quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Um poema



CRÓNICA DOS CONFINS DA CIDADE

Um muro no centro da manhã de névoa
Um graffiti grotesco espantado ante o espanto dos transeuntes
Nos subúrbios do subúrbio
Onde a cidade e o bosque se entrelaçam
Dando origem a criaturas verdes de olhos desbotados
Mastigando líquenes
Mastigando caliça das paredes

Desceu agora de elevador um fauno triste
De musgo na lapela
Desfolhando notícias amarelentas
Com a gravata a cair verticalmente
Por falta de uma brisa
O fumo acre do cachimbo
Fazendo verter gotas de orvalho dos seus olhos

Há um poço onde uma fada se olha ao espelho
Enquanto esmaga distraída a ponta do cigarro
Que distraidamente acaba de fumar
Suspirando como quem espera alguma coisa
De que entretanto se esqueceu

Um ser pequeno atarracado
Debruça-se sobre um maço de papéis
Empunhando uma minúscula caneta
Com a qual escreve versos desvairados
Sobre cidades nunca imaginadas
Onde não há árvores nem verdura

Um caminho de lajes conduz ao underground
Em cujos túneis húmidos sombrios
Circulam vagões cheios de esmeraldas
Das quais algumas resvalam às vezes para os trilhos
Produzindo mil estilhaços de esperança
Sobre os quais se precipitam melancólicas hordas de duendes

Lá fora à superfície
No centro de tudo ainda o muro
E os fantasmas vegetais
Deambulando entre os dois lados
E o monstro entre as letras absurdas
Entre as cores cansadas e os rostos
Translucidamente passageiros dos transeuntes
De espanto hipnótico estampado
No olhar perdido entre carreiros

Confins do haver-rumo
Placas e letreiros caídos pelo chão
Servindo de pasto aos cogumelos
E à alegria sonolenta
De não se saber se se é um sonho
Ou algum poema de um anão
Esquecido do projecto de escrever
Sobre um mundo diferente do seu mundo
  
3/11/2012
  
                        Fernando Henrique de Passos








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