quinta-feira, 29 de outubro de 2020
OS NOSSOS NOMES
PORTAS SELADAS
na casa da confiança inscrevi as linhas
Foi num dia todo verde e de sol nas alturas.
Com a timidez dos teus olhos,
com os teus passos inseguros, dolentes,
iluminaste, todo coberto de negro, a biblioteca vasta.
As tuas palavras cobertas de silêncio
eram engolidas sem saliva,
sem um frémito vago e não irrompiam as raízes
assentes no teu deserto de interrogações.
na casa da confiança ergueu-se devagar
o ermitério e, dentro dele, abriram-se
as nossas portas seladas.
E fomos renascendo, cada dia,
entre horas impenitentes e agónicas,
e fomos dois nomes, frente a frente,
à procura da secreta estrada do encontro.
29/10/2020
Teresa Ferrer Passos
sábado, 24 de outubro de 2020
Um poema dedicado ao sofrer de Paco, num hospital em Madrid
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
POESIA A RENASCER
NUM LABIRINTO PERDIDO
«Aqui é o tempo do dizível»
Rilke, Elegias de Duíno (Nona Elegia)
Envolvido no manto das palavras por dizer, defino o livro
de Manuel Neto dos Santos, titulado Sob o
Signo de Cibele, dado à estampa no ano de 2018. «Aqui é o tempo do
dizível», escreveu o poeta alemão Rilke. Todo o dizível é, na verdade, uma
linguagem poética que se expõe no discurso de cada verso, de cada sonorização
ou de cada assonância, na procura de uma marca, de um compasso inaudito e
obscuro, na entoação de cada palavra.
Todas as palavras escolhidas, a romper do silêncio como nunca tivessem sido ditas/escritas, tomam sentidos inesperados, insuspeitos, provocam um caminho, um
rumo, uma interrogação ou um real, a ser olhado como um irreal que só podemos
afrontar.
Vejamos o poema «Possessio Maris», em que o mar possuído se
transforma numa “rosa de sangue” na sua ausência de resposta ao poeta; e o "vazio" assume um lugar cimeiro nessa mesma ausência indesejada. O coração esvaziado
até ao fundo “tudo recebe”, como se fosse a salvação, ou a redenção imprevista,
mesmo que continue como se significasse apenas “sementes ressequidas”.
Aqui, realçamos o terceiro quinteto, em que o “mar possuído”
continua a ser uma deceção, senão mesmo uma ilusão ou até uma perda
irremediável. E a escassez torna-se em outro “excesso” que não dá sossego à alma:
“tudo é móvel e plural”. Eis o cerne da realidade: a sua pobreza, a sua
multiplicidade dispersante, que enevoa os sentimentos, como se estes não
existissem.
Assim, só resta ao poeta, “existir nos contornos corporais”,
esses sem adequado significado, ao reduzirem-se a uma falsa aparência, indutora de erro e a
delir-se de uma essência que não se espelha em mais do que uma realidade
de contornos imprecisos e abafados neles próprios.
Como escreveu Wittgenstein, “ficamos sempre pelas palavras, ou
melhor, por esta terrível impotência”. Como Manuel Neto dos Santos acentua em «Sob
o Signo de Cibele», a palavra do poema coarta, quando não oculta, a voz que se
quer ouvir para além de si, para além da dor. Lembro o versos, “Sou ourives do
passado” ou “Sou o ardor das feridas já esquecidas” (pp.37) que são a chave de
um presente que faz da perseverança a sua guia, e, da viagem dentro do teatro
do mundo, a sua recorrente identidade.
E, afinal, “a minha alma é feita de todas as pontas de uma fonte”
(p.30). De uma fonte que não cessa a sua procura de uma saída frutuosa,
semelhante aos frutos da terra que, na sua escuridão, se tornam forma e gosto e,
mais do que tudo, vida generosa e pura. O seu silêncio é o alimento criador, é
a sua seiva que constrói, incessante, a repetir o gesto que renova e procria um
universo único mesmo que, como diz o poeta, seja “contra as pedras” e com a voz
“embriegada de fogo”. Logo a seguir, conclui, com esta imagem mareal: “a espuma
deixa / sempre, um pouco de si mesma / sobre o areal” (p.31).
O poeta de «Trovas de um Homem da Terra» (1991), nasceu também
na proximidade do Atlântico revolto, como o revela em «Sob o Signo de Cibele» (2018).
As cenas em que nos envolve, na leitura destes poemas, sempre a provar a sua costura oficinal ─ como é toda a poesia que se insere na nossa herança poética de oito séculos ─, têm o rumor dos frutos, mas não lhes falta o rumor do mar.
Toda a natureza se digladia nas sombras rasteiras ou na luminosidade dos sentidos, como se a paisagem crescesse no coração do poeta, ávido de sons e de um ruído atordoador, em contrapartida, não fizessem mais que silenciá-lo. Lembro, a finalizar, estes eloquentes versos de poema sem título, com o 1º verso “Abro distâncias entre mim e o mundo (p.55) e que Manuel Neto dos Santos termina, escrevendo: “Abro distâncias entre mim e o dia e sou caudal / da voz que, em mim, já estanco”. A distância abre o caminho e a voz do poeta, cheia de silêncio, aproxima-se do mundo impenetrável e tão aberto.
23 de Outubro
de 2020
Teresa Ferrer Passos
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
CAMINHOS: Entre os homens numa terra árida (3)
Maria sentiu-se minha mãe ao aceitar a minha incarnação na sua própria
carne, conservando eu uma natureza divina. A sua carne e o seu sangue
alimentaram-me durante nove meses. Depois nasci. Com o sim de Maria, a
humanidade ganhou um plano mais alto, Maria aceitou o plano redentor de Deus. Com
o consentimento de Maria, Deus veio ao mundo para vencer o mal, revestindo-se da
própria pele do homem.»
Teresa Ferrer Passos, «Jesus até ao Fundo do Coração» (romance), 2016, p. 287.
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
Nobel da Literatura/2020
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
CAMINHOS: Entre os homens, numa terra árida (2)
terça-feira, 6 de outubro de 2020
No dia da morte de S.Bruno, 6 de Outubro de 1101
Caminhos: Entre os homens, numa terra árida (1)
O deserto à beira do Mar Morto (/Mar Salgado) |
«Eu não envergava vestes bordadas a ouro ou prata, nem mantos incrustados de pérolas, rubis ou esmeraldas. Os rabinos afamados e os doutores mais ilustres, os poderosos da sociedade, não acreditavam na minha identificação com Deus. Que blasfémia, que atrevimento, diziam uns aos outros. E crivavam-me de perguntas ardilosas para me desprestigiar.
As minhas atitudes abertas, destemidas, a minha piedade pelos impuros, a
minha predileção pelas crianças, o meu cuidado com os mais desprotegidos, não
os impressionava a meu favor. O meu carinho pelos doentes e a minha atenção aos
mais pobres, aos que eram perseguidos injustamente, abalava-os. A minha
preocupação com as vítimas da miséria e dos abusos do poder levava-os até a acusarem-me
de armar falácias. Escandalizavam-se. Os meus discípulos, alguns de aspeto um
pouco grosseiro e outros desconhecendo os modos pelos quais se regiam os
senhores de bom nome, peregrinavam comigo sujeitando-se aos comentários que os
atingiam, sem me abandonarem.»
Teresa Ferrer Passos, Jesus até ao Fundo do Coração (romance), 2016, pág. 244.
domingo, 4 de outubro de 2020
Um Poema Inédito
perturbadas de sol
é outono. solta-se o poema do real
há doçura nelas e um sol mudo
o estrondo do mar nos rochedos agita-as.
escrevem poemas ou perfumes? não sei dizer.
Big Bang |