sexta-feira, 28 de julho de 2023

JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE/2023, LISBOA


A VERDADE

                                               "Mas a Mim, que vos digo a  verdade,
                                                por que motivo Me não acreditais?"
                                                                                                    (Jo 8, 45)
                                                                        
                                                                            
Não há verdade, não, sou do reino do húmus,
das folhas secas, do lodo e das turfas que não morrem.
Sou do reino do breve tempo. Aqui, as horas fogem
na ardência do sol com que trilho o húmus carcomido.
Eu não vivo no mundo da verdade. Sou todo
fantasia que pousa nas auroras nascentes 
como melódico violino carregado de riquezas.

Eu grito por louvores solenes e vãos, tenho palavras
cheias de furacões que pontificam.
Eu faço vicejar a mentira e tantos acreditam.
Seguem-me como bestas domesticadas
pelo medo e pela fortuna brilhante como o sol. 

E penso. A verdade não respira, toda a verdade vacila,
só a mentira ilumina sem ténues brados,
sem falhas ou pudores murchos,
ela é o néctar que me inebria. Sou a mentira finita,
sou a mentira inteira, sem perda alguma
e toda sem memória de promessa. Eu sou o mundo.

Sou a mentira, isso sou! Sou simulacro, sou gigante,
sou caruncho a devorar a madeira!
Gosto de sepulcros velhos, de portas fechadas,
de líquenes a lacrimejar nas paredes.
Eu reino aqui entre o húmus. Sou a felicidade a reinar!

Súbito, vejo alguém que desconheço.
Carrega a verdade nos ombros.
Logo pergunto, abismado: "Que vens fazer aqui?!"
"Trago comigo a verdade".
A verdade a chegar?! Que lenta, que dentro de si,
sem uma luz que a ilumine, que diferente
de mim, tenaz e fosforescente, 
de mim, o famoso Lúcifer!
E não resisto a dizer-lhe.
"Que figura caricata vejo a chegar ao meu reino,
tu nada possuis, não és real, como falas de verdade
se ela, aqui, até nem pode existir?!" 
Sem dizer uma palavra, a verdade
passava, continuando o caminho.

E que verdade seria, com suas asas quebradas,
sem palavras de diamantes vestidas
e com passos tão pequeninos?

 

Lisboa, 27 de Julho de 2023

                                    Teresa Ferrer Passos

quinta-feira, 20 de julho de 2023

MEMÓRIA

 

Escultura "Mar sem fim" (1981) de João Fragoso
no jardim da Fundação Gulbenkian

              No  30º aniversário do dia em que nos conhecemos na Fundação Gulbenkian


PURIFICAÇÃO
 
Trouxeste o Fogo de Deus.
Abri os olhos.
Um clarão alagou a minha alma
como um dilúvio sem Arca de Noé.
Dentro de mim
só Cristo resta em pé.
 
Trouxeste o Fogo de Deus.
Lancei-me nele.
Cerrei os dentes
e nadei contigo até ao fundo.
Aqui construiremos
um mundo menos mundo.
 
Trouxeste o Fogo de Deus.
Queimou o mal.
Das suas cinzas se erguerá
um novo Paraíso, mas sem Queda.
Depois descansaremos embalados
Pelo crepitar da Grande Labareda…
 
20/7/2023
                              Fernando Henrique de Passos



CÁLICE FLORESCENTE


A perder o sentido, a vida
a esvaziar-se. Uma labareda insuspeita
inunda-me. Há um silêncio loquaz. Inscrevem-se
sentidos de nova liturgia, sem
pontos cardeais, sem bússola ou quadrante.

As trevas tão pesadas, sem estrelas a cintilar.
Vejo o espaço vértice para uma luz brilhar.

E eis o sacro cálice do casto tempo
a erguer-se lentamente num amor inconsútil,
pronto a vencer imagens de revoltos temporais.

20/7/2023

                                       Teresa Ferrer Passos

 

terça-feira, 11 de julho de 2023

MEMÓRIA

 

Pequeno cato
"Echinopsis subdenudata"
na nossa varanda


SER MÃE
                              

                           No 33º aniversário da morte de minha mãe 


Escondida, a raiz nas trevas densas procria.
Move-se. Nasce uma flor.
Tem pouca terra, esfarelada, pobre.
"Sou mãe". Diz no perfume subtil das níveas pétalas.
E uma fragrância toda cobre os estames delicados
mesmo sem saber a origem da arte criada. 
"Sou mãe". Sente dentro de um pó opaco que é nada.
Cheia de sombra fica.
Não precisa de uma só palavra.
O destino nasce assim. Um tempo breve.
A vida é um quase nada.
De nenhum louvor precisa. Tudo à volta lhe é estranho.
Não augura vitórias, não as deseja também.
Não tem planos nem projetos no tempo.
Oh, o que é isso, o tempo?!
Existe só por si. Existir é a riqueza.
Apesar da brevidade, que instante sublime!
Um simples instante chegou para dizer,
"Sou mãe".

11 de Julho de 2023

                                           Teresa Ferrer Passos

segunda-feira, 3 de julho de 2023


Sicómoro de flor amarela


UM POEMA DE ABRAAM SUTZKEVER ((1913-2010), nascido em Smorgon na atual Bielorrússia. Foi considerado o maior poeta do Holocausto:


ENQUANTO ESCREVIA COM OS OLHOS FECHADOS (1)

Enquanto escrevia com os olhos fechados
senti um fogo na minha mão;
e quando acordei, brotava como uma flor,
das negras chamas do papel,
o perfume de um nome: DEUS.
Porém, maravilhada e medrosa,
a minha caneta apagou este nome
e escreveu em seu lugar
um mais familiar: HOMEM.

Desde então, como pássaro invisível,
persegue-me uma voz
que dá bicadas nas raízes da minha alma:
Por quem me substituíste?


(1)Tradução para português por Teresa Ferrer Passos a partir da versão espanhola do poeta judeo-argentino Eliahu Toker. Fonte: http://www.raoulwallenberg.net


domingo, 2 de julho de 2023

 ORAÇÃO

Senhor, nada tenho para Te dar que não seja Teu, exceto o meu silêncio. Recebe-o pois se assim Te aprouver.

Facebook, 29/6/2023
Fernando Henrique de Passos


O nosso silêncio é a única palavra que nos pertence, na verdade.

Facebook, 1/7/2023
                                                 Teresa Ferrer Passos