quinta-feira, 21 de novembro de 2024

 A desistência é a perda de um tempo novo.

 *

Um poema é o verbo inteiro que me oferece um mundo a respirar num dia tão claro como uma sombra de  eternidade.

*

O paradoxo está presente em cada pensamento que ilumina a poesia até ao limiar da dúvida.

21/11/2024

                                   Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A bondade no século XXI é apenas a oscilação de uma simplicidade humana cada vez mais rara e preciosa.

Joaquim Cardoso Dias (in Facebook, 13/11/2024)


A bondade não está em moda. E como hoje é difícil não seguir o que é moda...

Teresa Ferrer Passos (in página de Joaquim Cardoso Dias, Facebook, 13/11/2024)

terça-feira, 12 de novembro de 2024

 Comentário de Teresa Ferrer Passos em 12/11/2024 ao post da editora Leya no Linkedin e na sua página do Facebook em 13/11/2024: 

"Premio Leya de Romance/2024. Autor Nuno Miguel Silva Duarte. Primeiro romance do autor. Título: "Pés de Barro". Este título lembrou-me de imediato outro título, "O Império com Pés de Barro", com precisamente a mesma temática:  O império colonial português. "O Império com Pés de Barro" foi publicado por José Freire Antunes, jornalista e historiador, no ano de 1980, pela editora D. Quixote".



"O importante não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós, a casa mora."

Mia Couto, Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

AS ÁRVORES

Árvores tombada sob um vento
de furacão



Cada árvore é um livro sacro capaz
de ensinar sem arrogância
e sabe falar sem ruído.
É um altar de leveza e de recato
mesmo quando mostra o céu coberto
das mais carregadas nuvens.
Cada árvore traz a música do vento  
mesmo nas folhas mais pequeninas.
Cresce para o alto imenso
e desenhasse na suavidade do ar
Cada árvore esconde as suas raízes
rompendo arduamente a terra mais endurecida.
Cada árvore irradia uma sombra no azul
com uma imensa luz que nos alenta.

Porque cada árvore é a imagem
de uma vida encantada
onde está ausente a disruptiva imagem.
A imagem da sua própria morte.

7/11/2024
                                               Teresa Ferrer Passos

terça-feira, 5 de novembro de 2024

O INCÊNDIO DO HORIZONTE



                                                   NO 31º ANIVERSÁRIO DO NOSSO NOIVADO

Tu foste a primeira mulher que eu beijei
E sempre permanecerás como a única.

Ergues-te agora na luz violeta do último pôr-do-sol
E o teu olhar aponta o firmamento,
Muito acima dos escombros do mundo
E do incêndio do horizonte.

Só tu dás sentido ao absurdo.
Só tu és a guardiã das razões ocultas de Deus.
Só tu és a chave do Grande Enigma.

E quando as últimas luzes exteriores
Por fim se apagarem
A memória do nosso primeiro beijo
Iluminar-nos-á por dentro
E conduzir-nos-á à Eterna Madrugada

Que desde sempre nos aguarda.

5/11/2024

Fernando Henrique de Passos


Teresa Ferrer Passos in Facebook, 5/11/2024:

É rico o lirismo das palavras do Poeta! Mas como as palavras mesmo de arte poderosa, ficam distantes da realidade de um grande amor construído entre dois seres complexos, mas com uma indestrutível vontade de tornar infinito o amor que Deus lhes colocou no coração.

sábado, 2 de novembro de 2024

DIA DE FINADOS

 


Neste Dia dedicado à memória de todos aqueles que já atravessaram o rio do Hades ou a fronteira do esquecimento, rogo a Deus que os receba com a Sua misericórdia infinita. Que a memória dos que partiram deste mundo para o Reino de Deus nunca se perca. E na terra dos homens tudo será bendito. A Graça infinita encherá a terra e Deus terá aqui a voz das Suas criaturas.

2/11/2024

                                                                Teresa Ferrer Passos

terça-feira, 29 de outubro de 2024

ÚNICA

Como um veio de água no deserto.
Como um diamante encontrado na Lua.
Como uma Rainha em trono republicano.
Como um quadro juntando o óleo e a aguarela.
Como uma poesia surrealista escrita por Camões.
Como uma flor solitária no altíssimo pico do Evereste,
desafiando o gelo e a rarefação do ar.
 
És única.
 
Nenhuma mulher se iguala a ti
E isso faz de mim o homem mais feliz do universo
Porque aceitaste um dia desposar-me.
 
29/10/2024

Fernando Henrique de Passos

O CERCO


O cerco terminou na minha aldeia.
Ela tinha ruas feitas de pântanos que percorri
como um navio sem rumo, sem vela condutora.
Os horizontes
cheios de negra fuligem esvaiam-me
e as palavras tombavam inquietas
onde os gestos hostis deflagravam.
Os fossos de silêncio eram chaminés
exaustas de escombros
que o céu não tocava temendo acordar-me.
 
Acordei na hora em que a enxurrada
procurava sufocar-me mais.
Vi o sol escurecer.
Nesse instante a tua palavra
ecoou como um sol que não quebra
mas inebria, que não rejeita, mas acolhe.
 
E os largos cercos ensopados de secura
que te envolviam também, caíram por terra.
E tu também acordaste.
A vida começava. Na incerteza e na certeza.
A vida imprevisível e fantástica.
Agora, já não era eu ou tu. Agora, éramos nós.
 
29/10/2024
                                   Teresa Ferrer Passos

sábado, 26 de outubro de 2024

E tudo se dilui e tudo se perde da imagem e tudo se desvanece numa triste e gasta tarde de outono. Aqui, numa fragilíssima e encantada pintura de Sousa Chantre.
                                                                                 T.F.P.
ATÉ OS TEMPOS...


até os tempos de uma simples nuvem são negros.
são negros. a cor de um universo
a cobrir os nossos rostos severos
sem devagar como se não nos reconhecesse
como se não soubesse quem somos.
entre as horas do susto soltam-se
os segundos do riso. frágil. inseguro.
aqui ninguém conhece o juízo da justiça
e todos gritam como se a conhecessem.
e todos sabem mais do que a justiça
e todos ignoram quem tem razão.
e o silêncio não se faz ouvir.
o silêncio é proibido julgam os vivos
ululantes e desavindos inconformados
e violentos nas suas entranhas a soltarem-se
em todas as frentes. isto vibra como obsceno.
não importa que o ódio crepite insolente
obstrutivo a romper o fel
dos fígados devorantes de uma palavra 
irradiante e que sopra para o alvo infinito
da liberdade de pensar na diferença 
das  almas perdidas dos corações
encurralados de tanto sentimento.  

26/10/2024
                          Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Marco Paulo (1945-2024)


Marco Paulo, um homem que foi capaz de transmitir sempre o seu coração, sem escondimentos, com uma abertura pouco vulgar, com uma alma capaz de mostrar a fé que o sustentava ao defrontar com toda a coragem a doença fatal que o atingia, até aos seus últimos momentos.

A morte não silencia, apenas apaga por instantes.

24/10/2024

T.F.P.

sábado, 5 de outubro de 2024

 


"DOM QUIXOTE", a personagem de Cervantes em que a liberdade (veja-se o capítulo 58 do volume II) e os valores ideais se tornam manifestação de "loucura" num mundo de injustiças, de hipocrisias e abominações, que parecem tudo dominar, sem sombra de derrota.

4/10/2024

T.F.P.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

interminável ritual?


 vejo ao longe gigantes em chamas

ou páginas de livros por escrever?

não! são apenas árvores doridas de cansaço e vertigem.

mulheres com baldes de água tirada de um poço correm,

e ouço a sua voz quase inaudível a dizer

que estão isoladas do mundo, lá, num além sem vivos.

ninguém, ninguém! pronunciam a custo

entre as nuvens de fagulhas da cinza,

entre borregos e ovelhas a tresmalharem-se, sem guia, 

que fogem das fogueiras rasteiras à terra 

e rentes ao céu, oh que altura! 

vejo o avanço das chamas com a rapidez

misteriosa de um vento agreste

que parece procurar ainda folhas frescas

e carne fresca que não come, mas devora

com sofreguidão.

Vejo ao longe um desespero pálido

a invadir as almas aprisionadas

no ar sufocante daquela visão infernal a entoar

gritos de medo e sem uma lágrima.

as lágrimas secaram depressa demais! o calor intenso sufoca!

vejo os corpos prostrados de luta e mágoa; 

já perderam a força capaz de vencer a morte

 e enrolam-se com as mãos a parecerem

folhas abafadas pelo fogo e pelo fumo. 

vejo as casas das aldeias perdendo os telhados

e as fotografias guardadas para sempre,

tornam-se um papel negro em que não está ninguém. 

Vejo que os troncos revestidos de negro,

continuam firmes na sua grandiosidade.

esperam ainda a frescura outonal?

e uma brisa suave ainda chegará a tempo

de os ressuscitar e devolver à vida?

24/9/2024

Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 18 de setembro de 2024



Quando terminará este Terror ou Terrorismo de mais de uma centena de incêndios simultâneos, em áreas florestais repetidamente atingidas e sem melhores condições de progressão de incêndios do que outras?! Até quando esta praga continuará a abater-se sobre os bombeiros e civis que perdem as suas casas e até as suas vidas?! Até quando nada se faz para capturar os incendiários e aplicar-lhes pesadas penas?! Até quando se continua a não apoiar a construção de habitações para alargar as comunidades existentes em vez de as desprezar com o abandono ou com o desaparecimento de infra-estruturas sociais tão importantes para manter a vida das aldeias e das vilas e serem um apelativo para aumentar a sua população?
17/9/2024
Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 13 de setembro de 2024



A propósito do post "Os portugueses do costume" no Facebook de Luis Castro Mendes, em 13 de Setembro de 2024, escrevi o seguinte comentário:

Uma constatação bem evidente é, sem dúvida, a inexistência de uma literatura rica, em Portugal, apesar das exceções, que confirmam a regra. São normalmente os mesmos escritores a receber chorudos prémios e a serem recenseados sempre pelos mesmos críticos literários. Trata-se de um panorama cultural muito restringido e, por isso, de temáticas e estilos sem mudança, sem inovação. Assim, se vai desvalorizando a cultura literária de língua portuguesa.

13/9/2024
                                            Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

 

O silêncio faz-nos escutar toda a humanidade abandonada, essa humanidade que ninguém quer ouvir para poder, pura e simplesmente, ignorar.
 12/9/2024                                                                                                                        
                                                          T.F.P.
 

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

MAIS UM INSULTO À MULHER

É um erro grave de caráter semântico pelo significado redutor desta definição de mulher: "pessoa que menstrua". Só em relação a uma pequena parte do corpo da mulher é correta. É também um erro de caráter biológico-científico, pois a menstruação dura um período limitado de anos e não dura toda a vida da mulher, logo não tem expressão definidora do ser feminino. E, se fossemos por aí, a expressão homem deveria ser igualmente substituída pelo contrário, ou seja, "pessoa que não menstrua". Pergunta-se: Porque razão só a designação do género feminino foi alterada pela (OMS) Organização Mundial de Saúde?!
23/8/2024
                                                                         Teresa Ferrer Passos

TEMPOS IDOS QUE NÃO PASSAM

Memórias da infância. Memórias espantosas que não se perdem de nós, nunca. Delas partiu tudo o que viemos a ser, como se nada mais nos tivesse sido ensinado, fosse o que fosse. Que experiência rica se mantem viva e pronta a ressurgir, em cada dia que vivemos. E mesmo na velhice, aí estão essas memórias a rejeitar o esquecimento.
                
23/8/2024
                                                                                                                                     T.F.P.

sábado, 17 de agosto de 2024

LEMBRAR Mário de Sá-Carneiro



Postagem do poema "Quase" de Mário de Sá-Carneiro (in «Dispersão», 1915) no Grupo "POESIA em português" in Facebook em 15/8/2024:

Comentário de Teresa Ferrer Passos: «Dos melhores poemas portugueses de sempre! MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO».

Comentário de Anderson Cerqueira: «Sou brasileiro e gosto muito dos poetas portugueses, e gostaria de saber de sua opinião também, por que Antônio Gedeão não é considerado como um dos grandes de Portugal, sendo que é, pelo menos pra mim, um grande poeta?»

Comentário de Teresa Ferrer Passos: «A força da poesia vem da emoção e as emoções têm graus diferentes. Daí uns poetas serem excelentes, outros não chegarem tão alto».
(16/8/2024)
                        

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

UM POEMA



NASCENTE DE VIDA

À Teresa no dia dos seus anos

Nasceste! És nascente
e és trovoada
a soltar as águas
criando a corrente.
És tudo o que é vida
e não é dormente;
tudo o que desperta
e nos abre os olhos
à luz mais silente.
Tu és a promessa
dentro da semente;
o girar dos astros
firme e permanente;
o fulgir fugaz
da estrela cadente;
nas noites de Inverno,
a lareira quente.
Fundamentalmente
és luz e calor
de um dia de Agosto
repleto de amor
desde a manhãzinha
até ao sol posto.
Nasceste! És nascente,
nascente de vida
que me despertou!
A ti te dou graças
e a Quem te criou!

9/8/2024

Fernando Henrique de Passos

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

ACERCA DA POLÉMICA que eclodiu na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris 2024

 "A Festa dos Deuses é uma pintura do artista holandês da Idade de Ouro de Utrecht Jan Harmensz van Bijlert", diz Jolli, o representante dos Jogos. Ora esta pintura é uma expressão mitológica com caráter burlesco, pois a figura central tem um resplendor, alusão à santidade da figura, o Cristo; as outras personagens comportam-se como se conversassem, gesticulando, como na "Última Ceia" de Leonardo da Vinci; há ainda uma nítida alusão à última ceia de Cristo e os discípulos ao colocarem-se num só lado da mesa, como acontece com o quadro de Leonardo da Vinci e com tantos outros pintores como a do holandês Jan Erasmus Quellinus (1634-1715). Estes pormenores do pintor Jan Harmensz, mostram à evidência que este quis parodiar a Última Ceia de Cristo, tal como o autor das imagens-quadro da cerimónia de apresentação dos Jogos Olímpicos Paris/2024. Até a perspetiva que é dada às figuras na mesa da "Ceia woke" mostra com marcada evidência o caráter caricatural ou paródico da imagem apresentada na Cerimónia de abertura destes Jogos Olímpicos. E como satiriza o pintor Jan Harmensz? Recorrendo à ultrapassada mitologia politeísta greco-romana que há longos séculos já ninguém venerava. O tempo dos ídolos morrera, mas não morrera para os pintores anti-cristãos que entendiam o burlesco, a troça, como o melhor meio de combater Cristo e os seus seguidores. Ridicularizar é uma forma de combate político e ideológico que continua na sociedade atual como se está a ver nesta cena "woke" na abertura dos Jogos Olímpicos.

Facebook 30/7/2024 (publicado em vários comentários)

Teresa Ferrer Passos

domingo, 4 de agosto de 2024

UM POEMA

HUMANA ILUSÃO  
   


quando o tempo passa sobre as folhas dos altos plátanos
da minha rua, o seu verde intenso perde-se e não volta.
a cor infringe a cor da relva,
mais verde que a esperança.
um avatar cobre-as de um amarelo frouxo,
perdido do sonho de ser eternidade.
incapazes de entender, pois entendimento não têm,
tornam-se um cavalo a romper o bosque denso.
 
cada folha de tom amarelo-baço
solta-se dos ramos e o vento lesto,
eleva-as como brinquedos
nas mãos de uma criança que o mundo
ainda desconhece.
 
ouço pela janela entreaberta o vento a uivar.
a força estonteia-o. de que poder dispõe?
vejo pela janela entreaberta os ramos contorcidos
e as folhas a soltarem-se.
impotentes rolam pela rua como se fossem
apenas um pouco nada, um impossível ainda a ser,
e são apenas um não-ser que espera ser.
 
olho a vida breve das folhas feitas
de avatares nem sonhados.
como se desvaneceu o brilho intenso das folhas?
perdeu-se apesar de assentes em magníficas árvores
de raízes fundíssimas. poderosas. imponentes.
 
agora, toco a certeza de que tudo vive envolto
em incerteza, nada se renova,
nada se perpetua, nada se fortifica.
esta a única verdade que nos dá a vida.
e resvalamos para o gosto da perpetuidade.
 
vivemos à espera da mudança grandiosa e dos louvores.
oh grande ilusão esperar poder subir mais alto,
sempre mais e mais, sem ver quanto tudo é precário.
oh perdição, oh vanitas, oh coisa vã, insana,
oh vão desejo, oh grande engano deste mundo.
deste mundo em que tudo é passageiro.  
 
4/Agosto/2024
                                                     Teresa Ferrer Passos 

 

 

                                                             

domingo, 28 de julho de 2024

PÁGINAS SOLTAS


   «Última Ceia», pintura do holandês Jan Erasmus Quellinus
(1634-1715)


«Num tempo de crenças cegas e de obediência estrita à letra da Lei, num tempo esquecido da magnificência de reis como Salomão, num tempo de belos cânticos sobre as Lamentações de Jeremias ou os Salmos de David, tudo o resto parecia inútil, desnecessário.

Em terras de Canaã, cada novo pensamento que eu transmitia nas sinagogas ou nas colinas eivadas de tamareiras ou de ralas pastagens, os desorientava logo que o comparavam com os rolos da Lei lida e interpretada nos lugares de oração pelos doutores do Templo.
(...)
As raras oportunidades de os doentes e os pobres se encontrarem comigo acabavam muitas vezes frustradas. Se me acabavam por ver e mesmo escutar, como era difícil descobrirem os mil e um sentidos das minhas parábolas, a procurarem chegar à sua linguagem de camponeses e de pescadores? Cheias de pequenos episódios, a serem ouvidas com o bulício das gentes que se amontoavam nas ruas, quem estava em condições para as manter na memória por muito tempo, tal como eu as tinha dito?

Se eu sabia que ao longo dos tempos, no estudo e na reflexão silenciosa, seriam decifradas essas pequenas histórias (acrescentadas, rasuradas e omitidas muitas das minhas palavras e até numerosos pensamentos revelados), como me custava ver aquelas simples almas, sem conseguirem compreender o essencial daquilo que procurava que chegasse mesmo ao fundo dos seus corações. Nada se podia alterar. Os homens e os tempos não podiam ser outros. Não podiam ser melhores do que os escolhidos por meu Pai. Se os escritos dos profetas tinham lapsos, deformações, erros, exageros e omissões que enganavam muitos tratados de sabedoria, era preciso elucidar o pouco que ficara de proveitoso das suas narrativas.

Na verdade, eu passava entre aquelas gentes para lhes transmitir a verdade. Sem pompa nem circunstância. Eu viera para esclarecer, para indicar os caminhos da verdade única.»
                                                                                  
     Teresa Ferrer Passos, «Jesus até ao Fundo do Coração», Hora de Ler, Leiria, 2021, pág.s 178-179.


sábado, 20 de julho de 2024

UM POEMA



O CAIS


                         Ao dia 2o de Julho de 1993


A aventura começa num nevoeiro espesso.
O cais de embarque tem tons de arrepio.
Ninguém prevê que com um tal começo
Possamos ir além das sombras e do frio.

Eu tenho razões para acreditar no dia
Pois tudo em ti é luz e é calor.
Mas trago em mim a noite doentia
Onde ameaça naufragar o nosso amor.

Felizmente, o cais de onde partimos,
Foi Deus quem o fez para nós dois.
É por isso que ambos já sorrimos
Às bênçãos que nos sorrirão depois.

O Mundo Novo que vamos alcançar
Chama-se Cura, Paz e Conversão.
Estar neste cais é já como chegar:
Tu estás com Deus, eu vou por tua mão…


20/7/2024

                              Fernando Henrique de Passos

UM POEMA


Ribeira de Alcantarilha em tempos idos


NUM DIA DE SOL


                           Lembrando o dia em que nos conhecemos, há 31 anos 


as sombras uivavam nas vitrines.
as porcelanas pareciam pintadas sobre vidas
em que a luz não vibrava mais que uma ondulação.

sentia-me arrastada por uma tarde desenhada pelo sol,
inclemente. a sede escorria dos meus lábios
ressequidos. uma insustentável fragilidade corrompia
os meus pensamentos a esvaziarem-se de sentido.

e eu silenciava uma grande incerteza que pesava
nos meus ombros habituados demais ao desânimo.
 
inesperado um relâmpago acendeu no ar pesado
uma luz estranha, uma luz quase apagada plantava
flores nos meus cabelos feitos terra e mar e vento.

um mundo renascia como se tivesse existido sempre.

afinal era um mundo que eu nunca vira antes
era um mundo com a novidade imensa
daquilo que nunca existiu, nunca foi alguma coisa,
nunca eu conhecera em tempo algum.
 
e eras tu, com a tua claridade branda e luminosa.
eras tu esse relâmpago e eu ainda não sabia ver-te.

20 de Julho de 2024

                                                    Teresa Ferrer Passos

sexta-feira, 12 de julho de 2024

MEMÓRIA

                              


                          


                                   

AS MINHAS CARTAS


                                      Com a saudade de minha mãe,
                                      desde o dia 11 de Julho de 1990


as minhas cartas escrevem a tua ausência que escorre
nas paredes da casa. Escrevem o teu olhar inscrito
em cada folha verde-musgo dos plátanos da nossa rua
e os dias caiados por asas rompem o ar que respirámos.

as minhas cartas tangem como sinos invisíveis para ti
nestas horas que me dizem que estás a ler-me
e a sorver-me, no teu além vivo como a vida
que te escapou apesar da tua incredulidade em perdê-la.

as minhas cartas longas perdem-se 
ainda embebidas na alegria das tuas horas cor de rosa
e extasiadas no perfume dos goivos e dos gladíolos vermelhos
que acariciavas com os dedos entorpecidos de dor.

as minhas cartas deslizam sem saber nas águas do rio
onde moras e onde passas com uma ondulação mansa
à procura da minha presença eclipsada 
porque as tuas palavras já não escuto.
 
11 de Julho de 2024

                                            Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 19 de junho de 2024

 Acerca dos perigos da Inteligência Artificial

Não tenhamos medo porque a espontaneidade humana, as experiências diversificadíssimas que se vivem, a infinita diversidade de personalidades que cada pessoa representa, as geografias físicas e sociais dos milhões de homens e mulheres, estão muito para além de tudo o que se defina por uma Inteligência Artificial.
19/6/2024
Teresa Ferrer Passos

terça-feira, 18 de junho de 2024

ETÉREO POETA


                           A Luís Vaz de Camões,
                           no V Centenário do seu Nascimento


na incerta data celebramos Camões com arte branda. 
Com que arte, nós aprendizes de poesia,
nós que nos achamos vates e somos insignificantes,
nós apagados da certa palavra,
nós cheios de vãs eloquências,
nós com os louros a ofuscar-nos a visão?
nós, a olhar o mestre, nós, relendo o genial poeta,
aquele que já cruzava os mares tumultuosos
da poesia maior insubmissa sem rival,
bem dentro das entranhas de sua enternecida mãe.
Nós, aqueles que lhe queremos suceder neste século.
Nós, a crivar as artes do imaginoso humano
com o fantasma da novidade, tremenda e amesquinhante
inteligência só rica em artifícial moldura?
Luís Vaz de Camões, tríade auspiciosa
a vibrar melodiosos hinos e louvores
numa voz sonorosa e ardente como fogo.
A escrever a esplêndida oratória sobre a história 
fulgurante destes a quem chamou Os Lusíadas,
herdeiros dos ousados Lusitanos.
Camões, o século de Quinhentos atravessou
com estudo vastíssimo, 
sua força de alma seguindo sem cansaço,
tudo assente no apego à terra estreita mas luminosa,
a vislumbrar as águas transparentes
de um rio de tantas brumas,
o Tejo, esse rio maior, a penetrar o além,
marítima frente de impiedosas ventanias.
Toda a vasta distância se encurtava
nas correntes imprevistas ante a vontade de vencer 
a pequenez da terra, a pobreza da mesa,
o destino parco e ignoto de todo um povo.
Camões, com a beleza nos olhos perturbante,
espraiou-se pelo vasto mundo
de construções honrosas ainda incertas,
deixou como alto e único testamento  
uma memória de pátria,
pátria só por amor movida,
grande e inteira, poderosa e leve,
quase escondida da Europa
de olhar turvado pela discórdia.
Rompendo  as ondas maiores,
os Lusíadas venceram o Atlântico e o Índico,
mares longuíssimos.
Com hostilidade e sangue recebiam as caravelas
e as naus imprevidentes.  
Que terrível desconfiança dos Lusíadas,
dos icónicos marinheiros,
gente jovem e alegre que desconheciam
e por isso mais temiam.
Na espera de caminhos promissores,
acreditando mais nestes que nos nefastos, 
Camões deixou escrita a gesta
dos seus feitos valorosos:

Qual gente Lusa  capaz de abrir as portas
de um mundo fechado sem saber.
E os navegantes da pequena 
terra de silvados serpentes e montículos,
embarcavam em navetas com velas vestidas de obstinação. 
Partiam  do suave Tejo.
A lusa pátria antiga Portugal se chamava
e circum-navegando a África imensa
o Oriente Extremo, a China grandiosa, tocaram.


10 de Junho de 2024

                                     Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 12 de junho de 2024

NO V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE LUÍS VAZ DE CAMÕES (1524 ou 1525?)


Camões na prisão em Goa, pintura
de autor desconhecido, de 1556
(in revista «Panorama», nº 43-44, 1972, Hemeroteca Municipal de Lisboa).


«Olhai que ledos vão por várias vias,

Quais rompantes leões e bravos touros

Dando os corpos a fomes e vigias,

A ferro, a fogo, a setas e pelouros,

A quentes regiões, a plagas frias,

A golpes de Idólatras e de Mouros,

A perigos incógnitos do mundo,

A naufrágios, a peixes, ao profundo»

                                  Camões, Os Lusíadas, Canto X


 

"Ontem como hoje, a Pátria não pode ser um conceito vão, com uma significância simbólica, mas um conceito vivo, a que a comunidade vê, todos os dias, a expressão pela sua vontade forte, lúcida e prospectiva. Mas, também, sempre que os interesses sectaristas, de grupo ou de facção, se sobreponham aos do todo e da parte como elemento do todo, a nação será fraca e incapaz de defender a sua independência. A cooperação era a garantia do êxito, como o havia demonstrado D. Afonso III ou D. João I. Porque a realidade que o cercava já não correspondia senão à baixeza moral («glória de mandar», cobiça, fama) e à degradação cultural, Camões concluirá Os Lusíadas só movido, como escreve J. Borges de Macedo (in «Os Lusíadas e a História», 1979), pelo amor da Pátria, cuja história foi "marcada pelo sucesso, que conserva a nação, e venceu todas as tentativas de destruição por forças mais poderosas, mouras, castelhanas ou dissidentes". 

in Teresa Bernardino, «Diário de Notícias», 1/4/1980 e «Ensaios Literários e Críticos», Universitária Editora, 2001, p.109.


domingo, 9 de junho de 2024

 APARIÇÃO DE MARIA


Em cada imagem, há um sentido
próprio, inviolavelmente belo.
A imagem pronta para os olhos ávidos
de coisas, coisas sensíveis,
tão em si mesmas visíveis.
E a imagem é a Senhora
mais luminosa do que o Sol.
Viram os mais pequeninos.
Que força possuiu Maria, a descer do céu!
Que impetuosa ascensão para a Sua morada!
Que imagens a maravilhá-los…
Apareceu Maria, como uma estrela intensa,
distante ou cheia de proximidade?
Que sensação vê-la ali, quase ao lado deles,
a transcendê-los e igual à sua imanência!
Oh aparição de Maria, nesses dias 13
do ano de 1917!
Senhora, cercada de relâmpagos de luz e,
ao mesmo tempo, com palavras iluminadas de fé,
uma fé visível,
tão visível de significados,
como sentiram os olhos das crianças.
Oh imagem bela e perfumada! Oh Maria!
Apareceste como qualquer outra mulher,
apareceste como qualquer outra mãe.
Imagem de Maria a aparecer
aos mais simples do mundo, as crianças.
E, precisamente, conheceram-na,
de viva voz e com os seus próprios olhos!

Teresa Ferrer Passos, «Vimos mesmo a Senhora do Céu», Hora de Ler, 2018, pág.11.



sábado, 8 de junho de 2024

V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE CAMÕES

 NO INÍCIO DA CELEBRAÇÃO DO V CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DO POETA LUÍS VAZ DE CAMÕES a realizar entre 10 de Junho de 2024 e 10 de Junho de 2026, aqui publico um excerto de um artigo datado de 25/8/1976 e assinado pelo meu ortónimo Teresa Bernardino no Jornal Novo.

CAMÕES FALSEADO

Foram publicados pelo Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis alguns cadernos denominados «Juventude e Cultura», que se destinavam, conforme se afirmava na Introdução, a levar às mais vastas camadas estudantis e populares alguns autores menos conhecidos do nosso meio ou cujo acesso era difícil. Escolheram-se, no entanto, autores que embora fossem realmente pouco conhecidos, tinham um valor muito discutível como é o caso de Samora Machel ou Amílcar Cabral, e omitiram-se outras talentosas e significativas figuras das Letras ou da Ciência europeias.
Mais particularmente no que respeita ao nosso país, não se apresentaram os mais relevantes poetas e escritores com a isenção exigida a quem se propôs efectuar tal tarefa, como o prova a publicação de uma peça teatral subordinada ao título Camões.
Formularam-se conceitos imaginosos que deturparam a mensagem do maior poeta português, expressa na sua obra maior: Os Lusíadas. Para se publicar uma peça onde Camões era o centro da acção, era necessária uma fiel interpretação do seu pensamento, livre de qualquer pressuposto, e não desenvolver todo um ambiente que nada tinha de comum com o grande épico, chegando-se mesmo a deturpar a sua verdadeira personalidade. Para além da superficialidade no modo como foi concebida, a peça confere a Camões atributos (bêbedo, hedonista, etc), cujo único fim foi desprestigiá-lo.
O seu autor não analizou previamente as obras de Camões, para depois poder escrevê-la, mas partiu unicamente da imagem que o regime deposto nos oferecia e que era unilateral e, por isso, errónea. Na verdade, se Camões enaltecera os feitos dos portugueses, fizera-o porque eles eram o resultado do saber científico, da coragem e do sacrifício dos navegadores quinhentistas, não deixando de apontar os males que lhes ía trazer a bela aventura ultramarina. Prova clara disso são as sintomáticas palavras pronunciadas pelo Velho do Restelo, que o poeta define como «venerando», «esperto», «honrado» e «sábio só de experiência feito»: « Ó glória de mandar, ó vã cobiça / Desta vaidade a quem chamamos fama! / Que mortes, que perigos, que tormentos, / Que crueldades nelas experimentas».
Tal como no passado, Camões foi vítima dos falsos epítetos daqueles que julgando-se «progressistas», continuam imersos em ideias «obscurantistas» que sobre ele tanto pesaram. Com efeito, só quem ignorava o único, o verdadeiro Camões, poderia supô-lo, como se verifica na peça, um modelo perfeito para representar adequadamente a personagem de um nobre latifundiário, explorador do trabalho do povo, que considerava sem quaisquer direitos, imagem actual do grande capitalista. Camões é, nesta peça teatral, identificado com um indivíduo de espírito classista, que ostenta a sua superioridade, que despreza os pobres, vítimas da sua opressão e que vive, claramente, à sua custa.
Difamou-se o poeta ao fazê-lo personificar um grande e intransigente senhor, pois ele sempre foi pobre e também um explorado porque as suas obras não eram condignamente recompensadas pelo rei (foi-lhe conferida uma pequena tença, que muitas vezes recebia tardiamente).
Por outro lado, um dos episódios de Os Lusíadas que é focado, a Ilha dos Amores, é concebido como representando algo que é uma antítese do seu verdadeiro significado. Para Camões, essa Ilha não é mais do que uma aparência, uma ilusão dos sentidos e que, assim, pouco valor tem. Ela é a imagem da fragilidade da felicidade terrena para onde, enganosamente, apontavam a Fama e a Glória, em que os homens acreditavam cegamente.
Era à Glória que aspiravam os portugueses depois de se terem tornado famosos com as navegações. Mas o poeta indica, corajosamente, onde ela conduzia o homem: à cobiça, à ambição, à tirania («E ponde na cobiça um freio duro / e na ambição também, que indignamente / tomais mil vezes, e no torpe escuro / vício de tirania infame e urgente / Porque essas honras vãs, esse ouro puro, verdadeiro valor não dão à gente»). (...)
in Teresa Bernardino, «Ensaios Literários e Críticos», Universitária Editora, 2001, pp. 33-35.



domingo, 2 de junho de 2024

APRESENTAÇÃO do livro IMAGENS PARA ALCANTARILHA de Teresa Ferrer Passos



Na aventura de trazer até ao mundo tudo o que guardámos ciosamente, aqui deixamos mais umas páginas inscritas em instantes de memória e emoção... 

No dia 25 de Maio de 2024, realizou-se, integrado na festa de aniversário da Associação para a Defesa do Património Cultural e Natural de Alcantarilha, este evento de natureza literária, de cariz acentuadamente poético. Memória de alcantarilhenses,  louvores aos campos e à sua flora ancestral, surgiram nestas páginas com o título de IMAGENS PARA ALCANTARILHA. Aqui deixamos algumas fotos gentilmente cedidas pelo Doutor Nuno Campos Inácio:

Abordagem pela autora do conteúdo temático de
"Imagens para Alcantarilha"



O Dr. Sérgio Brito lendo o Intróito de 
Manuel Neto dos Santos inserido na obra.


 

A autora da obra com seu marido,
o poeta Fernando Henrique de Passos



A assistência atenta às palavras sobre o livro 



TFP autografando um exemplar ao leitor


INTRÓITO

 Por Manuel Neto dos Santos[1]

 

Na génese das coisas, o silêncio é a casa do poema. Assim substanciados o verbo, a origem, o caminho, o destino. O poema é sempre rocha sedimentar estratificada pelo tempo, nesse lugar das memórias, nesse espírito do lugar, nesse genius loci, locus amoenus de quem somos. A leitura da poesia de Teresa Ferrer Passos remete-nos para esse recanto exacto e diluído, esse lugar da casa, do espaço, do caminho. Encontramos na poesia desta autora o apaziguamento e o passo demorado, sofrido, mas ainda assim feliz, pela ”revelação”. Estamos perante uma compilação de poemas feitos de “regressos” a que a matriz cristã empresta o tom de litúrgica serenidade. Para cada dia que se ergue como fronteira, a poesia tem essa força discreta de derrubar o mutismo da existência, tornando-se, ritmo, voz, cadência, invocações expressadas em verso. Perpassa, por toda esta obra, o visualismo narrativo; repouso breve e movediço, uma janela a bater na ventania…

Há, em todo este livro de poemas, uma paz insuspeita, um bucolismo de perfumes esparsos, a audição do canto dos grilos, numa ruralidade tão distante do bulício da “grande cidade”. O legado da memória transmuta-se numa imortalidade como quem habita o brilho intenso da frágil flor, a singeleza como único caminho na recorrente amarga sensação da ausência. Alcantarilha; aldeia ao Sul. A cal, a chuva de calor estival, o ar pesado, numa expressão antitética de máximo impacto de recurso estilístico quando a sensibilidade da poetisa almeja “um gole de água fresca”, o verso inicial saciando a, por vezes, árida travessia de existir. Todo este livro tem, no seu âmago, uma saudosa étima memorabilia simbolicamente retratada numa fotografia forrada de amanhã.

Mais do que passado, estamos perante versos de porvir. Há, em toda esta obra, uma (in)temporalidade evocativa, um humanismo puro, um olhar de assombro magoado perante o “desconcerto” do mundo. O eterno versus a vulnerabilidade da terra. O espaço físico da aldeia remete a autora para essa outra “revelação” das portas sem fechadura, das janelas como nesgas estreitas quando o tempo dolente se arrasta na melancolia dos minutos. Ao Sul. O azul das aves, o sol a rodos na sua pujança mediterrânica a lembrar labareda insuspeita. Regressa o olhar de quem escreve numa nova liturgia, no espaço vértice da luz, no sacro cálice da flor da romãzeira. Casto é o tempo, a lembrar a folha em branco aguardando o poema numa visitação apaziguadora, vencendo imagens de revoltos temporais. A aldeia tem esse dócil palpitar e a poetisa ostenta um rosto (ainda) de criança, perfil de quando o rosto era todo ele iluminado pelo espanto. Nas íngremes variáveis dos dias, a poesia assegura -nos que são possíveis os paraísos. Basta tão somente que nos deixemos guiar pela audácia a cada hora, a cada encruzilhada de uma nova estrada. Perante os trilhos estreitos, perante os caminhos apenas enunciados, na aldeia desfralda-se a noite no vagar das sombras; aldeia sem trincos nas portas.

A poesia de Teresa Ferrer Passos, na sua imagística pessoal, fala-nos do fluir do tempo narrado, e vivido, que as mãos nos enruga e o olhar nos entristece e nos irmana de todas as solidões do mundo. Escrever é movimento furtivo e altaneiro quando de nós nos despedimos para fazer todo o sentido na sensibilidade de quem nos lê. O colorido azul-rósea visto pela poetisa sugere-nos um ocaso em Alcantarilha, aldeia – presépio, das ruas estreitas com as estrelas por luzeiros. A terra, a lida da terra e a sua odorífica e adocicada generosidade; perfume dos figos, e das alfarrobas.

Na génese das coisas, Teresa Ferrer Passos acende a candeia da memória feita distância mas, agora e sempre, retorno esvaziando de sentido a solidão. Em suma: Alcantarilha. A luz intensa sobre a cal, a casa a lembrar o fragor de um regato quando lá fora o canto das cigarras nos assevera a secura, a tocha ardente da canícula de um Verão intenso. Alcantarilha, num vergel, a cor fascinante das laranjas. “Lugar da ponte pequena”, das extensas e largas noites narradas por lendas e fantasias. Assim nos é descrita a aldeia, de forma sublime, por Teresa Ferrer Passos numa singela visão do zumbir de abelhas laboriosas, contrariando a canseira impertinente de existir para que o poema seja, em si mesmo, a plena, visual e melódica fertilidade.

 

Monte Boi, 4 de Abril de 2024

 



[1] Poeta (40 obras publicadas), tradutor (24 obras) e declamador. Nasceu em Alcantarilha (Silves), em 1959. Figura incontornável na moderna poesia portuguesa, recebeu recentemente o Prémio Mérito Municipal – Literatura (2023), atribuído pela Câmara Municipal de Silves (Nota da autora).