QUINTA-FEIRA DA ESPIGA
Toma o tempo que quiseres.
Senta-te aqui e deixa-te arrastar
Pela contemplação desse mistério,
O grande torvelinho imóvel que te sorve,
Que te arranca as camadas do corpo e, uma a uma,
As recoloca depois na ordem certa.
Toma o tempo que quiseres, mas não perguntes
Que faço aqui no meio das papoilas?
Aguarda apenas que os sons do campanário
Deixem de ser exactos algarismos,
E que o óleo de novo se torne em aguarela
Na hora plena das doze badaladas
Fundidas num único sol-posto,
Prenúncio da derradeira madrugada,
Aquela que nunca terá fim.
Fernando Henrique de Passos, Breve Viagem nas Margens do Mistério, Hora de Ler, Leiria, 2018, pág.27.
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