sexta-feira, 5 de maio de 2023

UM POEMA

RETRATO AMORFO  


Um pântano alaga os nossos dias à espera de um rio de águas

límpidas, transparentes, como os nossos corações expectantes,

ansiosos, destroçados talvez.

Aqui, entre gritos de crianças e aranzéis de adolescentes irados

sem motivo, a nossa esperança vive

entregue ao ruído das notícias inconsequentes,

abismadas de razão, perdidas da justiça.

Há comentadores sem juízo, repórteres extraviados

da verdade, populistas ávidos de poder gesticulando incoerência,

ignorando a ética de ter consciência, ainda.

Imersos em refregas assentes no ódio,

recusam a harmonia das partes, como se fosse um delito,

antes fazem coros nos protestos, depois desencontram-se

como se quisessem a santa paz.

A voracidade dos canibais ergue-se, então.

Parecem abutres esfaimados a atingir o auge do desespero

e perdidos de si próprios.

Usam as largas asas como se fossem espadas de guerreiros medievais,

enlaçando os grasnidos dos acusadores na rua, como se as tivessem à mão.

E, rapidíssimos, incensam os altares do seu fictício poder.

Exibem os tentáculos de ágeis polvos,

acreditam derrotar o adversário fragilizado.

De braços despidos, cansados de se abrirem sobre rochedos inventados,

esbracejam, revoltados, proferem insultos,

e sobem, sem vigor, amortecidos, aos palácios onde regurgitam

e esperam reconquistar a imagem do maquiavélico Príncipe.

5/5/2023

Teresa Ferrer Passos

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