sábado, 8 de novembro de 2014

Do Deus de Einstein ao Deus dos cristãos




ao meu Pai, que hoje faria 91 anos, e que me falava muito de Deus,
mas também me falava de Einstein, de Newton e de Arquimedes

Durante dezenas de anos, incluindo um longo período de agnosticismo, sempre achei absurda a forma como Einstein falava de Deus, parecendo identificá-lo com a harmonia das leis do universo, ou com qualquer coisa de ainda mais vago e abstracto. Foi o livro Einstein and Religion, de Max Jammer, que me fez perceber melhor a sua atitude face à religião. (Obrigado ao Paulo Martel pelo oportuno presente!)

Se tentarmos isolar a essência do sentimento religioso, talvez encontremos isto: a consciência de que são os nossos medozinhos ridículos e os nossos desejozinhos ridículos que nos tornam infelizes, e de que eles não são nada ao pé de uma certa realidade gigantesca, esmagadora, abrasadora, cuja existência pressentimos, mesmo que às vezes não a consigamos definir, identificar, localizar. Era neste sentido que Einstein era religioso. 

Einstein não era religioso no sentido de acreditar em certos factos espácio-temporais como, por exemplo, “Deus entregou as tábuas da lei a Moisés no Monte Sinai” ou “Jesus ressuscitou ao terceiro dia”. Ser religioso, no sentido lato da palavra, é muito mais e muito menos do que isso. Há pessoas que acreditam nesses factos e que levam vidas tão miseráveis como qualquer materialista. Essas pessoas serão mais ou menos cristãs do que Einstein o foi? A que distância se encontrava Einstein de ser cristão?

Deixemos que seja Deus a julgar e abstenhamo-nos de tentar responder. Mas não nos abstenhamos de perguntar: “em que é que a Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo muda a minha vida?” Ser religioso é ver a realidade de uma forma diferente, mas não é só isso ─ é deixar também que essa forma de ver a realidade transforme a nossa forma de a viver. O que também pode ser dito de outro modo: se a nossa forma de ver a realidade não traz automaticamente novidade à nossa vida, então é porque não estamos a ver a realidade de uma maneira realmente diferente, apenas julgamos que o fazemos.

Deus entregou as tábuas da lei a Moisés no Monte Sinai! Jesus ressuscitou ao terceiro dia! Estes factos não são só importantes; estes factos são decisivos. Mas não serão decisivos, nem sequer importantes, se eu ficar pela sua casca espácio-temporal e me esquecer do que eles procuram revelar acerca daquela realidade assombrosa da qual por vezes se tornam uma manifestação quase insignificante (dependendo do modo como são olhados e vividos), sobretudo se já passaram 2000 ou 3000 anos sobre a sua ocorrência e, pior, se as escassas dezenas de anos da minha própria vida, em vez de dedicadas a desenterrá-los das profundidades da História, ainda os vieram cobrir com as teias de aranha da rotina, com a qual o meu egoísmo tão sensatamente (do seu ponto de vista) me protege de desafios e sobressaltos.

Sobressaltos? Sim: a vida, a morte e a Ressurreição de Jesus Cristo devem ter sido para os seus contemporâneos como a explosão de uma supernova. E se, ao fim de vinte séculos, só restam dessa explosão as brasas quase extintas do rescaldo de um incêndio, há mesmo assim a possibilidade, soprando as brasas, de atear chamas que ameacem devorar todo o conforto em que a minha autocomplacência deixou que eu me instalasse.

8/11/2014
                                                        Fernando Henrique de Passos


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