quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A SEGUNDA VIRTUDE TEOLOGAL


(Em memória do meu Pai, que hoje faria 95 anos)

«Quis encontrar a Esperança.
Não a consegui ler nos salmos de David.
Nem no Cântico dos Cânticos.
Nem nas palavras dos profetas.
Nem nos mais sábios pensamentos
Dos mais sábios pensadores
Dos últimos milénios.
Sim, eu sei, ceguei há muitos anos,
Quando decidi que sondaria
Os abismos insondáveis
Sem deixar que ninguém me conduzisse.
Quis encontrar a Esperança.
Não a consegui ver sequer nos olhos de Jesus,
E até o Sermão da Montanha era um bloco negro,
Opaco, impenetrável.
Foi quando o meu Anjo da Guarda me lembrou
“O Estrangeiro” de Camus.
“O Estrangeiro”?, perguntei, estupefacto.
“Desce até ao fundo desse livro.
Depois, junta toda a tua força,
E vira-o do avesso.”
Incrédulo, assim fiz, contudo.
E descobri-a, a Esperança,
No reverso, nas costas, no lado-de-lá
- Do Absurdo».

Fernando Henrique de Passos, Breve viagem nas margens do mistério, Textiverso, Leiria, 2018

P.S. Esta é a única poesia de "Breve viagem nas margens do mistério" que o meu pai conheceu. Todas as outras foram já escritas depois da sua morte.
F.H.P.

***

NOTA: Como escreveste nesse espantoso poema de Breve viagem nas margens do mistério (Textiverso, Leiria, 2018) e, ele próprio, acentuadamente em torno do mistério, que atrai e agarra como um íman, a Esperança descobre-se «No reverso, nas costas, no lado-de-lá - Do absurdo». (Comentário de Teresa Ferrer Passos na postagem do Facebook em 8/11/2018).

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