quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Publicação, em 2020, de «Stabat Mater» (ensaio teológico-literário)



«Stabat Mater» acabado de publicar, é uma obra assente em três pilares - "Anunciação", "Magnificat" e "Aparições de Fátima".

Aqui, em torno da protagonista Maria, Mãe de Jesus, ofereço uma perspetiva nova em que teologia e literatura se entrelaçam e se enriquecem mutuamente.

Com votos de Bom Ano Novo, vos apresento, após ter recebido os exemplares da editora, a capa de «Stabat Mater» com a imagem de "A Virgem e o Menino" da autoria do escultor Euclides Vaz.

31/12/2020
Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

NOITE DE NATAL


Nas trevas, brota a luz intensa.
E o silêncio ouve-se.
Em cada instante, o renascer de um ser solitário acontece.
E a solidão existiu em Deus incarnado,
ali, num obscuro lugar da pequena Belém, na Judeia.
Foi há dois mil anos. Continua hoje.

24/12/2020
                                                 Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

DOSSIER

NATAL 2020 


O nosso presépio


«E mais alto, as estrelas. Novas. As estrelas do País da Dor.

Lentamente, a Lamentação nomeia-as: - Olha,

olha: o Cavaleiro, o Bastão e a constelação mais cheia

a que chamam Coroa-de-Frutos. Depois, mais além, perto do                                                                                                         [pólo:

Berço; Caminho; O Livro Ardente; Boneca; Janela.

Mas no céu do Sul, puro como no interior

de uma mão abençoada, o "M" que brilha tão claro,

e que significa as Mães...»

        Excerto da 10ª Elegia de Duíno in Rainer Maria Rilke, As Elegias de Duíno, Assírio & Alvim, 3ª edição, 2020, pág.115.



RÉPLICA 

 Tu! disse a voz sem som

  O olhar que amas ao espelho

nada vale,

pois deve ele apagar-se

defronte ao que te peço

  

Olha os meus dedos:

não sou eu que peço:

é Ele

que te ordena

  

O eco que não sentes:

nada vale,

resta-te só dizer

em mim se faça

  

(E fecha o livro

porque os livros

não prestam)

  

        Ana Luísa Amaral, Ágora, Assírio & Alvim, 2ª edição, 2020, pág. 17.




DESDE HÁ DIAS QUE TE ESPERO


Desde há dias que te espero

e não sei de onde vens nem como és.

Vejo-te numa flor,

mas tu és o humilde tojo do monte.

Vejo-te no mar,

mas tu és a discreta gotícula de água

molhando a terra.

Vejo-te na imponente tempestade,

mas tu sopras leve e passas.


Espero-te

e tu existes dentro de mim

a cada instante.


Carlos Lopes Pires, O Livro dos Salmos (poemas de redenção e nada), ed. Autor, Leiria, 1994 pág. 45.


CHRISTO


«Minha mãe, quem é aquelle

Pregado n'aquella cruz?

 - Aquelle, filho, é Jesus...

É a santa imagem d'elle!


«E quem é Jesus?  - É Deus!

«E quem é Deus?  - Quem nos cria,

Quem nos manda a luz do dia

E fez a terra e os céos;


E veio ensinar à gente

Que todos somos irmãos,

E devemos dar as mãos

Uns aos outros irmãmente:


Todo amor, todo bondade!

«E morreu?  - Para mostrar

Que a gente pela Verdade

Se deve deixar matar.


João de Deus, Campo de Flores - Poesias Líricas Completas, Edição Authentica e Definitiva, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pág.372. 


AGNUS DEI


                        À amiga Teresa Bernardino [ortónimo de Teresa Ferrer Passos]


Quando o sol à tardinha deixa a cruz

Do vasto firmamento desmedido,

A noite vem cantar ao meu ouvido

Um salmo que, de tão calmo, seduz...

Meus acerbos de ateu, onde é que os pus?


Manuel Neto dos Santos, Trovas de um Homem da Terra, Edição de Autor, 1991, pág. 12.



O IMPOSSÍVEL, FAÇA-SE EM MIM 


A palavra do anjo cai no silêncio
dum instante:
“Nada é impossível,
tudo o que acontece é irreal,
Tu és a cheia de Graça”.

“Faça-se em mim o impossível,
porque a Ele conheço-o,
está dentro de mim, percorre-me
o sangue, a voz e sinto que o seu
silêncio mora em mim”.

Ficou sozinha. Meditou:
Aquele que está fora de mim, sinto que
a esse não posso amar, não o conheço,
não passa pelo meu dentro
profundo, distante, indizível.
"Faça-se em mim o impossível".

22/12/2020
                        Inédito de Teresa Ferrer Passos


NATAL IRREAL 

Um anjo me soprou 
Pouco antes do Natal 
Que nada é impossível 
Pois tudo é irreal. 

Nos Céus e sobre a Terra 
Ergueu-se um vendaval 
De Amor e Redenção 
E Paz Celestial. 

A virgem deu à luz 
Um Príncipe Real, 
Nascido numa gruta, 
Humilde e serviçal. 

E o Verbo se fez carne 
Na noite de Natal 
Pois nada é impossível 
Se tudo é irreal. 

23/12/2020
                    Inédito de Fernando Henrique de Passos




Que este Natal
seja vivido no recolhimento silencioso do lar.
Não mais famílias tristes pelos mortos da pandemia!
E no Novo Ano,
quase a nascer, nos seja oferecida
                 a Boa Nova de um novo encontro de paz...                                                        


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A POESIA

Cada poema é como um oceano inacabado. Não envelhece enquanto o seu autor o puder alterar.
  
10/12/2020
    T.F.P.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

A CULPA DA MULHER


A Imaculada do Escorial
de Bartolomé Esteban Murillo
(1617-1682)


Acorrentada à origem do mal, a mulher é acusada
de crime tremendo. Carrega uma provação.
Sofre o destino de transmitir o prepotente poder
do mal e com ele da própria morte humana.
Nefasta imagem paira sobre a mítica "Eva",
a mulher apontada no "Génesis" judaico
como a culpada. Não o homem, não o homem.

Os homens dizem, ao longo dos milénios, 
a culpa é da mulher.
.................................................................

Porém, Deus interroga-se. Será ela a responsável
de tamanho desacerto, ou terei sido Eu
a cometê-lo na grande construção?
Sim, fui eu, reconheço.
Como desfazer tão injusta condenação?
E se eu incarnasse, se fosse homem e me condenassem à morte injustamente, para resgatar o peso de tal "fatum"? 
Se me libertasse das minhas próprias leis?!
Num instante infinito, ouviu-se um clamor:
"Vou incarnar, vou lançar uma ponte para salvar
do anátema a Mãe de tantos inocentes".

E Deus olhou uma outra mulher, a puríssima Maria.
A sua sombra amplíssima talvez bastasse, se 
ela aceitasse. E Maria disse: "Faça-se em mim".
Maria, foi a Imaculada mulher. Depois, o Filho,
com o sacro-ofício tornou-se o Redentor.
Foi assim que seu filho, Jesus,
tornou o bem mais poderoso do
que o mal e a humanidade pôde libertar-se dele
e da própria morte, Seguindo-O.


Houve um erro na Minha construção.
Por isso, Eu quero sofrer a Paixão até à morte.
Depois, vencerei a morte como humano e divino.
E a mulher "culpada" ganhava uma nova identidade.
Deixaria de suportar o peso da "culpa".
Maria e Jesus rompem com a morte e, ao alcance de todos,
a vida eterna eclode. Só que nem todos acreditaram.
E, para muitos, a mulher continua culpada... 

Dia da Imaculada Conceição, 8 de Dezembro de 2020

Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Postagem de Fernando Henrique de Passos no Facebook (Por intermédio de Francisco S.N.Lobo) a propósito da frase de Eduardo Lourenço:
«Gostava de acabar os dias reconciliado com o mundo, e sobretudo saber que mundo foi este em que vivi e o que é a vida. Sei disso tanto agora que tenho quase cem anos como quando tinha dois anos.»

Comentários:

1º Sim, sou cristão. Mas nem Jesus Cristo nos explicou porque é que existem dois Mundos, o Bom e o Mau, nem porque é que nascemos no Mundo Mau.

Fernando Henrique de Passos


2º Fernando,, sou agnóstico com tendências ateistas, não me enveredo por aí...

Francisco S. N. Lobo


3º O mito bíblico do "dilúvio" e as suas causas, pode representar a falha (o erro) assumida, na Criação, pela Transcendência; a Sua incarnação (suplício, morte e ressurreição) - Jesus - terá sido o meio entrevisto para resgatar a humanidade do mal (de que é vítima) e dar-lhe uma 2ª via com a imortalidade pós-morte física, no Seu reino (espiritual) que nada tem a ver com este mundo (material/espiritual).

Teresa Ferrer Passos

(in Facebook, 4/12/2020)

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Férias no vazio do espaço



Excerto do conto "Primeiro Dia de Férias no ano de 2127", in Teresa Ferrer Passos, «O Grão de Areia» (Contos), Universitária Editora, Lisboa, 1996, pp. 48-49:

«Desanimado, António não se conteve por mais tempo:
- Não percebo, nesta viagem não há estradas nem montes nem as casinhas dos vales e das aldeias, como é costume nas viagens que fazemos com o papá... 
- Nem verás! Não te lembras de o papá dizer que esta viagem seria diferente de todas as outras que temos feito? É uma viagem para a Lua, aquela pequena esfera que, às vezes, espreitas da janela do teu quarto e que tu achas muito estranha porque nem sempre tem a mesma forma e o seu brilho é tão intenso que até parece uma estrela muito maior do que as outras. - disse Joana, contente por dar uma lição ao irmão. 
- A mim, o papá só me disse que esta viagem ia ser diferente e que eu gostaria muito respondeu António, decepcionado por o pai ter dado mais pormenores à irmã do que a ele. 
- Foi para te fazer surpresa - disse Joana rindo. E fingia não perceber as lágrimas a engrossarem nos grandes olhos azuis do António. Depois exclamou, já esquecida das lágrimas do irmão: 
- Não há sequer uma ave no céu! Mas será que há céu?! Daqui não se vê senão uma grande escuridão. 
- Não... e na Terra há tantas coisas. Aqui é tudo tão triste... Porquê?! interrogou o garoto, olhando a irmã, como à espera de uma qualquer explicação que o pai lhe tivesse dado a ela, quando ele não estava presente.»


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Poema do 27º aniversário do nosso noivado


TRANSPARÊNCIAS

Sinto-te tão frágil nos meus braços,
Tu, amiga minha e minha força…
(De ti projeta, a luz do fim de tarde,
A delicada sombra de uma corça…)

Leio o teu nome ao fim de uma poesia
Na luz de Outono caindo da vidraça
E as letras bailam parecendo querer dizer-me
Que, embora Teresa, para mim tu foste Graça…

Sinto-te tão doce nos meus braços,
Mesmo apesar dos anos já passados…
(De nós projeta, a luz do fim de tarde,
A sombra ardente de um par de namorados…)

5 de Novembro de 2020

Fernando Henrique de Passos

O ANEL, UM GESTO

Pássaro quase invisível 
no meio das rochas

um gesto feito de um anel
de palavras 
rompeu os horizontes daquela manhã simples
como pássaro célere que as rochas encobrem
e descobrem.
as horas foram longas naquela manhã,
os minutos estremeceram com fragância,
os segundos sustiveram
a respiração. 

um gesto feito de um anel
sem palavras
ergueu-se veloz como um pássaro tímido
em busca da rocha-ninho de um amor
que nunca imaginou. 

5/Novembro/2020
                                 Teresa Ferrer Passos




quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Um poema inédito


O MEU NOME


Não serei nunca o meu nome, ele é uma falsa
imagem de mim. Eu não estou nele. Um nome
é uma transmutação. Afasta-se de nós.

Como uma marca apaga-se depressa, semelhante
a um número entre tantos outros,
pura abstração sem conteúdo algum.

Sei que não sou o meu nome. Quem sou, afinal?
Talvez não seja mais que uma palavra 
que só se ouviu quando a proferi,
no mais dentro de mim. 

4/Novembro/2020
                                                      Teresa Ferrer Passos

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Nótula sobre «Ecos abaixo do Audível» de Fernando Henrique de Passos


"As estrelas soltaram-se dos céus, / Caíram-me nas mãos." Dois versos da obra Ecos abaixo do Audível, em que a poesia de Fernando Henrique de Passos se reafirma rica em metáforas literárias, num confronto contínuo com a Física e a Matemática, sua formação académica universitária.

Em múltiplos cenários, o investigador científico, é também um criador de imagens, como se exige a todo aquele que se afirma com o «pré-nome» de Poeta.

Poesia sem literatura não existe, a não ser como um simulacro.

31/10/2020
                                                                        Teresa Ferrer Passos


A espuma é o que resta do mar.
   
3/11/2020
                                                T.F.P.

domingo, 1 de novembro de 2020

Outono

Que enquanto as folhas caem, nós sejamos capazes de vencer, com a nossa dádiva, o medo, o grande inimigo que espreita para nos reduzir a nuvens que obedecem ao vento.
1/11/2020
                                            Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

OS NOSSOS NOMES


Abro os alvéolos da alma,
deixo-me invadir
pelo espaço que existe entre nós dois,
e estou dentro de ti,
embora continuemos cada qual no seu lugar,
em duas cadeiras que se acordam
com as leis que Newton divisou,
tão separadas, tão distantes,
como planetas no espaço sideral.

Mas os nossos corações sorriem juntos,
lembrando um Outubro mais antigo,
o nosso primeiro mês de Outubro,
quando uma palavra tão pequena
se fez então primeira pedra
de um edifício que ambos construímos,
um edifício que um dia estará pronto,
feito de espaços que se encontram,
feito de tempos em uníssono,
feito de portas que se abrem
mas nunca são fechadas,
feito de áleas que conduzem
ao centro de onde brota uma nascente
onde João batizará uma vez mais
e nos dará de novo os nossos nomes
agora temperados no combate,
na luta para erguer o edifício
cujo nome por fim conheceremos.

29/10/2020 (Lembrando o 29 de Outubro de 1993)

                                       Fernando Henrique de Passos

PORTAS SELADAS


na casa da confiança inscrevi as linhas
soletradas pelo tempo e que descobriste em mim.
Foi num dia todo verde e de sol nas alturas.

Com a timidez dos teus olhos,
com os teus passos inseguros, dolentes,
iluminaste, todo coberto de negro, a biblioteca vasta.

As tuas palavras cobertas de silêncio
eram engolidas sem saliva,
sem um frémito vago e não irrompiam as raízes
assentes no teu deserto de interrogações.

na casa da confiança ergueu-se devagar
o ermitério e, dentro dele, abriram-se
as nossas portas seladas.

E fomos renascendo, cada dia,
entre horas impenitentes e agónicas,
e fomos dois nomes, frente a frente,
à procura da secreta estrada do encontro.
29/10/2020
Teresa Ferrer Passos

sábado, 24 de outubro de 2020

Um poema dedicado ao sofrer de Paco, num hospital em Madrid



num tempo, numa hora


                            para Paco

a coragem das almas de amanhã
o vibrar das forças contorcidas
a graça dos gigantes adormecidos
nas entranhas que habitam todo o corpo
exposto à explosão propagada nos lábios derretidos
ainda em tanta lava

24/10/2020

Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

 

 

POESIA A RENASCER NUM LABIRINTO PERDIDO

  

«Aqui é o tempo do dizível»

                                      Rilke, Elegias de Duíno (Nona Elegia)

  

Envolvido no manto das palavras por dizer, defino o livro de Manuel Neto dos Santos, titulado Sob o Signo de Cibele, dado à estampa no ano de 2018. «Aqui é o tempo do dizível», escreveu o poeta alemão Rilke. Todo o dizível é, na verdade, uma linguagem poética que se expõe no discurso de cada verso, de cada sonorização ou de cada assonância, na procura de uma marca, de um compasso inaudito e obscuro, na entoação de cada palavra.

Todas as palavras escolhidas, a romper do silêncio como nunca tivessem sido ditas/escritas, tomam sentidos inesperados, insuspeitos, provocam um caminho, um rumo, uma interrogação ou um real, a ser olhado como um irreal que só podemos afrontar.

Vejamos o poema «Possessio Maris», em que o mar possuído se transforma numa “rosa de sangue” na sua ausência de resposta ao poeta; e o "vazio" assume um lugar cimeiro nessa mesma ausência indesejada. O coração esvaziado até ao fundo “tudo recebe”, como se fosse a salvação, ou a redenção imprevista, mesmo que continue como se significasse apenas “sementes ressequidas”.

Aqui, realçamos o terceiro quinteto, em que o “mar possuído” continua a ser uma deceção, senão mesmo uma ilusão ou até uma perda irremediável. E a escassez torna-se em outro “excesso” que não dá sossego à alma: “tudo é móvel e plural”. Eis o cerne da realidade: a sua pobreza, a sua multiplicidade dispersante, que enevoa os sentimentos, como se estes não existissem.

Assim, só resta ao poeta, “existir nos contornos corporais”, esses sem adequado significado, ao reduzirem-se a uma falsa aparência, indutora de erro e a delir-se de uma essência que não se espelha em mais do que uma realidade de contornos imprecisos e abafados neles próprios.

Como escreveu Wittgenstein, “ficamos sempre pelas palavras, ou melhor, por esta terrível impotência”. Como Manuel Neto dos Santos acentua em «Sob o Signo de Cibele», a palavra do poema coarta, quando não oculta, a voz que se quer ouvir para além de si, para além da dor. Lembro o versos, “Sou ourives do passado” ou “Sou o ardor das feridas já esquecidas” (pp.37) que são a chave de um presente que faz da perseverança a sua guia, e, da viagem dentro do teatro do mundo, a sua recorrente identidade.

E, afinal, “a minha alma é feita de todas as pontas de uma fonte” (p.30). De uma fonte que não cessa a sua procura de uma saída frutuosa, semelhante aos frutos da terra que, na sua escuridão, se tornam forma e gosto e, mais do que tudo, vida generosa e pura. O seu silêncio é o alimento criador, é a sua seiva que constrói, incessante, a repetir o gesto que renova e procria um universo único mesmo que, como diz o poeta, seja “contra as pedras” e com a voz “embriegada de fogo”. Logo a seguir, conclui, com esta imagem mareal: “a espuma deixa / sempre, um pouco de si mesma / sobre o areal” (p.31).

O poeta de «Trovas de um Homem da Terra» (1991), nasceu também na proximidade do Atlântico revolto, como o revela em «Sob o Signo de Cibele» (2018). As cenas em que nos envolve, na leitura destes poemas, sempre a provar a sua costura oficinal ─ como é toda a poesia que se insere na nossa herança poética de oito séculos ─, têm o rumor dos frutos, mas não lhes falta o rumor do mar.

Toda a natureza se digladia nas sombras rasteiras ou na luminosidade dos sentidos, como se a paisagem crescesse no coração do poeta, ávido de sons e de um ruído atordoador, em contrapartida, não fizessem mais que silenciá-lo. Lembro, a finalizar, estes eloquentes versos de poema sem título, com o 1º verso “Abro distâncias entre mim e o mundo (p.55) e que Manuel Neto dos Santos termina, escrevendo: “Abro distâncias entre mim e o dia e sou caudal / da voz que, em mim, já estanco”. A distância abre o caminho e a voz do poeta, cheia de silêncio, aproxima-se do mundo impenetrável e tão aberto.

 

23 de Outubro de 2020

Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

A Obra quase infinita. O Autor, a plenitude infinita.
15/10/2020
                                                                               T.F.P.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

CAMINHOS: Entre os homens numa terra árida (3)


Assunção da Virgem ladeada de anjos músicos
de Gregório Lopes (1490-1550)

«Minha mãe assistia à luta que eu travava naqueles lugares cheios de falsidade e artimanhas. Conhecia a minha luta contra os que vibravam golpes aos mais pobres, sem piedade. Vivíamos num mundo penetrado pela violência. As forças demoníacas estão presentes em toda a matéria e a elas ninguém escapava.

Maria sentiu-se minha mãe ao aceitar a minha incarnação na sua própria carne, conservando eu uma natureza divina. A sua carne e o seu sangue alimentaram-me durante nove meses. Depois nasci. Com o sim de Maria, a humanidade ganhou um plano mais alto, Maria aceitou o plano redentor de Deus. Com o consentimento de Maria, Deus veio ao mundo para vencer o mal, revestindo-se da própria pele do homem.»

Teresa Ferrer Passos, «Jesus até ao Fundo do Coração» (romance), 2016, p. 287.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Nobel da Literatura/2020

Do poema "O poder do cisne" do livro «Meadowlands» (1996) de Louise Gluck (com 77 anos), Prémio Nobel da Literatura/2020, o seu único poema traduzido para português, reproduzimos estes dois versos bem significativos na sua mensagem:

«Estou farta do vosso mundo
que permite que o exterior disfarce o interior» 

(In Colectânia Rosa do Mundo - 2001 poemas para o futuro, Assírio Alvim, 2001)

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

CAMINHOS: Entre os homens, numa terra árida (2)


«As gerações humanas tinham esquecido a imagem de Deus. Por este meio, dava-se a conhecer, guiado só pelo amor às criaturas. Esta mulher chamada Maria, no centro de uma epifania era a bendita entre todas as mulheres. A sua disposição para aceitar um tal nascimento, a partir das suas entranhas, estava para além do sentido humano. Eu seria o primeiro ser humano a nascer fora das leis da natureza.
As leis da procriação, que Maria julgava imutáveis iam ser transgredidas pelo próprio Criador. A maternidade santa de minha mãe era apenas um acidente na evolução do mundo humano. Uma honra valiosa demais para ela, mas que estava disposta a assumir como um serviço a Deus e à humanidade.
O Criador de tudo o que existe convidara-a para ser a arca da sua encarnação humana. Deus a tornar-se humano, no corpo de Maria.
Como não havia de ser ditosa, entre todas as mulheres?»

Teresa Ferrer Passos, «Jesus até ao Fundo do Coração» (romance), Chiado, 2016, pág. 36.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

No dia da morte de S.Bruno, 6 de Outubro de 1101

S. Bruno, um santo que se entregou à oração no mosteiro ermítico da Cartuxa, que fundou. Foi uma oração solitária, mas com a plenitude daquele que Vive. Assim, uma oração amplíssima foi obtida apenas com a imagem do Crucificado, como sinal da Vida.
   
6 de Outubro de 2020
Teresa Ferrer Passos

Caminhos: Entre os homens, numa terra árida (1)

O deserto à beira do Mar Morto (/Mar Salgado)

«Eu não envergava vestes bordadas a ouro ou prata, nem mantos incrustados de pérolas, rubis ou esmeraldas. Os rabinos afamados e os doutores mais ilustres, os poderosos da sociedade, não acreditavam na minha identificação com Deus. Que blasfémia, que atrevimento, diziam uns aos outros. E crivavam-me de perguntas ardilosas para me desprestigiar.

As minhas atitudes abertas, destemidas, a minha piedade pelos impuros, a minha predileção pelas crianças, o meu cuidado com os mais desprotegidos, não os impressionava a meu favor. O meu carinho pelos doentes e a minha atenção aos mais pobres, aos que eram perseguidos injustamente, abalava-os. A minha preocupação com as vítimas da miséria e dos abusos do poder levava-os até a acusarem-me de armar falácias. Escandalizavam-se. Os meus discípulos, alguns de aspeto um pouco grosseiro e outros desconhecendo os modos pelos quais se regiam os senhores de bom nome, peregrinavam comigo sujeitando-se aos comentários que os atingiam, sem me abandonarem.»

Teresa Ferrer Passos, Jesus até ao Fundo do Coração (romance), 2016, pág. 244.

domingo, 4 de outubro de 2020

Um Poema Inédito



imagem de outono 


um vermelho negro muito especial
começa a tingir as folhas
perturbadas de sol
e cheias de incompletude 
numa pobreza silenciosa. flutuam ao vento forte.
é outono. solta-se o poema do real
que só pode ser outro.
há doçura nelas e um sol mudo
arde todo no seu dentro.
o estrondo do mar nos rochedos agita-as.
tombam rápidas. não sabem se o mar está dentro
dos seus gemidos de que ninguém suspeita.
escrevem poemas ou perfumes? não sei dizer.
só sei que nos levantam sem saber
a nós caídos a seu lado e inteiros.
e perdidas rastejantes começam a traçar no ar
uma imensa imagem de vida.
perplexos ficamos. uma vez ainda. 

4 de Outubro de 2020
Teresa Ferrer Passos
Big Bang

TELEPATIA

Pré-história das ideias...
Vestígios telepáticos
Do velho Big Bang
Percorrem-nos as veias
Fervilham-nos no sangue.
Já fomos como um só,
Unidos num só ponto,
E ligam-nos memórias
Que escavam galerias
Buscando o reencontro.

Fernando Henrique de Passos, Ecos Abaixo do Audível, Hora de Ler, 2020, p.16.


Coments no Facebook (2-3 Outubro de 2020):

«Fernando, uma boa síntese, com linguagem poética, "Do velho Big Bang"!»
T.F.P.

«Lembro a obra "Para Além do Planeta Silencioso" de C. S. Lewis»
F.H.P.

«C.S. Lewis, um autor fabuloso!»
 T.F.P.

«E este é o primeiro livro de uma trilogia fabulosa. O planeta silencioso é o planeta Terra, mergulhado na noite do materialismo, que impede os homens de ouvirem a "música do universo".

A minha poesia tenta, muito modestamente, levar a ciência para além da cegueira do materialismo em que se deixou encerrar.»
F.H.P.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Caminhos: Dos enigmas e da verdade (4)


«Alienado da vida monótona da casa de seus pais, demasiado frugais para com ele próprio e demasiado pródigos para com os familiares e os amigos, Taoj sonhava todos os dias com a busca da verdade, essa verdade obscura que poderia desvendar o sentido do pensamento humano, cuja «casa» talvez só fosse erguida em complexidades algorítmicas de memória. 

Essa verdade recôndita absorvia o seu olhar, a fazer transparecer uma inteligência funda e perspicaz, a penetrar até as paredes espessas daquela casa de sombras e de amor amortecido pela mudez, pela indiferença ou só pelo árido ritual de uma religião feita de coisas materiais.»

Teresa Ferrer Passos, Um Cientista e uma Folha de Papel em Branco (romance), Chiado, 2015, p.16.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Um poema do livro «Ecos Abaixo do Audível»



 ABAIXO DOS 20 Hz


A sul do sol, a norte da largada,
O bando migratório rompeu em mil grasnidos
E o eco sideral da paz dilacerada
Chegou aos meus ouvidos.
Respondi por meio do meu pardal-correio
Mas o pardal não alcançava o bando:
Por mais que andasse ficava sempre a meio
E foi desanimando.
O bando agora já deve estar bem perto
Do oceano da luz imperecível.
Eu fico longe, mas fico mais desperto
Para os sinais abaixo do audível.
Fernando Henrique de Passos, "Ecos Abaixo do Audível", Hora de Ler, 2020, p.28


Comentário de Teresa Ferrer Passos no Facebook:

De novo a Física na arte poética. Este poema inclui-se na 1ª parte do livro ("Cortando um por um todos os nós") em que Fernando Henrique de Passos reune os seus poemas de temática científica escritos nos últimos sete anos. A sua poesia de inspiração científica lembra-me Vitorino Nemésio e o seu livro de poemas «Limite de Idade» publicado em 1972 ou António Gedeão e o seu livro «Máquina de Fogo» de 2006, onde incluiu o poema "Máquina do mundo" de que cito estes versos:
"O universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria."

O esplendor da maravilhosa natureza e dos seus fenómenos, a que os gregos chamavam "Physis" (Fisica), uma fonte riquíssima de "poiesis", ou seja, de criação...

domingo, 27 de setembro de 2020

Caminhos: Dos enigmas e da verdade (3)

O COLOSSO de RODES, uma das maravilhas do mundo antigo (construído
em 305 a.C.) para celebrara vitória da ilha Rodes sobre a Macedónia
(destruído em 226 a.C. por um terramoto)


«Em contínuas interrogações, com o seu corpo todo a funcionar pela sua cabeça (numa solidariedade de corpo, tenta, a todo o custo, substitui-la na sua flagelante ausência) parece ainda, por momentos, persistir na ideia de que se fizer alguma escolha, será sempre uma escolha errada, levando-o para falsas teorias desse «colosso de Rodes» chamado memória do ser (ou do universo).

Numa ousadia que, ao longo de anos de desespero desconhece, Taoj, quase cego pela perturbante luz solar, plena de probabilidade e de delírio, decide-se carregar na tecla azul e no símbolo 7. Espera.

Quer uma resposta, ainda que breve, mesmo tão breve como uma sílaba ou uma vogal. A resposta tarda. Num décimo de segundo, Taoj julga que se está a enganar. Só pode ser algum engano.»

 Vê uma tecla amarela com a letra N; com a cor azul, surge o desenho do símbolo 9./6B. Não será uma escolha melhor? Carrega nela e depois no símbolo.

Folhas de cerejeira (parecem-lhe de cerejeira) esvoaçam, oferecendo ao ecrã uma tonalidade acentuadamente verde. Depois, numa das mais verdejantes, vê inscrito a vermelho o endereço w/L./w./finito.»

Teresa Ferrer Passos, Um Cientista e uma Folha de Papel em Branco (romance), Chiado, 2015, pp.52-53.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Caminhos: Dos enigmas e da verdade (2)


«Esta aventura parece a Taoj infindável, porque mesmo na ausência da sua cabeça, descobre que ela é ainda o guia, a consciência lúcida, a porta a abrir-se, o remo a resistir ou a alavanca a pulsar no seu corpo lívido, exausto, todo desconfiança de si, mas ainda sem determinar o mais insignificante sentido de fim. Uma nova dinâmica começa a crescer entre rios de imobilidade; a ideia de encontrar, sacode-o como uma censura e a vontade do grande projecto edifica-se em movimentos vertiginosos entre as suas células enervadas num fundo caótico, como se tudo aquilo fosse um rumo para o encontro.»

Teresa Ferrer Passos «Um Cientista e uma Folha de Papel em Branco» (romance), Chiado, 2015, p.105.