terça-feira, 28 de novembro de 2023

OS INOCENTES

À memória dos milhares de crianças recentemente mortas
pelo exército de Israel na Faixa de Gaza 


Vejo pela janela indiscreta do escritório,
as folhas secas dos plátanos
a tremer ainda na árvore. Estão demasiado
assustadas com o vento que as faz esvoaçar para a distância.
Vejo a sua amargura, vejo a sua incredulidade.
E lembro-me das crianças inquietas,
das crianças a perderem-se do pão e do abrigo certo da casa,
das crianças nascidas para a vida na Faixa de Gaza.
Como as folhas secas não entendem o vento
que as dispersa e esfacela,
as crianças não sabem que deixaram
de poder rir e de ser amadas.
A morte espreitou-as e ali ficou no seu corpo pequenino,
nas suas faces empalidecidas por uma morte
que as envolveu sem pedir perdão.
As folhas secas são velhas. Mas as crianças não.
São rebentos prontos a florir
que deixaram de crescer com o dourado do sol,
que perderam os braços das mães e o olhar dos pais.
Enregelando nos escombros empilhados,
entre entulhos de betão e
caldeiras fumegantes acesas pelo ódio.
Dormem agora, as crianças, como folhas secas.
Nada as alimenta e uma solidão
exasperante deixa-as nas trevas.
O nada habita-as e as crianças não o conhecem. 
Como as folhas secas as crianças tombaram
sob os golpes impiedosos de uma estranha vontade.
Humana, diz-se. Ou não será antes
de uma vontade, apenas e só, desumana?

28/11/2023

                                         Teresa Ferrer Passos

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