domingo, 17 de abril de 2022

VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA ("site" do Vaticano)

 

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO 

(na íntegra)

Basílica de São Pedro
Sábado Santo, 16 de abril de 2022


Muitos escritores evocavam assim a beleza das noites iluminadas pelas estrelas. Ao contrário, as noites de guerra são atravessadas por rastos luminosos de morte. Nesta noite, irmãos e irmãs, deixemo-nos guiar pelas mulheres do Evangelho, para descobrir com elas a aurora da luz de Deus que brilha nas trevas do mundo. Quando já a noite ia clareando e irrompiam, silenciosas, as primeiras luzes da aurora, aquelas mulheres foram ao sepulcro para ungir o corpo de Jesus. E lá vivem uma experiência que as turvou: primeiro, descobrem que o sepulcro está vazio; depois, veem duas figuras em trajes resplandecentes que lhes dizem que Jesus ressuscitou; imediatamente, correm a anunciá-lo aos outros discípulos (cf. Lc 24, 1-10). Veem, escutam, anunciam: com estas três ações, entremos também nós na Páscoa do Senhor.

As mulheres veem. O primeiro anúncio da Ressurreição é feito, não sob uma fórmula a decifrar, mas sob um sinal que se deve contemplar. Num cemitério, junto dum túmulo, onde tudo deveria estar em ordem e sossego, as mulheres «encontraram removida a pedra da porta do sepulcro e, entrando, não acharam o corpo do Senhor Jesus» (24, 2-3). Por outras palavras, a Páscoa começa invertendo os nossos esquemas. Chega com o dom duma esperança surpreendente. Mas não é fácil acolhê-la. Às vezes (temos de o admitir!) esta esperança não encontra espaço no nosso coração. Em nós, como nas mulheres do Evangelho, prevalecem interrogações e dúvidas, e a primeira reação face ao sinal imprevisto é o medo, é voltar «o rosto para o chão» (cf. 24, 4-5).

Com muita frequência, contemplamos a vida e a realidade com os olhos voltados para baixo; fixamo-nos apenas no dia de hoje que passa, desiludidos quanto ao futuro, fechamo-nos nas nossas necessidades, acomodamo-nos na reclusão da apatia, enquanto continuamos a lamentar-nos e a pensar que as coisas nunca vão mudar. E assim permanecemos imóveis diante do túmulo da resignação e do fatalismo, e sepultamos a alegria de viver. Mas, nesta noite, o Senhor quer dar-nos olhos diferentes, iluminados pela esperança de que o medo, o sofrimento e a morte não terão a última palavra sobre nós. Graças à Páscoa de Jesus, podemos dar o salto do nada para a vida, «e a morte não poderá mais defraudar-nos da nossa existência» (K. Rahner, O que significa a Páscoa, Brescia 2021, 28): esta foi abraçada, inteiramente e para sempre, pelo amor sem limites de Deus. É verdade; pode-nos amedrontar e paralisar. Mas o Senhor ressuscitou! Levantemos o olhar, retiremos dos nossos olhos o véu da amargura e da tristeza, abramo-nos à esperança de Deus!

Em segundo lugar, as mulheres escutam. Depois de terem visto o sepulcro vazio, dois homens em trajes resplandecentes disseram-lhes: «Porque buscais o Vivente entre os mortos? Não está aqui; ressuscitou!» (24, 5-6). Faz-nos bem ouvir e repetir estas palavras: não está aqui! Sempre que pretendemos ter entendido tudo acerca de Deus, podê-Lo arrumar nos nossos esquemas, repitamos a nós mesmos: não está aqui! Sempre que O procuramos apenas nas emoções, muitas vezes passageiras, ou nos momentos de necessidade, para depois O deixarmos de lado esquecendo-nos d’Ele nas situações quotidianas e nas opções concretas de cada dia, repitamos: não está aqui! E quando pensamos em confiná-Lo nas nossas palavras, nas nossas fórmulas e nas nossas tradições, mas esquecendo-nos de O procurar nos cantos mais escuros da vida onde há alguém que chora, que luta, sofre e espera, repitamos: não está aqui!

Ouçamos, também nós, a pergunta dirigida às mulheres: «Porque buscais o Vivente entre os mortos?» Não podemos fazer Páscoa, se continuamos a morar na morte; se permanecemos prisioneiros do passado; se na vida não temos a coragem de nos deixar perdoar por Deus - que perdoa tudo -, a coragem de mudar, de romper com as obras do mal, a coragem de nos decidirmos por Jesus e pelo seu amor; se continuamos a reduzir a fé a um amuleto, fazendo de Deus uma bela recordação de tempos passados, em vez de ir hoje ao seu encontro como o Deus vivo que deseja transformar-nos a nós e ao mundo. Um cristianismo que busca o Senhor entre as ruínas do passado e O encerra no túmulo da rotina é um cristianismo sem Páscoa. Mas o Senhor ressuscitou! Não nos demoremos ao redor dos túmulos, mas vamos redescobri-Lo a Ele, o Vivente! E não tenhamos medo de O procurar também no rosto dos irmãos, na história de quem espera e de quem sonha, na dor de quem chora e sofre: Deus está lá!

Por fim as mulheres anunciam. Que anunciam elas? A alegria da Ressurreição. A Páscoa não acontece para consolar intimamente quem chora a morte de Jesus, mas para abrir de par em par os corações ao anúncio extraordinário da vitória de Deus sobre o mal e a morte. Por isso, a luz da Ressurreição não quer delongar as mulheres no êxtase dum gozo pessoal, não tolera comportamentos sedentários, mas gera discípulos missionários que «voltam do sepulcro» (24, 9) e levam a todos o Evangelho do Ressuscitado. Por isso mesmo, depois de ter visto e escutado, as mulheres correm a anunciar aos discípulos a alegria da Ressurreição. Sabem que poderiam ser tomadas por loucas – aliás o Evangelho diz que «as suas palavras pareceram-lhes um desvario» (24, 9) –, mas não estão preocupadas com a sua reputação, a defesa da sua imagem; não reprimem os sentimentos, nem medem as palavras. Apenas tinham o coração ardente para transmitir a notícia, o anúncio: “O Senhor ressuscitou!”

E como é bela uma Igreja que corre, assim, pelas estradas do mundo! Sem medo, sem táticas nem oportunismos; só com o desejo de levar a todos a alegria do Evangelho. A isto, somos chamados: a fazer experiência do Ressuscitado e partilhá-la com os outros; a rolar aquela pedra do sepulcro, onde muitas vezes fechamos o Senhor, para espalhar a sua alegria pelo mundo. Façamos ressuscitar Jesus, o Vivente, dos túmulos onde O tínhamos encerrado; libertemo-Lo das formalidades onde frequentemente o enclausuramos; despertemos do sono da vida tranquila onde às vezes O reclinamos, para que não perturbe nem incomode mais. Levemo-Lo para a vida de todos os dias: com gestos de paz neste tempo marcado pelos horrores da guerra; com obras de reconciliação nas relações rompidas e de compaixão para com os necessitados; com ações de justiça no meio das desigualdades e de verdade no meio das mentiras. E, sobretudo, com obras de amor e fraternidade.

Irmãos e irmãs, a nossa esperança chama-se Jesus. Ele entrou no túmulo do nosso pecado, chegou ao ponto mais distante onde andávamos perdidos, percorreu os passos emaranhados dos nossos medos, carregou o peso das nossas opressões e, dos abismos mais escuros da nossa morte, despertou-nos para a vida transformando o nosso luto em dança. Façamos Páscoa com Cristo! Ele está vivo e ainda hoje passa, transforma e liberta. Com Ele, o mal já não tem poder, o fracasso não pode impedir-nos de recomeçar, a morte torna-se passagem para o início duma nova vida. Porque com Jesus, o Ressuscitado, nenhuma noite é infinita; e mesmo na escuridão mais densa, nesta escuridão brilha a estrela da manhã.

Nesta escuridão que estais a viver, Senhor Prefeito, Senhoras e Senhores Parlamentares, a escuridão tenebrosa da guerra, da crueldade, todos nós rezamos. Rezamos convosco e por vós, nesta noite. Rezamos por tantos sofrimentos. Nós podemos oferecer-vos somente a nossa companhia, a nossa oração e dizer-vos: “Coragem! Vos acompanhamos!” E também anunciar-vos a grande realidade que é celebrada hoje: Christós Voskrés! (Cristo ressuscitou!)


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