quarta-feira, 10 de junho de 2020

Poema a Luís Vaz de Camões




LEMBRANÇA NÃO INTEIRA

                                              A Luís Vaz de Camões


Ossos teus, distantes ossos, navegam exauridos
sob os torrões da terra.

Ossos teus, desmembrados, à espera de urna, 
de réstia de terra ou só de uma lembrança não inteira.

Ossos teus, a revolver ainda o tempo que viveste
sem rumo certo, em busca apenas de um rochedo,
só recebendo da vida a amargura, 
o desprezo e a inveja que defrauda.

Ossos teus, sem a sombra de uma árvore, 
descansem, ainda assim, da dura vida, da procela,
dos sonhos vãos de amor esvaziados.

Ossos teus, sem memória alguma, 
sem sequer ter a luz de um céu sem estrelas,
a jazer aí, sob as raízes desalmadas 
de um apagado jardim dominicano. 

Ossos teus, sem carregar sequer a compaixão
do pó ou traduzir o teu silêncio loquaz,
o teu silêncio vivo.

Ossos teus, apagados do mundo num segundo,
com as memórias malfazejas, as desditas imprevistas, 
a ingratidão dos homens? Tudo apagado!

E resistes imortal, Luís Vaz, ou só Camões.

10/6/2020
Teresa Ferrer Passos




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