terça-feira, 4 de abril de 2017

PÁSCOA/2017




A INFINITA SOLIDÃO DA CRUZ


A solidão de Deus após se ter tornado
exterior às suas criaturas
durava havia trinta anos
e desde então Ele vivia
tão separado das suas criaturas
quanto elas estão separadas entre si,
totalmente dependente da transposição do espaço
para lhes poder sequer tocar,
e, mesmo assim, tocar-lhes só por fora.

E então, o seu louco amor por todos nós
rebentou em ondas gigantescas.
Olhar, gestos, palavras, pensamentos
brotavam d’Ele num furacão dulcíssimo,
submergiam tudo à sua volta,
abraçavam os seres até à alma,
beijavam a vida até ao coração
e curavam todas as formas de doença
pois todas as formas de doença
provêm de nos termos separado,
de termos passado a viver fora uns dos outros,
de termos passado a viver fora de Deus.

Todavia,
nem todos os homens perceberam,
nem todos se deixaram abraçar.
Nalguns foi mais forte aquele apego
a certos tronos pequeníssimos,
foi mais forte o medo que sentiam
de perder aqueles lugarzinhos
tão perfeitamente demarcados
na absurda vastidão do espaço,
o medo de os verem dissolver-se
numa maré de luz e de ternura.

E esses homens feitos só de medo
prenderam Deus, julgaram-n’O depois,
condenaram-n’O à morte numa cruz
e pregaram-n’O nessa quadrícula de espaço,
no chão da terra do degredo,
tornando-n’O incapaz de se mover
em direção aos seres que tanto amava.

E assim Deus morreu de amor, 
na agonia de se ver tão longe
embora tornado mais próximo que nunca,
igualado a nós na finitude,
igualado a nós na impotência.

… Mas isso foi ontem,
e foi o mistério da Paixão,
a sombra enorme que cobriu o mundo,
transformando o mundo em gruta e útero,
donde, pela força do amor,
nascerá amanhã o Homem Novo,
tornado imortal pelo seu Deus,
pela Sua descida às profundezas,
pela Sua vitória sobre a morte,
pela Sua glória incomparável
como Cristo Jesus Ressuscitado…

Sábado de Aleluia, 2017

                    Fernando Henrique de Passos




DAQUELA NOITE NEGRA É QUE VEIO A VIDA


As nuvens negras entrelaçam a noite
mais escura do que o universo,
mais cruél do que os soldados, na tarde longa.
A noite faz estremecer a cruz, a coroa de espinhos
e os pregos enterrados nas mãos de Jesus.
O olhar vivíssimo, firme e calmo,
revela uma certeza imensa e
também um novo caminho a chegar,
embora devagar.
Há nos seus olhos, sem se fecharem,
uma confiança única.
Uma confiança como ninguém teve, 
nem nunca voltará a ter. 
A mãe, afastada para longe pelos soldados,
olha o filho com a força das lágrimas,
inundada de amor, ela, a dolorosa,
à espera que a vida salte da morte.
Espera a salvação pelo Deus em quem confiara,
no tempo da inesperada Anunciação.

Páscoa, 2017
                                      Teresa Ferrer Passos




creio em ti
e também na água que foi vinho
no pão fermentado do nada
pois tudo é fruto do olhar

e assim
o teu corpo caminhando o mar
como fazem os barcos
em certas calmas noites

os peixes buscando
o descanso nas redes
porque tocados foram
em tuas mãos

como se uma flor
um silêncio
um sinal

          Carlos Lopes Pires




«E Maria continua a falar pelas lágrimas e pela dor (...)
Na verdade, Ela só pode dizer um nome:
Jesus!
Só tem uma certeza a propor:
Jesus!
Só tem um segredo a revelar:
Jesus!
Jesus é a estrada a percorrer e é também o fim a atingir: Jesus é Deus que se fez próximo, mas é também Deus a procurar-nos todos os dias, porque o nosso coração se afastou Dele.
E Maria caminha entre vagas de Ave Maria que se dizem de uma ponta à outra da terra (...), para além das guerras. para além das lágrimas e para além da morte.
Sim, porque a Vida será a última palavra: a Vida eterna partilhada com Deus, oceano inesgotável e incessante da verdadeira alegria, a alegria que todos procuramos»

Angelo Comastri, «L'Ange m'a dit - Autobiographie de Marie», Paris, Éditions Salvator, 2010, pp.137-138 (edição original italiana datada de Milão, 2007).





O GRITO DO TRIUNFO




«Que formosos são, sobre os montes,

os pés do mensageiro que anuncia a paz,
que traz a boa nova, que apregoa a vitória»
Is 52, 7



«Hosana ao Filho de David!

Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor»
Mt 21, 9



Montado num jumentinho, vi-Te.

Entravas em Jerusalém, a tua cidade celeste, aqui na terra.
Vi o teu povo gritar pelo teu nome como Salvador, como o Messias, o Desejado.
Eras realmente Tu, Senhor!
Com os ouvidos a ecoar mil clamores, olhavas as gentes a agitar os ramos da paz e da alegria, e Tu estavas pronto para te entregares por eles.
Com o olhar vago, inteiro e a boa nova a brotar do coração, eras o Filho de Deus em carne e osso, como fora a vontade do Pai.
A cruzares-te com cada um daqueles e já com cada um de nós, seguias devagar para a humilhação da hora transformada em vitória eterna.
Seguias confiante e sem deixares de vislumbrar já, a cruz, à espera do Teu suplício. Pronto para as dores da carne e para os insultos ao espírito.
Seguias para que Te víssemos sem olhar para trás, ontem e hoje e amanhã.
Tu, que eras o Rei dos judeus e o Rei do universo!
Tu, o Filho de David, a entrar em Jerusalém como um vencedor!
Tu, que morrerias como um mortal e eras eterno!
Tu, que eras o nosso Redentor!
Tu, que nos perdoavas sem mais lembrança!
Tu sabias que aquele mesmo povo, te condenaria à morte, sem remorsos!
Tu, o Santo de Deus, inocente e manso, num jumentinho emprestado, no mundo que era todo Teu!


Páscoa/2017

Teresa Ferrer Passos




ENTRE SEXTA E DOMINGO

Conheço bem demais a sexta-feira,
O fim da luz às três da tarde,
A sombra adunca da figueira
À espera do cobarde.

Conheço o cheiro do vinho derramado,
Misturado com fel e com suor,
E o horror do pão que foi pisado,
E o forno vazio e sem calor.

Conheço bem a hora em que as promessas
São um corpo descendo à sepultura,
A hora absurda em que regressas
Da vida que não foi senão futura.

Conheço bem demais a sexta-feira,
Mas tanto a conheço que adivinho
Que traz em si a Vida e a Videira
Que voltará a dar-nos do Seu vinho.

12/4/2014
          Fernando Henrique de Passos




A FESTA DA PRIMAVERA

(Que as Tábuas da Lei, agora,
são a Vida eterna em Cristo Jesus...)

Almo Sol e verde gomo
Nesta calma, no jardim;
Deus Apolo que, no pomo,
É flor d' Alma e carmesim.

Santo é o Céu, santo é o cimo.
Musa amena, vive e espera
Por Museu, esse divino,
Pela eterna Primavera.

Que essas aves, tão canoras,
Vão prà festa das olaias...
Vão - tu sabes? - pràs amoras,
Dança lesta, Amor em Maias.

Ah, que toda esta manhã
Eu vi santa a tua luz!!!
Nesta poda vi deus Pã
Hierofanta, com Jesus.

Mas quando o meu Sol se perde
Na vindima em que me afoite,
Vivo olhando o verde, verde,
Morro em lima, e vem a Noite.

Tomar, Cidade Templária, 25/ 03/ 1995

AD MAJOREM DEI GLORIAM
          Paulo Jorge Brito e Abreu



BOM DOMINGO DE PÁSCOA A TODOS OS AMIGOS!


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