terça-feira, 16 de setembro de 2025

DA «ODE MARÍTIMA» DE FERNANDO PESSOA

 Aqui, um excerto deste longo poema inigualável: 


(...) Gostaria de ter outra vez ao pé da minha vista só veleiros e barcos
                                                                                        [de madeira,
De não saber doutra vida marítima que a antiga vida dos mares!
Porque os mares antigos são a Distância Absoluta,
O Puro Longe, liberto do pêso do Actual...
E ah, como aqui tudo me lembra essa vida melhor,
Esses mares, maiores, porque se navegava mais devagar.
Esses mares, misteriosos, porque se sabia menos dêles.

Todo o vapor ao longe é um barco de vela perto.
Todo o navio distante visto agora é um navio no passado visto
                                                                                     [próximo.
Todos os marinheiros invisíveis a bordo dos navios no horizonte
São os marinheiros visíveis do tempo dos velhos navios,
Da época lenta e veleira das navegações perigosas,
Da época de madeira e lona das viagens que duravam meses.

Toma-me pouco a pouco o delírio das coisas marítimas,
Penetram-me fisicamente o cais e a sua atmosfera, 
O marulho do Tejo galga-me por cima dos sentidos,
E começo a sonhar, começo a envolver-me do sonho das águas (...)

In «Obras Completas de Fernando Pessoa», II vol. «Poesias de Álvaro de Campos»,
Edições Ática, Lisboa, 1944, pág.169.


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