quinta-feira, 24 de abril de 2025

MORREU O PAPA FRANCISCO (1936-2025)

 

AS MÃOS


manhã de domingo de Páscoa.
missa da ressurreição n
a televisão. ausente o Papa
Francisco. a ausência gela os corações.


súbito na janela surge o esfíngico contorno  
da sua face enrugada enterrada no olhar mortiço
desviado quase sem ver a multidão.
a boca apagada sem zunidos.
a cabeça inclinada. o fim do tempo. 
a tonalidade pétrea na pele insuflada
por lágrimas delidas. o vento brando 
sem vir do ocidente luminoso ou do oriente
de intermináveis assombros. eis a perda
de sentido do rosto de Francisco
a receber nas mãos trémulas as folhas
do discurso a entoar com o som
de uma voz imensa e sem se ouvir.
o esforço do coração não chega para tocar
a palavra que persiste no silêncio.
abominável silêncio em que insiste ainda.
e as folhas a apagarem-se na voz sufocada.
o pânico atravessa a vontade firme de servir.
como a morte se esconde altiva
soberba e quase inteira.

restam as mãos. Francisco junta as mãos
num adeus perdido e abundante.
um adeus na distância. um adeus a dizer Jesus.
"tudo está consumado". o impossível ato
abre-se na dor: o nada está na sua frente.

restam as mãos cheias de palavras vibrantes
coloridas de branco. com a plenitude
de um abraço do tamanho do mundo.
as mãos erguem-se num adeus repleto de voz 
perdida de si e ao encontro dos outros.

restam as mãos com a visibilidade
de uma manhã a arder de sol.
e a alma transida de amor cresce
até um céu desenhado pelas pontas
dos dedos a construírem um adeus.

restam as mãos de Francisco.
são elas a voz que
oferece um sacro hino. inesquecível vibração.
de tanta memória.

24/Abril/2025

                         Teresa Ferrer Passos

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