segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Poema para um fim de ano



Moinho de papel, Leiria

possivelmente


todos teremos perdido
de vista alguém
neste ano que agora passa

um lugar a menos na mesa
na rua ou no autocarro

uma voz que já só vive
nos retratos

uma ausência
que agora notamos mais
na forma de um desgosto

ou no vazio sentido no peito
porque possivelmente
aí morava

já que todas as presenças
ocupam partes do nosso corpo

e depois são como as maçãs
em falta numa árvore

possivelmente
desejamos que no próximo ano
se mantenha tudo como está

as mesmas árvores
as mesmas aves
e as mesmas mãos que definem
cada um
dos nossos amigos

e possivelmente sabemos
que jamais será assim

                     Carlos Lopes Pires

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Milhares de migrantes procuram refúgio nos EUA,
na sua fronteira com o México

Hoy recordamos el cumpleaños del compañero Jesus, hijo de refugiados y migrantes. Detenido, torturado y asesinado en las pascuas del 33 por propagar la propuesta de un mundo igualitário donde mandara el amor y no el diñero y la rosca política, y por repudiar tanto al imperio como a sus cipayos.
Compañero Jesus presente, ahora y sempre!
Autor desconhecido
                        

Um poema de Carlos Lopes Pires

que andas lá fora
eu sei

e que chove
é noite e te perseguem

a ti
que tratam por estrangeiro
onde quer que vás

e não querem sentar-se
contigo à mesa
ou escutar a palavra
que lhes trazes

e te fazem subir
uma e outra vez naquela tábua
para que sofras por nós
e em nós respires

como um pássaro morto
em silêncio


Do livro a publicar Aquele que não ouvirás mais (2019)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

«Pequeno poema à alma» para Carlos Carranca


Que a alma supere
o que o corpo tem dificuldade em superar.
Que a alma acrescente, o que a vida retira.
Que a alma faça renascer a carne lesionada.
Que a alma transforme a tristeza em alegria
E nos faça sorrir frente ao sofrimento,
Como se este fosse apenas aparência.
Não realidade!
27/12/2018
Teresa Ferrer Passos

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

«Um júbilo tão desmedido»

Presépio da igreja de S. Tomás de Aquino, em Lisboa (25/12/2018)


     «O seu menino exalava no seu falar uma tal ternura que ela tinha a certeza de que tudo quanto dizia era a sorrir… E o perfume que a cobria enquanto escutava a sua vozinha, ela não o saberia identificar com nenhum daqueles que conhecia desde a infância. Nascerá a saber muitas coisas e será perfeito como o Pai nas suas palavras e nos seus actos, exclamava na sua interioridade mais recôndita. Que horas de alegria inimaginável, indescritível! Um júbilo tão desmedido, que Maria não dava a José senão uma diminuta imagem do que passava na sua alma enlevada! Que plenitude de existência nestes tempos anteriores ao nascimento de Jesus.»

Teresa Ferrer Passos, Anunciação (Romance de Maria), Universitária Editora, 2003, p.132.

domingo, 23 de dezembro de 2018

DOSSIER NATAL / 2018





UM ESTÁBULO EM BELÉM

Pormenor do presépio pequenino de nossa casa

Maria, exausta do parto, 
Não ouve o filho que a chama. 
Já dorme, mesmo sem quarto, 
Sem rendas, lençóis, nem cama. 

O seu sono é tão pesado 
Que não ouve a voz aflita 
Do bebé, mesmo ao seu lado, 
Que a afaga com a mãozita. 

"Minha Mãe, não tenhas medo, 
A dor vai valer a pena. 
Só tu sabes o segredo 
Desta noite tão amena." 

"Minha Mãe, agora sofres, 
Mas trouxeste ao mundo um Bem 
Que é um tesouro sem cofres 
Pois cofre algum o contém." 

"Mas, minha Mãe, sou humano, 
Foi preciso que assim fosse. 
Vou precisar por um ano 
Do teu leite quente e doce." 

E os olhos abriu Maria 
E viu tudo envolto em luz 
E sem esperar pelo dia 
Deu de mamar a Jesus. 

23/12/2018 
              Fernando Henrique de Passos

NOTA do autor: O parto de Maria só pode ter sido o parto mais duro e mais humano da história da humanidade, como dura e humana viria a ser a Paixão do seu Filho, 30 anos mais tarde.



ANUNCIAÇÃO

O presépio pequenino da nossa casa

«- Sou a mais venturosa de todas as mulheres porque o Mestre do Amor amará todos os seres humanos para serem santos como ele - disse Maria, com um entusiasmo a tocar o céu.
- Assim será Maria.
- Que mais poderia desejar uma mulher do que ser a mãe daquele que converte o ódio em amor, esse amor mais forte do que os rochedos que o mar não consegue arrancar do seu lugar?
- "Nada sabereis acerca do tempo que não passe por mim" - escutou Maria. Era Jesus! Inesperadamente, interrompia o seu diálogo com José.»

Teresa Ferrer Passos, Anunciação (romance de Maria), Universitária Editora, 2003, p. 141.


MISSA DO PARTO


Presépio dos Salesianos do Estoril

Sou do partido do Menino.
Creio nele em seus poderes.
Creio em sua nudez perpétua verdadeira
em sua fé de vítima primeira
em seu lugar de último destino

Carlos Carranca, Frátria, 2008, p. 113.




«O QUADRO É ELE, JESUS CRISTO»

Presépio da Paróquia de S. Mamede, em Lisboa

Há dois mil anos, Deus desce até nós, como se fosse o mais miserável dos humanos. Como diz D. Manuel Clemente (Twitter, 16/12), é urgente que o Salvador nasça de novo em nós e naqueles que nos estão próximos, porque "o quadro é Ele, Jesus Cristo!".


«A Encarnação do Verbo é o mistério da união admirável da natureza divina e da natureza humana na única pessoa do Verbo, permanecendo em comunhão com o Pai e o Espírito Santo».

           Joaquim Monteiro, "A Encarnação, glorificação da Santíssima Trindade", revista Bíblica - série científica, nº8, 1999, p.13.




A VIDA EM ABUNDÂNCIA

Presépio da Farmácia do Hospital de S. José, em Lisboa

“A carne não vale nada”, disse Jesus, um dia.
Oh, a carne, como fiar-nos nós nela,
se é tão débil, tão sem poder e ainda tão breve?
Não a valorizemos por si só, queria Ele dizer.
Se a força é nela uma aparência,
se engana o inteligente e o mais néscio,
como julgarem-na tantos, para sempre?

“A carne não vale nada”, disse Jesus, um dia.
E, afinal, foi dela que Deus se revestiu em Jesus:
uma virgem de Nazaré escutou que seria Mãe
do salvador do humano todo carne que nada valia. 
Deus queria ser igual a ele só para o libertar
da sua triste condição de “não valer nada”.
Ao descer o Santo Espírito sobre uma mulher,
o humano ganhava a liberdade de não ter fim.
E foi Jesus, Filho de Deus, a redimi-la,
a libertá-la do seu absurdo fim.

Natal, 2018
                                    Teresa Ferrer Passos


                                                      


UMA NOVA ALIANÇA



«Os judeus esperavam um Messias triunfalista e vitorioso; não estavam à espera de uma nova aliança que renovasse o interior das pessoas»

                 Armindo dos Santos Vaz, "Maria na boda de Caná: A nova aliança e o vinho do amor" in Revista de Espiritualidade, nº 102, 2018, p. 95.






ERA VERDADE

Presépio tradicional algarvio
era verdade
e não se via

era como um segredo

uma mão
que se abria ou fechava
e onde tudo acontecia

às vezes
em certas noites
e diante do mar e seus vestígios
as crianças perguntavam
mas os adultos não sabiam

era um segredo

e de uns para os outros
essa coisa seguia
e nunca se mostrava

não tinha nomes
nem nada dentro

era apenas e quando

                       Carlos Lopes Pires



O SÁBIO E A LENDA


De dentro da noite, o sábio olhou a estrela,
Uma estrela igual a cada estrela,
Das muitas a brilhar dentro da noite.

Se um dia fosse dia em vez de noite,
Se um dia as leis fossem mais claras,
Tão claras como é clara a luz do dia…

Por certo, sabia muito o sábio,
Mas, quanto mais sabia,
Mais escura a noite se tornava.

Se um dia uma estrela se soltasse,
Se do céu caísse sobre a Terra,
Contra as leis que o sábio conhecia…

E o sábio tentou esquecer as leis
Que com tanto trabalho descobrira,
Mas as leis eram já parte do seu corpo.

Contudo, uma estrela igual às outras,
Que o sábio avistara nessa noite,
Sendo igual, parecia ser diferente…

Dentro da noite, o sábio recordou
A lenda muito antiga
Que um dia ouvira a sua mãe:

Uma estrela, uma gruta, um Salvador –
Um Deus Menino!
Se ao menos aquela estrela se movesse…

E a estrela começa a deslocar-se,
E o sábio segue-a,
Segue-a durante muitas noites.

E a estrela detém-se sobre a gruta,
A mesma gruta de há cem séculos,
A mesma da lenda muito antiga…

E a luz daquela estrela instaura o dia,
O dia que o sábio nunca vira,
Nem mesmo sabia imaginar.

E no centro do dia havia um Deus,
Um Deus Menino,
O Deus de que falava a velha lenda…

E a mãe do Menino olhava o sábio,
E ao sábio parecia a sua mãe,
A mesma a quem ouvira a louca lenda.

E o sábio chorou e, de joelhos,
Sob um dilúvio de luz abrasadora,
Pôde enfim esquecer todas as leis…

Fernando Henrique de Passos, Breve Viagem nas Margens do Mistério, Textiverso, 2018, p. 48-49.





O Nascimento de Jesus, os Reis Magos e Herodes

«- Majestade! acalmai-vos! não vos precipiteis! ainda não vos foi revelado tudo o que o oráculo de Tiro me confidenciou - interrompeu o fenício, irritado.
- O que falta dizerem?! - exclamou o rex. - O que esperam para me dar todas as informações sobre esse rei destruidor da ordem que eu estabeleci, que eu consolidei com tanto sangue de soldados e generais, e cujos cadáveres ficaram secando e misturando-se com a poeira nos campos de batalha ou nos saques das cidades ou nos cárceres dos inimigos… - divagou Herodes, inconformado. - Ah, como me perco em divagações inúteis… dizei-me depressa onde está esse rei, que tudo transformará à sua chegada, que muitos seguirão ainda que o não tenham procurado… dizei-me tudo o que sabeis, antes que me ataque no palácio e me aniquile irremediavelmente… ou invista contra as fronteiras dos meus domínios sem eu ter prevenido as legiões e a cavalaria… e tenha sido colocada vigilância reforçada na hora do seu ultrajante assalto… ah, mas de novo pareço paralizado por ideias terríveis… afinal onde posso encontrá-lo? - interrogou Herodes, a quem todos gostavam de chamar o Grande. 
- Majestade, esse rei ainda não nasceu… nascerá no primeiro instante da vigília do canto do galo, num tempo muito próximo - insistiu o rei fenício, com um ar fleumático».

Teresa Ferrer Passos, Anunciação (romance de Maria), Universitária Editora, 2003, pp. 253-254.






sábado, 22 de dezembro de 2018

Na morte de Catalina Pestana (1946-2018)

Foto da turma do Liceu de Oeiras, em que a Catalina é a
terceira a contar da esquerda, na última fila. 

Catalina Batalha Pestana, uma voz que se ergueu em defesa das crianças e adolescentes, vítimas de pedofilia, como Provedora da Casa Pia de Lisboa. Faleceu esta madrugada, num hospital de Lisboa, depois de defrontar uma doença degenerativa que se pautou por vários anos de sofrimento. Nesta pequena homenagem à Catalina, lembro aqui a sua personalidade invulgar, que conheci como colega (na alínea de História e Filosofia), no liceu de Oeiras, na turma dos dois anos lectivos pré-universitários(1965/1967). O seu carácter generoso e abnegado, a sua capacidade de comunicação, o seu gosto pela mudança dos costumes e da sociedade, acabaram por conseguir agregar num todo, uma turma com alunos de formações e orientações ideológicas muito diferentes. A Catalina era, como o nome augurava, uma Batalhadora, nem sempre reconhecida. Era, então, uma jovem cujo apelido se concretizava no seu ideal de luta contra as injustiças e os preconceitos que vigoravam nesses anos, em que a democracia vivia enclausurada numa ditadura impenitente. 

22/12/2018

Teresa Ferrer Passos (heterónimo Teresa Bernardino) 

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

DA «VIA LUCIS»


                   ( convoco, para a Musa minha, o Sol de Justiça )

                        Do fundo do coração, ao meu Irmão Luís André
                       «Ab imo pectore», ao António Cândido Franco

Menino que és qual Rei e que és criança,
Profeta, sacerdote e terapeuta,
Irmão do meu irmão e de hermeneuta,
Da meiga multicor, da Maia mansa,

Te enlaço a minha mão quando a Esperança
É cor, é Cristiana e propedeuta,
Em que a Cruz, e o Espírito é maiêuta,
Belém, a nossa bem-aventurança.

Tu transmudas em foice a maura lança,
Tu transformas em nácar necedade.
Eis a marca, eis a barca da bonança,

És a folha do til na imensidade,
E ó Senhora, nova Arca da Aliança,
Maria, Tu és deusa da Saudade.

Que Luz, 16 a 18/ 12/ 2018

                                    Ad Majorem Dei Gloriam

                                 Paulo Jorge Brito e Abreu

Nota do autor:
No segundo verso da quadra segunda, a palavra «cor» é sinónimo de «coração» e não de «coloração», e deve, portanto, ser lida como «cór»………..

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Greve longuíssima dos/as enfermeiros/as às cirurgias nos hospitais do Estado

É inacreditável o comportamento ético dos enfermeiros com uma greve às cirurgias! Há 5000 cirurgias adiadas!!! Este grupo social revela uma irresponsabilidade tão condenável, que até custa a acreditar! A sua atitude de indiferença pelos doentes, mostra que a vocação de cuidar do doente não estava neles quando se matricularam no curso de enfermagem... Como vai longe o tempo em que, nos hospitais, as enfermeiras eram mal pagas, trabalhavam horas a fio, etc. Agora, a defesa de ainda mais regalias profissionais, consegue sobrepor-se mesmo à vida de quem precisa de uma cirurgia para não ficar defeituoso ou até morrer... Mas, até quando o governo deixa a carruagem passar, também indiferente às consequências desta longuíssima greve às cirurgias hospitalares? E não será o povo mais pobre, a maior vítima desta greve intolerável, porque é esse que precisa de recorrer ao serviço dos hospitais do Estado?!
11/12/2018
Teresa Ferrer Passos

sábado, 8 de dezembro de 2018

No Dia da Imaculada Conceição de Maria

Altar-mór da igreja de Nossa Senhora da Conceição
Santuário de Angra do Heroísmo 

«O Criador de tudo o que existe convidara-a para ser a arca da sua encarnação humana. Deus a tornar-se humano, no corpo de Maria.
Como não havia de ser ditosa, entre todas as mulheres?»


«Vejo o meu filho aqui, dentro do meu coração como se não me distinguisse dele, dizia para si. E ouvia a minha voz subir nela, com um silêncio de ouro. Mas, quando era percorrida pela memória futura da minha subida para o calvário carregando a cruz, uma lágrima aflorava branda.»

Teresa Ferrer Passos, Jesus até ao Fundo do Coração, pp. 36 e 40

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

«E as minhas faces empalideciam»


Para o Amigo Carlos Carranca, nesta intranquila vereda da vida, este pequenino excerto da minha autobiografia romanceada de Cristo, «Jesus até ao fundo do coração» (2016, p.181):

«Um peso caiu no meu coração, a olhar ao redor. Comecei a penetrar com a luz a deprimente incoerência do sofrimento espalhado pela terra. E as minhas faces empalideciam cada vez que eu passava por alguém que travava uma difícil batalha com a doença. Nesses momentos, tinha a sensação de que o meu aspeto rude e quase envelhecido se modificava.
Gotículas de suor brotavam das minhas faces. Formas estranhas rolavam entre os meus ossos salientes e escancaravam-se no meu corpo demasiado magro. As minhas mãos a tremer, entrelaçavam os meus cabelos. Sentia-me um sonho impossível, sem saber porquê.
Resguardava-me de todas as memórias que escandalizavam o mundo. Sem deixar de me sentir, mais do que todos, escandalizado.»
Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Nestas horas de espera perturbada


                                   
                                      Ao Amigo Carlos Carranca


A vida humana tem de ser vivida devagar,
golo a golo, como um copo de água.
E os obstáculos que nela surgem,
se não os contornamos um a um,
a vida turva-se, como a água,
sem fulgor, sem o inesperado.
Assim, a vida deixa de ser verdadeira vida,
torna-se um esvaziado simulacro.

5/12/2018
Teresa Ferrer Passos

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

TRIBUNA DA MADEIRA - Fátima Pitta Dionísio:O Arquétipo e Arca, o Arcano do Sol

"O Carro de Apolo" de Frederick Arthur Bridgman
(1847-1928)

                                                 «Ser génio quer dizer reproduzir-se igual a si próprio.»
                                                                                           José de Almada-Negreiros

Na terra que viu nascer, além de Cristiano Ronaldo e Octávio de Marialva, José Tolentino Mendonça, Edmundo de Bettencourt e o Poeta Herberto Helder, ex-siste ou insiste, para o bem da letradura, uma Poetisa com o nome de Fátima Pitta Dionísio: sobre ela trataremos e dessarte batalharemos. Ora aqui a nossa tese nos indica, sobremaneira, que essa Pitta é qual a Pítia, que ela viaja, viridente, no Carro de Apolo.
A ciência Pitagórica, ela firma, portanto, e confirma: a Fátima pertence ao número das pessoas que laboram, liberais, para toda a Humanidade – e ela sidera ou considera, ela vive em templação, contemplação, da platónica Ideia. Considerar quer dizer: teorizar, especular, esquadrinhar o sidéreo com a ajuda de um espelho. Se alia o Vero, com todas as veras, à Bondade e à Beleza, e todo o canto, segundo Kant, é lautamente desinteressado. Sendo essa Ideia, aqui, o sinónimo de Arquétipo, o inconsciente pessoal abarca, ele abraça, o inconsciente colectivo. E daí a presença, na Poesia Fatimita, dos arcanos siderais, e dos símbolos e Mitos – e não alembras, ó ledor, e não remembras o seu livro, do ano 2011, «No Amor das Coisas Gregas»??? Mas o «Homo», terreno, vem do humo, e é por isso «Homo Viator». Dando filhos e poemas ao mundo e não ao mando, a Maternidade e a Poesia, elas são, para a Poetisa, duas formas de sortilégio, ou melhor, duas formas de sacerdócio.
Pertence a voz e a vez à «Vocação Solar», ao Arquétipo e barca da Portugalidade. Na prosa e na Poesia de Fátima Pitta Dionísio, é tudo uma questão de metáforas, metonímias, de lautas litotes. Porquanto é explícito, é lícito dizer: «Três vezes conheci / O fecundo húmus da terra / Pela frutescência do corpo / Num silêncio sacramental.» E sublinhemos o vocábulo: «sacramental». Que o dar à luz é sagrado e sacrifício, quero eu dizer, é sacro fazer. E mergulha, a matriz, na «Mater Matuta» e nas águas da vida – e por isso a Matronália, e por isso a Maria é qual Estrela do Mar; e Maria «gratia plena», e «Ave Maris Stella» digamos nós ora. Pois só avoca, ou invoca, quem dá a voz ao vocábulo, quem é qual advogada, e convocada para a Poesia – e falamos aqui da Musa, e falamos da Autora da «Vocação Solar».
E sendo, desta sorte, a feitora ou fazedora, a Autora é promotora, ela é, por isso mesmo, a força motriz. Pois movendo, emocionando e comovendo, a Fátima frutesce, ela é actriz, fundamental, no palco do Universo. A generosa, nas gentes, sendo a genuína. O génio, genital, aquele que gera – e apelamos, aqui, à sinérgica energia. Ao lume, à luminária, da ilha da Madeira – e eis aqui matéria-prima, o litoral, alfim, da
literariedade. Que neste livro capital, nos surde e surge, Fátima Pitta Dionísio, a modular, a moldar, a modelar sua Palavra – e o modelo, pra ela, é a «Alquimia do Verbo» de que fala Rimbaud. Então o nome, para Fátima, é qual acume, ele é, luminar, o lume e o Nume. Ouçamos o que ela asserta, em lauda liminar: «Nomeio-te / príncipe da minha alma / pelo dom / de um silêncio volátil / e andorinhas acesas / em corpos desnudados / pelos sopros férteis do ar». Ou melhor: o Espírito é «Ruah», o Espírito é o Sopro e o Sopro é o Pneuma – e eis a voz, a vocação, do Espírito Paracleto.
E o astro é o estro, e o Toth é o Tau. E a Cruz vigora e aprimora, e o crisol é o símbolo da purificação. Na Obra de Fátima, mais do que ser, o Homem, animal racional, ele é, acima de tudo, um simbólico indivíduo. Que o viático é vianda, e o Pão, dessarte, é para ser partilhado. Citemos Manuel Bernardes: partilhado e portanto «partido em pequeninos». Que em arcaica reminiscência, ou representação colectiva, o símbolo une, a Poetisa, à Igreja de egregório – e o Espírito assopra, e ela se volve numa egéria do carme. Se o símbolo está próximo duma alegoria, se o símbolo é um mito, propalamos, alegremente, a Alegoria da Caverna. Da cafurna, da cafua ou do Antro de Trofónio???
As Musas, afinal, são filhas de Mnemósine, o Vate é Vaticano. E é Museu ligado a Orfeu e qual o templo das Musas. Saberá então, a Autora, caroal, do «Amor em Memória», que a Poesia é Pão da Vida, que é Poeta, afinal, o Cristo Jesus, e que, segundo Emerson, o estadunidense, nada de grande foi feito, neste mundo, sem o entusiasmo. Se o entusiasmo é próprio do espírito pitónico, se a Pítia vela Apolo, «entusiasta» vem do Grego e quer dizer: «aquele que porta, consigo, um deus interior.»
Ou melhor: privou a Fátima, em moça, com Octávio de Marialva, ela foi, muito cedo, iniciada nos Mistérios. Na mística ou Mistérios, na «Mystery Play». E seu pendor universalista, e portanto sem partidos, ela o bebeu, em a benesse, no boníssimo Padre Alfredo – e já falámos, figadal, do Padre Alfredo Vieira de Freitas. Ou melhor: da Poesia como oblata e duma oblata como Obra. Concernente e atinente às manhãs do seu silêncio, as Musas «Amam a luz primeira, / Ancestral mito / Que os poetas anunciam / Desde antanho. / A prumo sobre o mar / A prata da noite as envolve / Com os anéis de secreta carne. / O sol é, hoje, / Uma metáfora de luz no dia» - e não lobrigas, arcangelical, o arquivo, o arcaico, o arcano do Sol??? 
Eis no Sol, enfim, o típico e tópico desta Poesia, eis no Sol, afinal, os tópicos e tropos da Sabedoria. À luz, então, do que nós já firmámos, em Atenas demandaram, um poucochinho antes do divino Platão, ao filósofo Anaxágoras: «Para que estás tu nesta terra???» Sua resposta, preste e pronta: «Para a consideração contemplativa, ou teoria, do Céu e da ordem do Universo.» E nesse universal, aqui se acoita, e acolhe, a Poesia de Fátima. Quando se busca a Verdade, e nada mais que a Verdade, quando se quer, ou se inquire, o Ser enquanto Ser, nós somos segundo a escola, nós somos apologetas da nossa Teoria – e coteje, com «Êxodo» 3: 14, o exímio do exílio, o «ek-stático ex-sistere». Tinha razão, recta e escorreita, o Álvaro Ribeiro: Literatura é teofania, Literatura é qual expressão do preternatural – e daí o seu liame com o transe e com o êxtase, com o «rêve éveillé», ou o sonhar acordado. Se aqui temos a escritura como forma de oração, aventamos, na verve, a proposição: Fátima Pitta Dionísio, na ilha da Madeira, ela não usa, a Poesia, para os seus fins particulares, mas ela a goza graciana, ela glosa, a Poesia, no estado de graça – e daí nossa «Poesis», e daí o desinteresse da tese enquanto estese.
Sobre ela o Céu estrelado, sobre a sua cabeça – a lei moral, Kantiana, no seu coração. E segundo Wilhelm Dilthey, e segundo o Carl Rogers, uma enfática, empática, compreensão, a preensão que permite pôr o penso e pensar. Muito longe de nós o pensar materialeiro, muito longe de nós a prisão positivista. Nós não explicamos, cientista, a Poesia de Fátima, nós fazemos como a criança – e apertamos, essa Poesia, de encontro ao peito nosso. Em nós, por isso mesmo, a simpatia, ela cura e ela sara a patologia. E nossa práxis, portanto, em Psicoterapia: a aceitação positiva e incondicional. Aquela que é feraz, aquela que se tem perante o Génio, generoso, e o Ser enquanto Ser.

A insistência dos Génios e a excelência das Mães: eis as duas maiores provas da existência de Deus. E que mais, Amigo leitor??? De mais falámos nós, e estamos quase a findar. Fraternos são, como a Fátima, os que fazem a Paz. Felizes são, por isso mesmo, os precitos e malditos: é que eles serão abençoados, e consolados no Sol. Na Paz de Cristo. E Paz, por isso, em vida avonde. E Paz, na nossa terra, para os filhos da Luz.

Queluz, 12/ 09/ 2018 – 29/ 11/ 2018

AD MAJOREM DEI GLORIAM
Paulo Jorge Brito e Abreu