terça-feira, 26 de abril de 2016

Centenário da morte de Mário de Sá-Carneiro

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)


«De tudo houve um começo… e tudo errou…

− Ai a dor de ser quási, dor sem fim… −

Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,

Asa que se elançou mas não voou…»

                   Mário de Sá-Carneiro, Do poema «Quási» (Paris, 13 Maio de 1913) in DISPERSÃO – Doze poemas, 2ª edição, Edições Presença, 1939, p.48.


*****


Morte Consentida 



Lá, longe da pátria, a morte é consentida! 

Não. Aqui, não! Lá, a asa quebrada
                    [contorce-se e não vive. 

Pode partir, enfim. Aqui, nada lhe
            [escapa, tão pouco a vida. 

A vida a começar. No seu corpo
                                 [incorrupto? 

Ora, morte sim, mas não aqui! 

Aqui, está a alma etérea e viva. 

Aqui, há perfumes alados de mirra. 

Aqui, a dor voa nas folhas escritas, 
  
a seguirem rumo á arte e à vida! 

Aqui, uma estrada de amor curva,
               [cortada, mas com saída. 

Lá sim, a morte é via. Lá sim, há estradas 

enormes entre ramos secos, 

sem cor, pobres, vazios. 

Lá sim, o encontro com a morte. 

Lá, uma estrada toda,

uma estrada cheia de névoas opacas,
                                 [frias, sufocantes.
  

     26/Abril/2016 (1º Centenário da Morte de Mário de Sá-Carneiro) 

                                                Teresa Ferrer Passos

domingo, 24 de abril de 2016

A Paz


«O Coro - Que prazer, que prazer em me ver livre do capacete, do queijo e das cebolas! Não gosto de combates, mas de estar ao canto do lume com os amigos a ver quem bebe mais, depois de ter deitado fogo à lenha mais seca, aos troncos arrancados no verão»

               Aristófanes, A PAZ (Comédia Grega do séc. V a.C), Editorial Inquérito, s/d (1955), p.70 (Tradução e notas de Agostinho da Silva)

sábado, 23 de abril de 2016

Reflexos no Interior de uma Clepsidra



Oh vitrais virtuais das catedrais elétricas
Que encerrais os sonhos devastados de meu pai
Nas vastas galerias geométricas
Onde o sopro do espírito se esvai:

− Devolvei-me o vosso prisioneiro!

Oh lírio com medo de crescer
Que buscavas a sombra de um convento
E me deixaste a luz do querer crer
A mim, teu filho, como em testamento:

− Saberei merecer ser teu herdeiro!

Oh "sonhos não sonhados" de Pessanha,
Cores avistadas num país perdido,
Guardadas na ala mais estranha
Do museu dos monstros sem sentido:

− Resgatar-vos-ei do cativeiro!

18/4/2016

                Fernando Henrique de Passos

quarta-feira, 20 de abril de 2016

A casa


«Quando os perigos espreitam, a morada está à nossa espera, acolhedora como sempre: a casa evita o acaso. É um espaço interior, repositório das emoções, recordações, imagens, frustrações, mágoas, afectos inexprimíveis e sentimentos mais marcantes da nossa existência, sentimentos determinantes do nosso futuro, que nos remetem para o melhor de nós próprios. Tem a ver com o nosso ser e com a narrativa da história pessoal. É um espaço cordial de escuta, de confronto e das comunicações preferenciais, onde até o silêncio é meio de comunicação».

         Armindo dos Santos Vaz «Experiência de Deus nas Moradas de Teresa de Jesus», Revista de Espiritualidade, Nº 93/94, Janeiro-Junho, 2016, p. 39.

terça-feira, 19 de abril de 2016

A Filosofia




«Sempre igual a si mesma, no fundo, mas num fundo envolto, inconsciente e quási impenetrável, é continuamente diversa de si mesma nas suas manifestações, nas afirmações conscientes e sistemáticas do misterioso princípio ideal que forceja por exprimir e que, a cada ensaio de expressão definida, encobre quási tanto quanto revela».

                AS PROSAS DE ANTERO DE QUENTAL, Edições Futuro, Braga, s/d (1942?), p.141 (Selecção, prefácio e notas de Victor de Sá).

domingo, 17 de abril de 2016

As palavras da vida...



«Há livros que falam baixinho, há livros que falam alto. Uns teem por si o encanto, outros a fôrça. Às vezes as palavras murmuradas impressionam mais: passado tempo ainda elas acordam em nós fibras adormecidas.»

«A educação que nos dão, o melhor que há a fazer é esquecê-la. E esquece-se porque ela nada tem com a vida, é uma coisa à parte. A que adquirimos à custa de nervos, de sangue, de suor, a que se aprende na peleja, essa acompanha-nos até ao túmulo. É a verdadeira»

                   Raul Brandão OS POBRES (Com Carta-Prefácio de Guerra Junqueiro), 3ª edição, Livraria Chardron, Porto, 1925, p.101 e 161.

terça-feira, 12 de abril de 2016

(TEORIA DO TUDO)





Um fragmento de Deus
Separou-se do resto do seu corpo.
Corpo e fragmento sofrem atrozmente.
Desejam reunir-se
Mas vogam no espaço que os separa.
Só podem voltar a encaixar
Se no instante em que de novo coincidam
For rigorosamente zero a sua velocidade relativa:
Não poderá haver nesse momento
Qualquer impulso mútuo…
Nem de atração…
Nem de repulsa…


12/4/2016

              Fernando Henrique de Passos

domingo, 10 de abril de 2016

O princípio da incerteza




«Nada permanece. Nada é inflexível. Tudo é um desespero ou uma esperança. As contradições sucedem-se. As dúvidas tornam-se uma certeza. As certezas deixam-se amesquinhar com dúvidas enormes. Nada é fixo nestes instantes de princípio e irreprimíveis.»

Teresa Ferrer Passos, Um Cientista e uma Folha de Papel em Branco, Chiado editora, Lisboa, 2015, p. 332.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Três apontamentos sobre o materialismo



I
A CIÊNCIA E A REALIDADE

A ciência já desvendou algum mistério acerca da realidade? Não, TUDO permanece mistério, e não estou a sofismar nem a escrever poesia. O que acontece é que a partir de certa altura o ser humano começou a descobrir umas leizinhas como “na queda dos graves a distância percorrida é diretamente proporcional ao quadrado do tempo gasto em a percorrer” ou “dois corpos materiais atraem-se mutuamente na razão direta do produto das suas massas e na razão inversa do quadrado da distância que os separa”, e continuou a descobrir mais leizinhas como estas, e foi percebendo que estas leizinhas se encadeavam e se entrelaçavam formando uma espécie de rede que cobria toda a realidade, e acabou por se convencer que essa rede capturava toda a realidade. Mas essa rede captura tanto a realidade como uma rede de pescador captura a água onde é mergulhada.


II
A TERRA PLANA E A CONSCIÊNCIA
COMO FENÓMENO PURAMENTE MATERIAL

Surpreendia-me menos se me dissessem que afinal a Terra é plana do que quando me dizem que um sistema de alavancas e roldanas pode ter consciência.

Se um cientista me responder que ninguém pretende que um sistema de alavancas e roldanas tenha consciência, pois a ciência dá atualmente uma visão da realidade material muito mais sofisticada do que o fazia o mecanicismo, morto e enterrado, eu direi a esse cientista que a ciência vai no bom caminho se substituiu a velha imagem da matéria como pura extensão, mas que só poderá dar a sua tarefa por concluída quando banir da descrição da realidade o próprio conceito que esteve na origem da visão mecanicista da realidade, o conceito de espaço, que a física quântica já esteve à beira de banir. Simplesmente, nessa altura a ciência já não estará a falar de matéria, mas sim de espírito.


III
 A TEORIA DO TUDO

Não há nenhuma teoria do tudo, nem nunca haverá. Qualquer telenovela de segunda categoria está infinitamente mais próxima de ser uma teoria do tudo do que a mais perfeita teoria científica, porque a essência da realidade são as pessoas, as suas vidas, os seus problemas, os seus sentimentos, e não os pormenores quantitativos das leis a que obedece a matéria que serve de suporte à existência dessas mesmas pessoas, com as suas vidas, os seus problemas, os seus sentimentos. Do mesmo modo, o importante na Gioconda é a expressão do seu olhar, e não as características das tintas e dos pincéis usados por Leonardo quando a pintou.

4/4/2016

Fernando Henrique de Passos

domingo, 3 de abril de 2016

A culpa e o seu Sentido

Franz Kafka (1883-1924)

«O pretenso Klamm poderá não ter o menor ponto de comum com o verdadeiro Klamm, a semelhança poderá existir apenas aos olhos de Barnabás cegos de emoção, poderá ser o mais inferior dos funcionários, poderá até não ser sequer funcionário, mas alguma função terá ali junto daquela estante, alguma coisa ele há-de ler no seu enorme livro, alguma coisa há-de sussurrar para o escrivão, alguma coisa há-de pensar quando lá de longe em longe o seu olhar pousa em Barnabás; e mesmo que nada disto seja verdade e que nem ele nem os seus actos tenham o menor significado, alguém o pôs naquele lugar e com isso devia ter alguma coisa em vista. Com tudo isto quero eu dizer que alguma coisa existe, alguma coisa foi oferecida a Barnabás, pelo menos alguma coisa, e que é culpa de Barnabás se com isso nada mais consegue além de dúvida, medo e desesperança.»

Franz Kafka, «O Castelo», Europa-América, Lisboa, s/d, p. 206

A propósito desta postagem de F. H. P. , duas nótulas no Facebook: 

Alguma culpa temos nós todos.
Alguma culpa
porque não vemos,
porque não sabemos,
porque não esquecemos?

3/4/2916                   T.F.P.


Penso ser esse o sentido das palavras de Kafka:
o simples facto de existirem mistérios
dá-nos razão para ter esperança
de que eles escondam o almejado
Sentido; é culpa nossa se caímos no desespero.

3/4/2016                                              F.H.P.

No terreno e na carne dos humanos



«Na Incarnação, o cristianismo oferece a possibilidade de conjugar o que se considera inconciliável: a transcendência entra na história e faz história humana, com os humanos. Deus une-se com eles. Sem se tornar vulnerável, porque permanece Deus em relação na sua transcendência, salva-os não de longe, na sua solidão sublime e imperturbada, mas no terreno e na carne dos humanos».
                         Armindo dos Santos Vaz, «A Relação Bíblica do Humano com o Divino» in "Revista de Espiritualidade", nº 89, 2015, p.23.

Salvos num mar que liga,
em vez de separar,
porque nem sempre 
o mar separa.
                            T.F.P. (comentário no Facebook)