Excerto de um artigo que publiquei no
«Diário de Notícias», em 26/6/1988, sob o ortónimo de Teresa Bernardino:
"Em 1822 rebentou uma revolta contra o domínio português, que D. Pedro conseguiu dominar, e, no mês de Abril, o jornal Revérbero propôs ao Regente que fosse “o fundador do novo Império”. Pouco depois, a Maçonaria com o apoio do Senado e do Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias ofereceu a D. Pedro o título de Protector e Defensor Perpétuo do Brasil, que ele aceitou a 13 de Maio, dia do seu aniversário.
A
agitação nas províncias era incrementada pelo confronto entre os partidários da
autonomia (personificada por D. Pedro) e aqueles que desejavam obedecer às
determinações das Cortes Constituintes da metrópole. O Brasil estava dividido
entre as duas facções, sendo a mais popular contrária à Assembleia Legislativa de
Lisboa, que só humilhava a tão venerada emancipação. Eram recebidas como ordens
afrontosas a continuação de D. Pedro como “Regente até à publicação da Constituição,
mas sujeito ao rei e às Cortes” e a instauração de um processo ao governador de
S. Paulo por ter pedido a permanência do príncipe no Brasil.
As
instruções das Cortes de Lisboa foram interpretadas como uma interferência
abusiva no poder do regente por vários conselheiros, que o consideraram mesmo
“prisioneiro das Cortes”, instituição que mostrava tentar “escravizar o
Brasil”.
Era
o dia 7 de Setembro de 1822 e D. Pedro encontrava-se nas proximidades do
pequeno rio Ipiranga quando alguns emissários lhe deram conhecimento destas
últimas decisões oriundas de Lisboa. Resolvido a não continuar sob a tutela da
revolucionária Assembleia liberal portuguesa, D. Pedro proclamou a ansiada
“Independência ou morte”, que o iria ascender a primeiro Imperador do Brasil.
Aclamado e Coroado Imperador na Capela Imperial do Rio de Janeiro, no dia 12 de
Outubro de 1822 (o príncipe dera o mais lato sentido à decisão tomada a 9 de
Janeiro de 1821, pela qual desobedecia às Cortes, ao ficar em terras do
Brasil).
Em
carta justificativa desse ato, afirmava que se saísse do Brasil, logo este se
tornaria independente, enquanto se ele aí permanecesse, o território não se
separaria de Portugal. A sua convicção maior era a de que a força das armas não
podia impedir a independência, mas sim “o comércio e o brio da reciprocidade”, porque
ambos “são as duas molas reais sobre que deve trabalhar a monarquia
luso-brasílica”.
A
ideia de conservar a ligação entre as duas Cortes é incontestável em numerosas
cartas dirigidas pelo Imperador D. Pedro I a D. João VI, mas as fortes pressões
internas por parte de instâncias políticas e sociais, a prepotência das Cortes
constitucionais, que procuravam retirar ao território a autonomia alcançada ao
longo da permanência de D. João VI na colônia, as honras e os títulos que os
brasileiros lhe outorgaram, com o cognome de Defensor Perpétuo do Brasil, foram
os principais fatores da mudança. Esta está patente nas cartas posteriores ao
mês de Maio de 1821. Era, de fato, inegável o seu exultante entusiasmo ao
escrever que tratava os brasileiros não só como fi lhos “como V. M. me
recomendou, mas também como amigos”.
Noutra
passagem nota a necessidade de não inverter a evolução que os tempos e as
conjunturas provocaram: “Sem igualdade de direito em tudo e por tudo, não há
união”. Nessa disposição de espírito, propunha-se defender os direitos dos
brasileiros, se necessário com o seu sangue “que não corre senão pela honra,
pela Nação e por V. M.”. Para fundamentar a insubmissão perante as Cortes,
escreverá ainda sobre a sua adesão à causa da “colônia”: “Não sou rebelde, como
hão de dizer a Vossa Majestade os inimigos V. M., são as circunstâncias”.
O
grito do Ipiranga culminara um longo processo não iniciado em 1820, como muitos
afirmam, mas remontando à chegada de D. João VI e toda a Corte portuguesa ao
Atlântico Sul. A revolução de Agosto de 1820, se trouxe a vantagem de fazer regressar
o rei à Metrópole, teve na sua essência e como objetivo maior, recuperar os
mercados brasileiros, tão preciosos à burguesia portuguesa
(importação-exportação). Este móbil tornou as Cortes constituintes gravosamente
hostis à comunidade brasileira, que já não podia aceitar a perda da larga
autonomia política ou a fuga dos valores econômicos que estavam a fazer
prosperar aquele extenso e rico domínio português.
A
exigência do regresso do príncipe-regente, escolhido pelo rei de Portugal, numa
difícil conjuntura interna do Brasil, em parte aderente às revoluções
autonomistas e republicanas da América do Sul, foi o detonador de uma situação
insustentável, quer para Portugal, quer para o Brasil.
Sem
poder lutar contra as circunstâncias, como escrevia o Imperador D. Pedro I a
seu pai, conseguiu, no entanto, não provocar o ódio ou até levantamentos de
armas contra a Pátria lusa, que no ano de 1500 começou a desbravar e a
engrandecer a futura grande nação da América Latina. Longos anos de permanência
naquela terra promissora, deram a D. Pedro I a noção exata do seu glorioso
porvir que ele quis ajudar a edificar.»
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