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segunda-feira, 4 de abril de 2016

Três apontamentos sobre o materialismo



I
A CIÊNCIA E A REALIDADE

A ciência já desvendou algum mistério acerca da realidade? Não, TUDO permanece mistério, e não estou a sofismar nem a escrever poesia. O que acontece é que a partir de certa altura o ser humano começou a descobrir umas leizinhas como “na queda dos graves a distância percorrida é diretamente proporcional ao quadrado do tempo gasto em a percorrer” ou “dois corpos materiais atraem-se mutuamente na razão direta do produto das suas massas e na razão inversa do quadrado da distância que os separa”, e continuou a descobrir mais leizinhas como estas, e foi percebendo que estas leizinhas se encadeavam e se entrelaçavam formando uma espécie de rede que cobria toda a realidade, e acabou por se convencer que essa rede capturava toda a realidade. Mas essa rede captura tanto a realidade como uma rede de pescador captura a água onde é mergulhada.


II
A TERRA PLANA E A CONSCIÊNCIA
COMO FENÓMENO PURAMENTE MATERIAL

Surpreendia-me menos se me dissessem que afinal a Terra é plana do que quando me dizem que um sistema de alavancas e roldanas pode ter consciência.

Se um cientista me responder que ninguém pretende que um sistema de alavancas e roldanas tenha consciência, pois a ciência dá atualmente uma visão da realidade material muito mais sofisticada do que o fazia o mecanicismo, morto e enterrado, eu direi a esse cientista que a ciência vai no bom caminho se substituiu a velha imagem da matéria como pura extensão, mas que só poderá dar a sua tarefa por concluída quando banir da descrição da realidade o próprio conceito que esteve na origem da visão mecanicista da realidade, o conceito de espaço, que a física quântica já esteve à beira de banir. Simplesmente, nessa altura a ciência já não estará a falar de matéria, mas sim de espírito.


III
 A TEORIA DO TUDO

Não há nenhuma teoria do tudo, nem nunca haverá. Qualquer telenovela de segunda categoria está infinitamente mais próxima de ser uma teoria do tudo do que a mais perfeita teoria científica, porque a essência da realidade são as pessoas, as suas vidas, os seus problemas, os seus sentimentos, e não os pormenores quantitativos das leis a que obedece a matéria que serve de suporte à existência dessas mesmas pessoas, com as suas vidas, os seus problemas, os seus sentimentos. Do mesmo modo, o importante na Gioconda é a expressão do seu olhar, e não as características das tintas e dos pincéis usados por Leonardo quando a pintou.

4/4/2016

Fernando Henrique de Passos

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Ao telefone com o Professor Maquinal



- Bom dia. Estou a falar com O Senhor Professor Maquinal?
- … 
- Como está? Daqui fala o José Ideal. O Senhor Professor não se deve lembrar de mim, mas, se me desse um minuto, gostava de lhe dar uma palavrinha.
- …
- Obrigado. É o seguinte. Há coisa de uns dois anos tivemos uma pequena discussão.
- …
- Percebo o seu espanto. Como é que podemos ter discutido se não nos conhecemos? Eu explico. Foi num daqueles fóruns que alguns canais de televisão promovem. O Senhor Professor tinha lá ido falar do seu último livro. No fim da entrevista abriram a antena a qualquer telespectador que lhe quisesse colocar questões.
- …
- Sim, foi aí mesmo, vejo que se lembra. Eu tinha ficado um pouco espantado pelo à vontade com que o Senhor Professor dizia que somos todos robots e tentei provar-lhe que estava errado, mas o Senhor Professor começou a ficar muito nervoso, e disse que se sentia ofendido por eu estar a pôr em causa o trabalho de milhares de cientistas em todo o mundo que lutam incessantemente para implementar sistemas de inteligência artificial indistinguíveis do ser humano
- …
- Claro que sim, claro que sim, mas eu na altura pensava de outro modo, era completamente insensato, e é por agora o reconhecer que lhe estou a telefonar. Na realidade queria apenas apresentar-lhe as minhas desculpas por aquele incidente de há dois anos e dizer-lhe que, graças ao seu livro, que acabei por comprar, me converti plenamente às suas teses. Agora também acredito ‒ melhor, tenho a certeza ‒ que sou um robot.
- …
- É isso, é isso, não sei como alguma vez pude duvidar.
- …
- Exactamente. E eu por acaso até me lembro de ter pensado na altura, na minha insensatez, qualquer coisa deste género: “já vi muitos filmes de ficção científica em que há robots que ficam desesperados quando lhes revelam que não são seres humanos, mas nunca tinha visto um robot ficar ofendido por alguém lhe dizer que ele é uma pessoa!”

(continua)


TEXTO COMPLETO AQUI
10/5/2015

Fernando Henrique de Passos

domingo, 23 de novembro de 2014

O mar e a poça


A casa velha, parada,
Desolada, milenar,
Tem aranhas na entrada
Onde ninguém quer entrar.

Tem uma poça cá fora
Onde se pode brincar.
Ninguém sabe quem lá mora
Nem ninguém lá quer morar.

Todos brincamos na poça,
Mesmo suja e lamacenta,
E fazemos até troça
De quem disso se lamenta.

Houve em tempos quem dissesse
Que a casa levava ao mar
A quem quer que se atrevesse
A abrir a porta e entrar.

Mas é tão triste a fachada
Da casa que leva ao mar,
Que a poça mais desgraçada
Lhe usurpa o justo lugar…

22/11/2014

Fernando Henrique de Passos

(também em Outras Direcções, neste blogue)