Subi da livraria à biblioteca.
Saí pelo arquivo.
Quando passei pelo cego da rebeca
Dei-lhe um opúsculo e um livro.
Lá muito em baixo
Um crepúsculo e duas madrugadas
Riam de Proust às gargalhadas.
Grandes condores planavam nas alturas.
Tintim buscava nas rochas uma fenda
Onde esconder as suas aventuras:
Tempo perdido:
O último volume já se encontrava à venda.
De lenda em lenda
Contornei os gritos do abismo
Sentei-me à sua borda:
Dum lado ao outro, sobre uma estreita corda,
Ionesco fazia equilibrismo.
A poucos metros
Joyce brincava com clichês
E recitava Homero com sotaque irlandês.
(Comigo ninguém brinca!
Respondia Homero com sotaque de inca.)
Saltei para o vazio.
Acordei numa gruta por trás de uma cascata:
O eco das paredes tinha texturas de arrepio;
Um escriturário registava uma barata.
Um curso de água reconduziu-me à luz do dia.
Sobre uma pira, Samuel esperava um tal Godot
Mesmo sabendo que o pequeno não viria.
Gritei aos céus, gritei à Lua,
Atrás das grades da cela de granito.
Um desassossego de poeta aflito
Quase acordou, ao fim da rua,
O leito onde Ofélia flutua.
Cansado de esperar por um eclipse
Fui pela estrada atrás de um lama.
Um escritor cego tocava violino
No centro da cidade sul-americana.
Subi uma escada em caracol
Mas a escada não era deste livro:
Encontrei-me de novo no arquivo:
Nunca cheguei ao Templo do Sol.
18/10/2012
Fernando Henrique de Passos
Sem comentários:
Enviar um comentário
Deixe aqui o seu comentário