RETRATO AMORFO
Um pântano alaga os nossos dias à espera de um rio de águas
límpidas, transparentes, como os nossos corações expectantes,
ansiosos, destroçados talvez.Aqui, entre gritos de crianças e aranzéis de adolescentes irados
sem motivo, a nossa esperança vive
entregue ao ruído das notícias inconsequentes,
abismadas de razão, perdidas da justiça.
Há comentadores sem juízo, repórteres extraviados
da verdade, populistas ávidos de poder gesticulando incoerência,
ignorando a ética de ter consciência, ainda.
Imersos em refregas assentes no ódio,
recusam a harmonia das partes, como se fosse um delito,
antes fazem coros nos protestos, depois desencontram-se
como se quisessem a santa paz.
A voracidade dos canibais ergue-se, então.
Parecem abutres esfaimados a atingir o auge do desespero
e perdidos de si próprios.
Usam as largas asas como se fossem espadas de guerreiros medievais,
enlaçando os grasnidos dos acusadores na rua, como se as tivessem à mão.
E, rapidíssimos, incensam os altares do seu fictício poder.
Exibem os tentáculos de ágeis polvos,
acreditam derrotar o adversário fragilizado.
De braços despidos, cansados de se abrirem sobre rochedos inventados,
esbracejam, revoltados, proferem insultos,
e sobem, sem vigor, amortecidos, aos palácios onde regurgitam
e esperam reconquistar a imagem do maquiavélico Príncipe.
5/5/2023
Teresa Ferrer Passos
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