«Vinde, benditos de Meu Pai, recebei em herança o Reino
que vos está preparado desde a criação do mundo»
Mt 25, 34
«Deus está lá fora. À minha porta. Eu estou cá dentro. E digo que Deus não tenta falar comigo. Que Deus não me dá o mais ínfimo sinal. Que Deus provavelmente nem existe. Mas, se olhar bem para o fundo de mim mesmo, vejo. Vejo que sei que Deus está lá fora. À minha porta. E vejo ainda mais. Vejo que não lhe abro a porta por temer ter de renunciar a muitas coisas. (…) Mas olhando ainda mais fundo dentro de mim mesmo (…) vejo que todas essas coisas, a que tanto apego tenho, [nada são] ao pé dos tesouros não sonhados que Deus tem para me oferecer.»
Escrevi isto há mais de cinco anos. Entretanto, acabei por deixar entrar Deus. (Ele foi muito persistente. Mesmo correndo o risco de parecer blasfemo, tenho de confessar que já não O podia ouvir a bater à porta!) Desde então, a minha vida começou a mudar muito, e para melhor. Por isso, gostava de conseguir ajudar outras pessoas a dar o mesmo passo que eu dei.
Para começar, a melhor ajuda que posso dar é pedir que desliguem a ideia de Deus de todas as palavras, símbolos e conceitos a que ela está geralmente associada na cultura ocidental. Qualquer descrente ocidental que me esteja a ler neste momento, se rejeita Deus, rejeita certamente todo o “folclore” que entre nós o costuma acompanhar, e não é caminhando por um átrio repleto de imagens que abomina que se poderá aproximar dele.
Encorajo então o ateu ou agnóstico que passa os olhos por estas linhas a pensar em Deus de uma forma muito mais abstracta, esquecendo até, se necessário, a própria palavra “Deus”, e imaginando apenas, no seu lugar, uma sabedoria muito antiga, escondida no interior de todas as coisas, mas escondida sobretudo nas profundezas de cada ser humano, talvez nas regiões recônditas do inconsciente, onde a Psicologia já chegou, ou em territórios ainda mais ocultos, que a Ciência terá de cartografar um dia.
Uma sabedoria muito antiga, sim, mas sobretudo uma sabedoria boa, que só nos deseja tudo aquilo que todos nós sempre quisemos alcançar, tudo o que resumimos na palavra “Felicidade”, embora tantas vezes confundamos felicidade com coisas que só nos tornam infelizes, a nós próprios e aos outros.
Quando conseguimos começar a ouvir o murmúrio permanente dessa sabedoria universal, à qual, vá-se lá saber porquê, os ouvidos das pessoas se vêm tornando cada vez mais surdos, as primeiras lições que deciframos ensinam-nos, por exemplo, que somos tanto mais felizes quanto menos desejamos sê-lo, porque esta sabedoria parece não fazer muito caso do senso comum, e chega a desafiar os dois pilares fundamentais da lógica tradicional, o Princípio do Terceiro Excluído (entre SIM e NÃO não há outra alternativa) e o Princípio da Não Contradição (não pode ter-se ao mesmo tempo SIM e NÃO).
Mas isso são assuntos de que poderão falar outras pessoas, pessoas que conheçam Deus muito melhor do que eu, como por exemplo os teólogos. Ah, voltei a falar de Deus, em vez de falar de Sabedoria! Mas não faz mal: no fim perceber-se-á que mesmo as coisas mais ridículas que vinham sempre agarradas à ideia de Deus, mesmo essas coisas, passam a ter todo o sentido quando iluminadas pela luz da “sabedoria ancestral do universo”.
O que não quer dizer que tudo sobreviva da ideia tradicional de Deus no ocidente. Não sobreviverá certamente um Deus que fica ofendido por não reconhecermos a sua ajuda, ao preferirmos atribuí-la a uma vaga “sabedoria”. Deus não é esse ser mesquinho que quer ser louvado, adorado e glorificado, esse Deus que nós, homens, construímos à imagem e semelhança dos nossos egos. Ele quer desesperadamente ajudar-nos porque nos ama, não porque queira receber louvores.
“Desesperadamente”? Pode aplicar-se esta palavra a Deus? Sim, em certo sentido, porque Deus também não é um ser omnipotente, como nós o idealizámos, necessitando, pelo contrário, que colaboremos com ele na nossa própria salvação.
Mas, acima de tudo, Deus não é um ser ─ Deus é o Ser, e o único verdadeiro mistério que devia preocupar os teólogos devia ser o mistério de o Ser único aparecer pulverizado em tantos biliões de pequenos seres: nós, seres humanos, e toda a restante “Criação”. (Efeito perverso do Tempo, avento eu, que funciona como o prisma de Newton, decompondo a unidade da luz branca em infinitos e diversos cambiantes. A unidade do Ser só será então reencontrada da perspectiva da Eternidade.)
Por isso, quando Deus nos ajuda, o que estaria realmente a acontecer seria “Deus a ajudar-se a si próprio”, ou “nós a ajudarmo-nos a nós próprios”, se o pudéssemos exprimir. Mas o que está realmente a acontecer é qualquer coisa completamente inexprimível pelas nossas palavras, pelos nossos conceitos, pela nossa lógica. Apenas isto é certo: não há ninguém à espera de ouvir “muito obrigado”…
20/11/2014
Sem comentários:
Enviar um comentário
Deixe aqui o seu comentário