LEMBRANÇA NÃO INTEIRA
A Luís Vaz de Camões
Ossos teus, distantes ossos, navegam exauridos
sob os torrões da terra.
Ossos teus, desmembrados, à espera de urna,
de réstia de terra ou só de uma lembrança não inteira.
Ossos teus, a revolver ainda o tempo que viveste
sem rumo certo, em busca apenas de um rochedo,
só recebendo da vida a amargura,
o desprezo e a inveja que defrauda.
Ossos teus, sem a sombra de uma árvore,
descansem, ainda assim, da dura vida, da procela,
dos sonhos vãos de amor esvaziados.
Ossos teus, sem memória alguma,
sem sequer ter a luz de um céu sem estrelas,
a jazer aí, sob as raízes desalmadas
de um apagado jardim dominicano.
Ossos teus, sem carregar sequer a compaixão
do pó ou traduzir o teu silêncio loquaz,
o teu silêncio vivo.
Ossos teus, apagados do mundo num segundo,
com as memórias malfazejas, as desditas imprevistas,
a ingratidão dos homens? Tudo apagado!
E resistes imortal, Luís Vaz, ou só Camões.
10/6/2020
Teresa Ferrer Passos
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