«Num tempo de crenças cegas e de
obediência estrita à letra da Lei, num tempo esquecido da magnificência de reis
como Salomão, num tempo de belos cânticos sobre as Lamentações de Jeremias ou os
Salmos de David, tudo o resto parecia inútil, desnecessário.
Em terras de Canaã, cada novo pensamento que eu transmitia nas sinagogas ou nas colinas eivadas de tamareiras ou de ralas pastagens, os desorientava logo que o comparavam com os rolos da Lei lida e interpretada nos lugares de oração pelos doutores do Templo.
(...)
As raras oportunidades de os doentes e os pobres se encontrarem comigo acabavam muitas vezes frustradas. Se me acabavam por ver e mesmo escutar, como era difícil descobrirem os mil e um sentidos das minhas parábolas, a procurarem chegar à sua linguagem de camponeses e de pescadores? Cheias de pequenos episódios, a serem ouvidas com o bulício das gentes que se amontoavam nas ruas, quem estava em condições para as manter na memória por muito tempo, tal como eu as tinha dito?
Se eu sabia que ao longo dos tempos, no
estudo e na reflexão silenciosa, seriam decifradas essas pequenas histórias (acrescentadas,
rasuradas e omitidas muitas das minhas palavras e até numerosos pensamentos
revelados), como me custava ver aquelas simples almas, sem conseguirem
compreender o essencial daquilo que procurava que chegasse mesmo ao fundo dos
seus corações. Nada se podia alterar. Os homens e os tempos não podiam ser
outros. Não podiam ser melhores do que os escolhidos por meu Pai. Se os escritos
dos profetas tinham lapsos, deformações, erros, exageros e omissões que
enganavam muitos tratados de sabedoria, era preciso elucidar o pouco que ficara
de proveitoso das suas narrativas.
Na verdade, eu passava entre aquelas gentes para lhes transmitir a verdade.
Sem pompa nem circunstância. Eu viera para esclarecer, para indicar os caminhos
da verdade única.»
Teresa Ferrer Passos, «Jesus até ao Fundo do Coração», Hora de Ler, Leiria, 2021, pág.s 178-179.