943 em Auschwitz) |
Pelo contrário,
Ele retira-Se para que surjam de si mesmos e por si mesmos os seres que Ele
suscita…
Se Deus interviesse para que fossem evitadas as desordens, as resistências da inércia, os maremotos, as epidemias, o mundo seria para Ele como um objeto que se pode manipular.
Se Deus interviesse para que fossem evitadas as desordens, as resistências da inércia, os maremotos, as epidemias, o mundo seria para Ele como um objeto que se pode manipular.
A nossa imaginação,
deslizando para o infantilismo, veria nisso um maior amor, sem dúvida. Mas Deus
não ama como nós quereríamos que Ele amasse quando projetamos n’Ele os nossos
sonhos.»
Etty Hillesum, Diário 1941-1943 (excerto)
domingo, 23 de novembro de 2014
O mar e a poça
Desolada, milenar,
Tem aranhas na entrada
Onde ninguém quer entrar.
Tem uma poça cá fora
Onde se pode brincar.
Ninguém sabe quem lá mora
Nem ninguém lá quer morar.
Todos brincamos na poça,
Mesmo suja e lamacenta,
E fazemos até troça
De quem disso se lamenta.
Houve em tempos quem dissesse
Que a casa levava ao mar
A quem quer que se atrevesse
A abrir a porta e entrar.
Mas é tão triste a fachada
Da casa que leva ao mar,
Que a poça mais desgraçada
Lhe usurpa o justo lugar…
22/11/2014
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Abrir a porta a Deus
«Vinde, benditos de Meu Pai, recebei em herança o Reino
que vos está preparado desde a criação do mundo»
Mt 25, 34
«Deus está lá fora. À minha porta. Eu estou cá dentro. E digo que Deus não tenta falar comigo. Que Deus não me dá o mais ínfimo sinal. Que Deus provavelmente nem existe. Mas, se olhar bem para o fundo de mim mesmo, vejo. Vejo que sei que Deus está lá fora. À minha porta. E vejo ainda mais. Vejo que não lhe abro a porta por temer ter de renunciar a muitas coisas. (…) Mas olhando ainda mais fundo dentro de mim mesmo (…) vejo que todas essas coisas, a que tanto apego tenho, [nada são] ao pé dos tesouros não sonhados que Deus tem para me oferecer.»
Escrevi isto há mais de cinco anos. Entretanto, acabei por deixar entrar Deus. (Ele foi muito persistente. Mesmo correndo o risco de parecer blasfemo, tenho de confessar que já não O podia ouvir a bater à porta!) Desde então, a minha vida começou a mudar muito, e para melhor. Por isso, gostava de conseguir ajudar outras pessoas a dar o mesmo passo que eu dei.
Para começar, a melhor ajuda que posso dar é pedir que desliguem a ideia de Deus de todas as palavras, símbolos e conceitos a que ela está geralmente associada na cultura ocidental. Qualquer descrente ocidental que me esteja a ler neste momento, se rejeita Deus, rejeita certamente todo o “folclore” que entre nós o costuma acompanhar, e não é caminhando por um átrio repleto de imagens que abomina que se poderá aproximar dele.
Encorajo então o ateu ou agnóstico que passa os olhos por estas linhas a pensar em Deus de uma forma muito mais abstracta, esquecendo até, se necessário, a própria palavra “Deus”, e imaginando apenas, no seu lugar, uma sabedoria muito antiga, escondida no interior de todas as coisas, mas escondida sobretudo nas profundezas de cada ser humano, talvez nas regiões recônditas do inconsciente, onde a Psicologia já chegou, ou em territórios ainda mais ocultos, que a Ciência terá de cartografar um dia.
Uma sabedoria muito antiga, sim, mas sobretudo uma sabedoria boa, que só nos deseja tudo aquilo que todos nós sempre quisemos alcançar, tudo o que resumimos na palavra “Felicidade”, embora tantas vezes confundamos felicidade com coisas que só nos tornam infelizes, a nós próprios e aos outros.
Quando conseguimos começar a ouvir o murmúrio permanente dessa sabedoria universal, à qual, vá-se lá saber porquê, os ouvidos das pessoas se vêm tornando cada vez mais surdos, as primeiras lições que deciframos ensinam-nos, por exemplo, que somos tanto mais felizes quanto menos desejamos sê-lo, porque esta sabedoria parece não fazer muito caso do senso comum, e chega a desafiar os dois pilares fundamentais da lógica tradicional, o Princípio do Terceiro Excluído (entre SIM e NÃO não há outra alternativa) e o Princípio da Não Contradição (não pode ter-se ao mesmo tempo SIM e NÃO).
Mas isso são assuntos de que poderão falar outras pessoas, pessoas que conheçam Deus muito melhor do que eu, como por exemplo os teólogos. Ah, voltei a falar de Deus, em vez de falar de Sabedoria! Mas não faz mal: no fim perceber-se-á que mesmo as coisas mais ridículas que vinham sempre agarradas à ideia de Deus, mesmo essas coisas, passam a ter todo o sentido quando iluminadas pela luz da “sabedoria ancestral do universo”.
O que não quer dizer que tudo sobreviva da ideia tradicional de Deus no ocidente. Não sobreviverá certamente um Deus que fica ofendido por não reconhecermos a sua ajuda, ao preferirmos atribuí-la a uma vaga “sabedoria”. Deus não é esse ser mesquinho que quer ser louvado, adorado e glorificado, esse Deus que nós, homens, construímos à imagem e semelhança dos nossos egos. Ele quer desesperadamente ajudar-nos porque nos ama, não porque queira receber louvores.
“Desesperadamente”? Pode aplicar-se esta palavra a Deus? Sim, em certo sentido, porque Deus também não é um ser omnipotente, como nós o idealizámos, necessitando, pelo contrário, que colaboremos com ele na nossa própria salvação.
Mas, acima de tudo, Deus não é um ser ─ Deus é o Ser, e o único verdadeiro mistério que devia preocupar os teólogos devia ser o mistério de o Ser único aparecer pulverizado em tantos biliões de pequenos seres: nós, seres humanos, e toda a restante “Criação”. (Efeito perverso do Tempo, avento eu, que funciona como o prisma de Newton, decompondo a unidade da luz branca em infinitos e diversos cambiantes. A unidade do Ser só será então reencontrada da perspectiva da Eternidade.)
Por isso, quando Deus nos ajuda, o que estaria realmente a acontecer seria “Deus a ajudar-se a si próprio”, ou “nós a ajudarmo-nos a nós próprios”, se o pudéssemos exprimir. Mas o que está realmente a acontecer é qualquer coisa completamente inexprimível pelas nossas palavras, pelos nossos conceitos, pela nossa lógica. Apenas isto é certo: não há ninguém à espera de ouvir “muito obrigado”…
20/11/2014
sábado, 15 de novembro de 2014
O silêncio
«Jesus perante Herodes: "Fez-Lhe muitas
perguntas, mas Ele nada respondeu.
Os príncipes dos sacerdotes e os escribas
que lá estavam acusavam-n'O insistentemente"»
Lc 23, 9-10
As palavras são tão carregadas de ambiguidade que ninguém consegue responder com palavras à violência das palavras, sem cair em outra violência. Por isso, o silêncio é a resposta para os que nos perseguem, como ensinou Jesus Cristo.
Teresa Ferrer Passos
sexta-feira, 14 de novembro de 2014
Sonar
O cheiro a água fresca que vem do fundo do abismo
Envolto em reflexos de cores desconhecidas
E sons silenciosos como agulhas
(Prata caindo no veludo negro)
E o sabor do sal, da terra e das sementes
E sentir o óleo sobre a pele
Como memória nova de um baptismo
AH!...
(o eco no fundo do abismo…)
13/11/2014
Fernando Henrique de Passos
NOTA: O sonar é uma espécie de radar, mas no qual se usam ondas sonoras em vez de ondas electromagnéticas. Um sonar instalado num navio, por exemplo, permite determinar o relevo do fundo do mar através da análise do "eco" que este devolve, quando atingido por ondas sonoras enviadas desde o navio.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
A lógica de Deus
segunda-feira, 10 de novembro de 2014
Esposa
Violeta guardando do orvalho
Como pérola a gota preciosa,
Presente matinal de que me valho
Se a tarde é seca e tenebrosa;
Princesa de épocas passadas,
Lenda que beijo, que abraço e que possuo,
Lagoa de fetos e esmeraldas
Onde eu, regato, desaguo;
Mel de abelhas criadas num vulcão,
Força da lava, sabor da alfazema,
Tinta dourada da paixão
Com que registo a cores este poema.
10/11/2014
Fernando Henrique de Passos
sábado, 8 de novembro de 2014
Do Deus de Einstein ao Deus dos cristãos
ao meu Pai, que hoje faria 91 anos, e que me falava muito de Deus,
mas também me falava de Einstein, de Newton e de Arquimedes
Durante dezenas de anos, incluindo um longo período de agnosticismo, sempre achei absurda a forma como Einstein falava de Deus, parecendo identificá-lo com a harmonia das leis do universo, ou com qualquer coisa de ainda mais vago e abstracto. Foi o livro Einstein and Religion, de Max Jammer, que me fez perceber melhor a sua atitude face à religião. (Obrigado ao Paulo Martel pelo oportuno presente!)
Se tentarmos isolar a essência do sentimento religioso, talvez encontremos isto: a consciência de que são os nossos medozinhos ridículos e os nossos desejozinhos ridículos que nos tornam infelizes, e de que eles não são nada ao pé de uma certa realidade gigantesca, esmagadora, abrasadora, cuja existência pressentimos, mesmo que às vezes não a consigamos definir, identificar, localizar. Era neste sentido que Einstein era religioso.
Einstein não era religioso no sentido de acreditar em certos factos espácio-temporais como, por exemplo, “Deus entregou as tábuas da lei a Moisés no Monte Sinai” ou “Jesus ressuscitou ao terceiro dia”. Ser religioso, no sentido lato da palavra, é muito mais e muito menos do que isso. Há pessoas que acreditam nesses factos e que levam vidas tão miseráveis como qualquer materialista. Essas pessoas serão mais ou menos cristãs do que Einstein o foi? A que distância se encontrava Einstein de ser cristão?
Deixemos que seja Deus a julgar e abstenhamo-nos de tentar responder. Mas não nos abstenhamos de perguntar: “em que é que a Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo muda a minha vida?” Ser religioso é ver a realidade de uma forma diferente, mas não é só isso ─ é deixar também que essa forma de ver a realidade transforme a nossa forma de a viver. O que também pode ser dito de outro modo: se a nossa forma de ver a realidade não traz automaticamente novidade à nossa vida, então é porque não estamos a ver a realidade de uma maneira realmente diferente, apenas julgamos que o fazemos.
Deus entregou as tábuas da lei a Moisés no Monte Sinai! Jesus ressuscitou ao terceiro dia! Estes factos não são só importantes; estes factos são decisivos. Mas não serão decisivos, nem sequer importantes, se eu ficar pela sua casca espácio-temporal e me esquecer do que eles procuram revelar acerca daquela realidade assombrosa da qual por vezes se tornam uma manifestação quase insignificante (dependendo do modo como são olhados e vividos), sobretudo se já passaram 2000 ou 3000 anos sobre a sua ocorrência e, pior, se as escassas dezenas de anos da minha própria vida, em vez de dedicadas a desenterrá-los das profundidades da História, ainda os vieram cobrir com as teias de aranha da rotina, com a qual o meu egoísmo tão sensatamente (do seu ponto de vista) me protege de desafios e sobressaltos.
Sobressaltos? Sim: a vida, a morte e a Ressurreição de Jesus Cristo devem ter sido para os seus contemporâneos como a explosão de uma supernova. E se, ao fim de vinte séculos, só restam dessa explosão as brasas quase extintas do rescaldo de um incêndio, há mesmo assim a possibilidade, soprando as brasas, de atear chamas que ameacem devorar todo o conforto em que a minha autocomplacência deixou que eu me instalasse.
8/11/2014
Fernando Henrique de Passos
Fernando Henrique de Passos
quinta-feira, 6 de novembro de 2014
Deus vai até ao fundo...
«Deus não se detém, Deus não vai até a um certo ponto, Deus vai até ao fundo, ao limite»
«O verdadeiro pastor, o verdadeiro cristão (…) não tem medo. Vai para onde deve ir. Arrisca a sua vida, arrisca a sua fama, arrisca perder a sua comodidade, o seu estatuto»
«É muito fácil condenar os outros, como faziam os escribas e fariseus, é muito fácil, mas não é cristão. Não é de filhos de Deus.»
Papa Francisco
(Excertos da Homilia de 6/11/2014)
quarta-feira, 5 de novembro de 2014
Ouvi a tua voz
No teu cabelo revolto como o vento,
vi temporais inclementes.
Fiquei como uma gaivota acossada
pela espuma e sem alimento.
Sustive a respiração. Apurei o ouvido.
Depois, ouvi a tua voz.
Nela soava uma divina ternura.
Ali, não estavam temporais inclementes.
O amor apagara-os, e com que poder…
5/11/2014
Teresa Ferrer Passos
"Teometria"
"Teometria", um poema inédito (11/2/2014)
de Fernando Henrique de Passos
Foto: Azenhas do Mar, Ericeira
de Fernando Henrique de Passos
Foto: Azenhas do Mar, Ericeira
O amor
Como cintura em torno do destino
Como segredo do trono da ventura
Como cinzel esculpindo a traço fino
O abraço e o longo beijo infindo
Entre o calor dormente do desejo
E a ofegante calma da ternura
Entre o saber da alma que procura
E o fervor do ser que se alimenta
Das lentas madrugadas em que a luz do sol
Leva pela mão a noite escura
E a faz descansar da imensidão do medo
Num vasto mar de amor e aconchego
4/5/2014
Fernando Henrique de Passos
Como segredo do trono da ventura
Como cinzel esculpindo a traço fino
O abraço e o longo beijo infindo
Entre o calor dormente do desejo
E a ofegante calma da ternura
Entre o saber da alma que procura
E o fervor do ser que se alimenta
Das lentas madrugadas em que a luz do sol
Leva pela mão a noite escura
E a faz descansar da imensidão do medo
Num vasto mar de amor e aconchego
4/5/2014
Fernando Henrique de Passos
segunda-feira, 3 de novembro de 2014
sábado, 1 de novembro de 2014
Dia de Todos-os-Santos
EM MEMÓRIA DE TODOS OS SANTOS E MÁRTIRES
S. João Batista - pintura de El Greco |
«Eu batizo em água, mas no meio de vós, encontra-se Alguém que não conheceis, Aquele que vem depois de mim e eu não sou digno de desatar a correia da sua sandália»
S. João Batista (Jo 1, 26)
S. Paulo, Carta aos Telassonicenses (Tel 4, 7)
«Oh! que mau caminho levava, Senhor! Bem me parece que ia sem caminho, se Vós não me voltásseis a pôr nele; pois vendo-Vos junto de mim, logo vi todos os bens»
Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida
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