Tudo o que Jesus Cristo deixou dito é de infinita importância, mas conforme a inclinação passageira dos nossos pensamentos, assim damos mais importância a uma ou a outra passagem dos Evangelhos.
Há dias, dei por mim a reparar, como se o fizesse pela primeira vez, no facto de Jesus nos ensinar a ver Deus como Pai, espantando-me ao descobrir aí um sentido que sempre conhecera mas que me parecia agora inauditamente novo e de fulcral importância para a nossa vivência do cristianismo.
Para explicar o que se passou comigo, tenho de recordar uma antiga imagem de Deus, tão antiga como o Antigo Testamento, e que ainda hoje não está completamente erradicada. Que fique bem claro: nunca os grandes santos viram Deus como o vou descrever de seguida, mas infelizmente a Igreja não é constituída apenas por grandes santos e por isso, ao longo dos séculos, muitas vezes os cristãos foram convidados a ver Deus como um ser infinitamente superior, ao pé do qual não valeríamos nada e que não precisaria de nós para nada.
Ter esta imagem de Deus só pode conduzir a dois desfechos, qualquer deles mau: ou a um sentimento interior de humilhação e revolta, que mais tarde ou mais cedo termina no ateísmo; ou a uma relação patológica com Deus, de tipo sadomasoquista.
Jesus vem evitar estas duas consequências perversas daquela imagem errada de Deus, ensinando-nos que Deus é Pai. A relação entre um pai e um filho, mesmo sendo uma relação de tipo “vertical”, por haver superioridade de uma das partes em relação à outra, não tem forçosamente de envolver algo de humilhante para o filho (e nunca envolveria, se todas as relações entre pais e filhos fossem saudáveis). Particularmente nos anos de mais tenra idade do filho – e talvez sejam esses os que devemos ter por modelo da relação entre Deus e o Homem – a dependência é máxima mas o carinho é também máximo.
Esta analogia pode apontar ainda outro aspeto. Se Deus quisesse que nos sentíssemos inúteis, que sentíssemos a nossa existência como uma mera esmola, então o seu amor não seria muito perfeito. Mas um pai pode precisar de um filho de mais que uma maneira, e não apenas como objeto aonde dirigir a sua necessidade de amar. Do mesmo modo, muitos de nós acreditamos na existência de um projeto em que Deus não precisa menos da colaboração do Homem do que o Homem precisa da colaboração de Deus.
Não nos humilhemos mais do que o necessário. A macabra imagem do “Deus-tirano” e do “homem-verme” já afastou do cristianismo demasiados seres humanos, além de que nenhuma palavra de Jesus Cristo a legitima.
19/1/2016
Fernando Henrique de Passos