sexta-feira, 30 de junho de 2023

Um POEMA DE VLADIMIR MAIAKOVSKY (1893-1930):


Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
E logo
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

domingo, 25 de junho de 2023

IN MEMORIAM

 ALÉM, MAIS ALÉM


                             In memoriam de migrantes desafortunados

  

Barcaças vogam devagar nas ondulantes águas.
Sentem-se irmanadas com aquelas gentes pobres
que nelas um caminho veem. O sol brilha.
É fogueira acolhedora. E as estrelas
quando este brilho se esvai de cansaço,
oferecem-lhes o seu vigiar no escasso sono.

 A luz esplendorosa da aurora abre-lhes os olhos.
Uma esperança sorri nos seus lábios ressequidos.
Uma glória imensa habita as suas faces húmidas.
A livre fuga cresce com o sal que a boca suga.
As mãos em prece a orar sentem o afago
da promessa mesmo sem sinais no horizonte.

Não se vislumbra a espuma nas praias longas. 
Não se avistam dunas com vegetação a abundar.
E há arcas de esperança em cada um dos seus
cabelos longos que esvoaçam ao vento
como se cavalgassem num ginete ágil que vencerá.
Estão cada vez mais distantes da fome,
do desprezo, da vingança, do desdém, da morte.
Esqueceram a sofrida vida. Tudo enterraram
na terra do nada em que deambulavam 
jovens, quais vermes cegos de vontade.
Que viagem afortunada,  acreditam.
 A chegada coberta de futuro, vislumbram.
Que coroas de bendito destino na terra próxima, avistam!
Perto demais! Em pleno mar, veem os contornos das arribas.
Num olhar subtil, começam a louvar os deuses
ao verem colinas cobertas de vinhedos. Que olivais sem par!
Que pastos férteis! Quantos animais  nos penhascos!

Lentamente, a barcaça, apinhada demais, começa a empinar.
Uma onda incauta desequilibra o instável equilíbrio.
E sucumbem, sucumbem sem socorro.
Agora sabem  que ali tão perto a costa grega os renega
e, indiferente, sepulta as pobres gentes na esmeralda água.


25/6/2023

                                                          Teresa Ferrer Passos


quinta-feira, 22 de junho de 2023

UM POEMA

 MEDITAÇÃO DOS DIAS 


                            A uma casa perdida na aldeia


O peso do ar habita a minha vulnerabilidade de terra.
Frágil, a ser marcada cada dia pelas horas delidas
no tempo. E são as nuvens esbranquiçadas demais,
insufladas de um outro tempo que, como um árido
deserto me inspiram e me fazem
percorrer corredores escuros,
descobrir portas sem fechadura e janelas
que são nesgas de tão estreitas.
Sopro as cortinas descoloridas e noturnas
quando a minha consciência esbarra numa vaga estrada
onde caminho sem caminho que guie
sem as águas férteis que apagam a melancolia dos minutos.
Sinto o verão que começou intenso em plena primavera
e o vento a esconder-se como um fantasma de outros tempos,
à procura da casa que perdeu sem saber como.
Perdeu-se do azul das aves e quem é não sabe. Só
o restolhar das folhas no passeio lhe oferece um simulacro
da voz enrouquecida, a evadir-se devagar.
 
Aqui nada cresce inteiro e promissor mas os nossos
olhos permanecem extasiados de sol a rodos.

 

22/6/2023

                                                 Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 21 de junho de 2023

UM POEMA


Ribeira de Alcantarilha, em 2017

ÚNICO INSTANTE


                                  À ribeira de Alcantarilha

 

Naquele instante em que não esteve o tempo
nasceu uma asa assombrada pela árvore altiva
na palavra que nunca fora ouvida na gesta das palavras.
 
Naquele instante em que não esteve o tempo
as folhas de um grande livro dispersaram-se
entre salpicos de lágrimas vazias a perderem-se de si
talvez a enterrarem-se nas margens de uma praia.
 
Naquele instante em que não esteve o tempo
a vida passava acesa e a apagar-se
num nevoeiro denso que a encobriu em vasto areal  
a oferecer penedias com estranhas grutas
em que só o amor deslizava inconsútil.    
 
21/6/2023    

                                         Teresa Ferrer Passos                        

sábado, 17 de junho de 2023

UM POEMA



SEM RUÍDO

 

Um delirante uivo soou a penetrar a palavra
ardente que justiçava irrefreada malícia.
Porém, um abutre esfaimado como o vento
ataca-a com intentos maléficos, carniceiros.
A agreste ventania do intruso com o azedume em crescendo,
mostra a espuma dos instantes nos dentes ávidos,
estonteante como uma sílaba repetida, imparável.
No céu azul, nas brancas nuvens esfarrapadas
não há agitação nem vento forte. Dos astros não há
vestígios, da voz sensata que se ouvira, nada sai.
E o silêncio, lento, compassivo, suspira.
Recusa o brilho espectável.
Paira agora um silêncio fátuo a cruzar-se
com as nuvens pálidas, traquinas, suaves.
O silêncio é uma vertigem vinda do além.
O silêncio não conhece a agressão. Imóvel permanece.
Está ali, numa penumbra serena.
Depois passa apagando o ruído.

17/6/2023
                                                     Teresa Ferrer Passos


quinta-feira, 15 de junho de 2023

Simone Olianti Psicólogo, Professor de Ética e Psicologia da Religião

«Há algo mais fascinante do que um ser humano? Somos um concentrado de paradoxos e contradições, medos e desejos, sonhos e frustrações. Quem pode conhecer o coração do homem? A cabeça mergulha nas nuvens, sobe até às estrelas e os pés atolam-se nos entulhos caóticos que marcam os nossos dias.»


Excerto do artigo "Tenho Medo de Sonhar" de Simone Olianti (12/6/2023) in «Mensageiro de Santo António.


segunda-feira, 12 de junho de 2023

UM POEMA

Rio Douro em Peso da Régua

A NÓDOA(1)

A nódoa caiu no Dia de Portugal e de Camões.
Caiu após a Palavra sábia de Marcelo.
Caiu vinda de professores anónimos
empunhando cartazes estranhos e cobertos de ódio.
Escorreram os seus berros selváticos
sobre um Primeiro-Ministro atónito
capaz de não fugir a defrontar a afronta impossível
no Dia de Portugal e de Camões.
O Dia festejava-se na bela e pacífica
cidadezinha de Peso da Régua
toda cercada de serrania
e a espelhar-se no Douro - rio da vinha carinhosa -
que num tempo muito antigo
viveu com as sensatas gentes
que fizeram Nascer Portugal.

11 de Junho de 2023

                                 Teresa Ferrer Passos

(1) Facebook e Linkedin

sábado, 10 de junho de 2023

DIA DE PORTUGAL




O mais antigo retrato de Camões da autoria do pintor 
Fernão Gomes (Hernán Gomez, de Castela, radicado desde muito jovem
em Portugal, aportuguesou o nome), o chamado Retrato pintado a vermelho, executado
entre 1573 e 1575 (ainda em vida do Poeta) e recuperado
por Luís de Resende a partir do original (entre os anos de 1819 e 1844),
ícone salvo de um incêndio no palácio dos Condes da Ericeira.





De «OS LUSÍADAS» (Canto VII, 14), LUÍS DE CAMÕES

«Não faltaram Cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa Lusitana.
De África tem marítimos assentos;
E na Ásia mais que todas soberana;
Na quarta parte nova (1), os campos ara;
E, se mais mundo houvera, lá chegara.»

(1) Brasil.


****

DIA DO CORPO DE DEUS




O Corpo de Deus a tornar-se visível em Jesus, o Messias esperado e pré-anunciado, desde o século VIII a. C., pelo grande profeta de Israel, Isaías. E Deus revelou-Se e fez conhecer Quem era verdadeiramente e qual era a Sua Vontade - "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida".

Facebook, 8 de Junho/2023
Teresa Ferrer Passos

sábado, 3 de junho de 2023

UM POEMA


Aguarela de Estêvão do palacete da Quinta da Cruz, antigo lagar de azeite e poço de abastecimento da população, Alcantarilha, Algarve



A MISÉRIA

nos sapatos rotos nasce a dor
e a dor fica rente ao chão
a dispersar-se como gotículas escassas de chuva
e ainda a percorrer o fulgor do jovem
desconhecido de si e do além e do outro.
Num mundo que é o único gueto que encontrou
o jovem esconde o seu coração absorto.
Abandona-se ao abandono seguindo
um destino certo a rir-se desengonçado
a dar cambalhotas e sem trilhar um caminho novo
e capaz de sacudir
aqueles sapatos decrépitos de sentido e ululantes 
junto da sua alma atónita e precária.
A dor subjaz. Algures transformada torna-se uma ausência
uma fuga quieta a augurar o nada, o deserto informe
em que se atola cada dia cada hora cada instante.
O seu querer apaga-se sem uma vontade vencedora.
Com os sapatos desmoronados, o jovem 
não tem mais do que a certeza de que
estão sujos de nada.
E esse nada que é a palavra que conhece 
cresce no jovem perdido de tudo e sufoca-o como
pedestal de uma medalha honorífica aprisionada. 
A liberdade não passa por aí, mas sente-se livre até ao cansaço.
Com os sapatos rotos a esfarelar 
qualquer desejo de ser outro
de ser uma personagem nova é delírio.
Os sapatos rotos tornam-se a ínsua a que se agarra
e que se dilui numa vida sem nada
e que tudo cobre de sentido.
Tateia a felicidade e começa a liturgia
de uma eterna e doce e bela idade.   

3/6/2023

Teresa Ferrer Passos