quinta-feira, 3 de junho de 2021

Em memória do dia 1 de Junho de 1890, dia da morte, em S. Miguel de Ceide, do escritor CAMILO CASTELO BRANCO (1825-1890)



Da obra O Segredo de Ana Plácido (romance) de Teresa Ferrer Passos:

«Só o perfume dos ramos de alecrim, do alfazema e do rosmaninho aromatizava o ar que respirava deitado de bruços e com a cabeça embrulhada nas minhas pequenas mãos... notei um aroma a rosa. Quase imperceptível. De súbito. Sem dar por isso senti as mãos de Camilo com uma rosa vermelha a tocar os meus cabelos anelados. Senti a flor como se a estivesse a ver. Não levantei os olhos da almofada. Mas vi o odor e o seu colorido aveludado ou leve como uma gotícula de orvalho.
Camilo permaneceu a meu lado alguns instantes. Ou dias(?). Não sei dizê-lo. Que os distingue? entrou após ele o Manuel. Pegava em estrelas do Egipto e goivos brancos. Também não os olhei. Conheci-os só pela sua proximidade ou porque as flores sempre me falaram sem que alguém as pudesse escutar? Toma! disse Manuel. A imobilidade estava em mim. Como um som que não sai do piano. Nada disse. Camilo chamou-me. Jorge! escuta meu filho... deixa-me beijar-te os olhos... deixa-me tocar as tuas faces imersas no nevoeiro que me rodeia sem cessar. Não respondi. Percebi que Manuel saíra, mas Camilo ficou ainda. Não dei pela sua saída. A rosa ficou porque continuei a respirar o seu odor intenso. As flores são mais belas do que todas as estátuas mesmo as de granito, mesmo as flores que não são perfumadas. O perfume de todas as flores faz-me chorar porque ouço a sua voz inconfundível. Tão diferente da voz humana é a mais humana das vozes. Choram em silêncio. Riem sem esboçar uma simples ruga nas suas pétalas.»

Obra citada, Edições Gazeta de Poesia, 1995, pp. 122-123.

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