quinta-feira, 30 de novembro de 2023



MEMÓRIA do 1º DE  DEZEMBRO DE 1640


«A legitimidade plena de exercer a soberania real cabia, enfim, a D. João IV. E, todos, com unânime parecer, assentaram que o espanhol "não guardava ao reino seus foros, liberdades e privilégios. Não acudia à defensão e recuperação de suas conquistas que eram tomadas pelos inimigos de Castela. Vexava os povos com tributos insuportáveis, sem serem impostos em Cortes. Gastava as rendas comuns do reino. Vendia por dinheiro os ofícios de justiça e fazenda.(...)"»

Teresa Ferrer Passos, «A Restauração de 1640 e D. Antão de Almada», Universitária Editora, Lisboa, 1999, p.28.

Teresa Ferrer Passos na sua casa,
 em 1999









terça-feira, 28 de novembro de 2023

OS INOCENTES

À memória dos milhares de crianças recentemente mortas
pelo exército de Israel na Faixa de Gaza 


Vejo pela janela indiscreta do escritório,
as folhas secas dos plátanos
a tremer ainda na árvore. Estão demasiado
assustadas com o vento que as faz esvoaçar para a distância.
Vejo a sua amargura, vejo a sua incredulidade.
E lembro-me das crianças inquietas,
das crianças a perderem-se do pão e do abrigo certo da casa,
das crianças nascidas para a vida na Faixa de Gaza.
Como as folhas secas não entendem o vento
que as dispersa e esfacela,
as crianças não sabem que deixaram
de poder rir e de ser amadas.
A morte espreitou-as e ali ficou no seu corpo pequenino,
nas suas faces empalidecidas por uma morte
que as envolveu sem pedir perdão.
As folhas secas são velhas. Mas as crianças não.
São rebentos prontos a florir
que deixaram de crescer com o dourado do sol,
que perderam os braços das mães e o olhar dos pais.
Enregelando nos escombros empilhados,
entre entulhos de betão e
caldeiras fumegantes acesas pelo ódio.
Dormem agora, as crianças, como folhas secas.
Nada as alimenta e uma solidão
exasperante deixa-as nas trevas.
O nada habita-as e as crianças não o conhecem. 
Como as folhas secas as crianças tombaram
sob os golpes impiedosos de uma estranha vontade.
Humana, diz-se. Ou não será antes
de uma vontade, apenas e só, desumana?

28/11/2023

                                         Teresa Ferrer Passos

domingo, 19 de novembro de 2023

DIA MUNDIAL DA POBREZA



O POBRE


Ignorado, espezinhado.
Sem voz nem alma, vegeta nas ruas como erva ruim.
Incomoda quem o vê recôndito como um impossível.
Passa com uma contida existência,
arrastando-se como se não fosse alguém.
Na era da abundância, abundância guardada
ciosamente só para alguns aventurados
avaros demais, sem margem de consciência
e sem um olhar largo capaz de chegar ao outro.
Miserável, passa escasso. Não pede. Não sabe pedir.
E vive? Vive das sobras vazadas na tigela quase vazia.
É indigente, dizem.
E a sua voz nada entoa. Sente por dentro somente.
A cada hora. Ninguém escuta o fracasso.
Ele é apenas um silêncio vago a vogar na indiferença, 
um silêncio de infinito e de opaco nevoeiro.

Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

CAMINHAR AINDA

Flor de um cato do deserto


A vida é uma aventura difícil de trilhar. Cada trilho é uma novidade. E quem não se sente insatisfeito com os escolhos do percurso, com o inesperado, se todas as estradas por onde se segue são sempre estradas por onde nunca caminhámos? Resta-nos caminhar enquanto o podemos fazer. Caminhar ainda, é já uma vitória.

15/11/2023
                                                                                        Teresa Ferrer Passos

sábado, 11 de novembro de 2023

A beleza do amor, mesmo na brevidade.                      

*

A mãe, a raiz de que não podemos abdicar, porque foi dela que irrompemos um dia.

T.F.P.
*

«A arte como salvação e cura para o nosso projeto de humanidade. Alguém disse que a arte existe porque a vida não basta. E não basta! Somos demasiadamente vastos. Complexos.» diz-nos Joana Cavalcanti. E é essa complexidade, na verdade, que projeta a nossa humanidade para uma singularidade única, pensamos nós.
                                                                                               T.F.P.


domingo, 5 de novembro de 2023

UM POEMA

Buçaco, Agosto de 2000



TU E EU

No 30º aniversário do nosso noivado

Esperamos calmamente o fim do mundo.
Não somos notícia, podemos esperar.

Só as notícias precisam de estar sempre a acontecer:
Tempestades, secas, desastres financeiros.

Esperamos calmamente o fim do mundo.
Não somos notícia e não temos pressa.
 
As notícias lutam entre si para acontecer primeiro:
Guerras, epidemias, terramotos.

Preparamos calmamente o fim do mundo,
Que deixará de existir quando parar o tempo.

As notícias atropelam-se nos écrans de televisão:
Erupções vulcânicas, descarrilamentos de comboios.

Chamamos calmamente o fim do mundo,
Murmurando doçuras um ao outro.
 
As notícias gritam! As notícias choram!
As notícias gemem! As notícias uivam!

E nós, abraçados, suspiramos:
Meu amor… meu amor… meu terno e doce amor…

5/11/2023
                          Fernando Henrique de Passos 

UM POEMA

 


Aguarela

CONSTÂNCIA

                                       No 30º aniversário do nosso noivado                      

 

«Nem as águas caudalosas conseguirão apagar o fogo do amor,
nem as torrentes o podem submergir.»
Cântico dos Cânticos, 8, 7

   

As folhas tocam-se nos plátanos encandeados de vento.
São ténues as suas feridas curadas
num verão doce, sob um sol abrasado na larga viagem.
Entre os nossos os dias amadurecidos na esperança,
um novo rebento devia florescer nas linhas nevoentas
que escrevemos no vagar das sombras
que nos abraçam caprichosas.
Num instante, parecem abrir-se as portas sem trinco
e gritamos a calma e o calor como se fosse anjos protetores.
Agora é já novembro, tudo tão perto, tudo tão perto.
E adormecemos na fé precária de um caminho,
dando as mãos enrugadas pelo tempo, as trevas, a dor.
Continuamos. Continuamos peregrinos,  de mãos dadas,
à espera de uma via mais sólida que rompa os muros
 erguidos por cada folha ainda a esvoaçar
ao som brutal do vento.   

5/11/2023

                                                   Teresa Ferrer Passos



sexta-feira, 3 de novembro de 2023

DIA DE FINADOS


TEMPO ESCASSO


«Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura»
S. Paulo, Carta aos Hebreus, 13,14

A despedida sem fim daqueles que amámos
repousa na nossa memória curta
no nosso tempo escasso
na nossa vida breve.
Breve como um voo de pomba
quebrado pela tempestade
que lhe derruba as asas
lhe devasta o rumo e a faz cair.
Aqui encontra a morte. Tão certa e tão estranha.
2 de Novembro de 2023
Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

DIA DE TODOS OS SANTOS



«(...) A humildade. Neste dia dedicado aos nossos irmãos e irmãs que nos veem do Alto, invocamos o dom indispensável da humildade. Apesar de não possuirmos nada tornar-nos-emos donos de tudo. O pensamento que Deus nos ama, hoje, enlouquece-nos. A certeza de que, como nós, ama a criação e cada criatura, impele-nos a amá-las e a servi-las. Sem esperarmos recompensa alguma. Tão grande é, com efeito o dom recebido, que a eternidade não chegará para o compreender e saborear plenamente.»

Maurizio Patriciello «Todos os Santos, festa da humildade» in Avvenire, 1/Novembro/2023 (Pastoral da Cultura)