Portugal elevava-se das sombras e do nevoeiro
na hora em que as coroas de Portugal e Espanha se separaram. Foi a hora em que
a conspiração organizada pela nobreza portuguesa na residência de D. Antão de
Almada (onde agora nos encontramos reunidos) vibrou o grito de liberdade
aclamando D. João, Duque de Bragança, rei de Portugal. O acto revolucionário de
1 de Dezembro de 1640, reerguia Portugal à sua dignidade de nação independente,
após um cativeiro de sessenta longos anos. Como diria o Padre António Vieira,
logo após regressar do Brasil para apoiar a revolução (num sermão proferido na
capela real em 1641), «era empresa esta tão difícil, representava-se tão
impossível ao discurso humano, que ainda agora parece que é sonho e ilusão». E
mais adiante, acrescentava: «Da mesma maneira se deu princípio à redenção e
restauração de Portugal, em tais dias e em tal ano, no celebradíssimo (ano) de 40,
porque esse era o tempo oportuno e decretado por Deus; e não antes como os
homens quiseram».
Na verdade, depois da publicação mais ou menos clandestina ou camuflada
de toda uma literatura de propaganda anti-espanhola - poesia, peças de teatro, tratados
jurídicos, folhas volantes, etc -, depois da revolta popular do Manuelinho de Évora - que se estendeu a outras cidades do
Alentejo e Algarve e que durou quase um mês -, não havia dúvida de que se o Povo, o
desejava, a nobreza e o Duque de Bragança, legítimo herdeiro do trono de
Portugal, não podiam deixar de tomar uma atitude inequívoca, logo que o momento
o propiciasse.
E, de facto, se Lisboa era «la mayor ciudad de Epanã», se «era a máquina
insigne» com 130.000 vizinhos, 1130 quintas e uma outra cidade no magnífico
estuário do Tejo, com um número espantoso de barcas e caravelas e galeras, como
o reconhecia o espanhol Tirso de Molina na obra O Burlador de Sevilha, se como escrevera Camões, em Os Lusíadas «E tu nobre Lisboa, que no
mundo / facilmente és princesa» ou ainda «Tu a quem obedece o mar profundo /
obedeceste à força portuguesa», o golpe
de Estado só aqui tinha condições para sair vitorioso.
E é Oliveira Martins quem, na sua História
de Portugal, nos lembra que «Portugal é Lisboa, e sem Lisboa não teria
resistido à força absorvente do movimento de unificação do corpo peninsular».
Contudo, sem a corte na aldeia podemos nós dizer que Lisboa seria por si só
impotente para a recuperação da independência de Portugal. Foi precisamente
essa corte sediada na solitária Vila Viçosa, a poucos quilómetros da não menos
provinciana cidade de Évora, que a resistência ao ocupante se manteve durante
tão difíceis anos, atenta às prepotências e às humilhações que nos levavam
vidas em guerras que não eram as nossas e cumulavam de impostos os parcos
haveres de artesãos e camponeses.
A pensar no povo sofredor, os heróis do passado português são exaltados,
pelos sabedores, como uma forma de perpetuar a esperança na libertação. Em
1610, Francisco Rodrigues Lobo publicava O
Condestable de Portugal, em que se enaltecem os Braganças, simbolizados no
seu herói de Aljubarrota e, em 1619, edita a Corte na Aldeia, outra apologia da língua e das preciosidades de
Portugal. Em 1624, Manuel Bocarro, matemático e filósofo, profetiza a
restauração, não por um D. Sebastião nunca mais visto, mas por alguém do seu
sangue, a Descobrir… (na obra Anacefaleoses
da Monarquia Lusitana). E, segundo a tradição, seria o Padre José de
Anchieta a dizer: «O Exército perdeu-se em África, mas o Rei pode pôr-se a
salvo: mas há-de andar muitos anos ausente do Reino, e só tornará depois de
muitos trabalhos». Várias exortações de Portugal surgem em obras de Manuel de
Faria e Sousa (1628), António de Sousa de Macedo (1631) e, tantos outros.
O Presidente da S.H.I.P., a autora e o apresentador A.M.Couto Viana |
A Revolução triunfante eclodiu em 1640, precisamente no dia 1 de
Dezembro! Em dia de sábado! Os conspiradores, na casa do entusiástico D. Antão
de Almada, escolheram este dia porque para eles era um dia muito especial,
precisamente o dia da semana dedicado à Virgem Maria. A Virgem Mãe, venerada
nos trovadores medievais galaico-portugueses e a quem D. Afonso Henriques,
nosso primeiro rei, consagrou desde logo o Reino. A Virgem, honrada nos
momentos mais decisivos da nossa história, com a construção dos mosteiros de
Alcobaça, da Batalha e dos Jerónimos. A Virgem, a quem D. João, Duque de
Bragança, e já rei D. João IV - o primeiro da 4ªdinastia da Casa de Bragança -
confirmado pelas Cortes, reunidas em Lisboa, em 1641, viria a consagrar
o reino de Portugal, no santuário da pequena Vila Viçosa, com a designação de
Rainha e Padroeira de Portugal. A Virgem, cujas aparições aos pequenos pastores
na serra de Aire, no lugar de Fátima, revelou a sua dedicação aos Portugueses,
conferindo a este cantinho serrano de Portugal um carácter cosmopolita.
Foi este dia de sábado - o 1º dia do mês de Dezembro - talvez o mais desejado de toda a
História de um Portugal, com quase nove séculos de história! No passado, como
em tempos mais recentes, muitos
escritores se inspiraram no tema do Desejado ou no mito Sebastianista, o mito
da espera de um salvador da Pátria. Após a queda da Monarquia, alcançada, por
um lado, em consequência do criminoso atentado que tirou a vida ao rei D.
Carlos I e ao Príncipe herdeiro D. Luis Filipe, e, por outro, devido à
revolução militar republicana, levada a cabo dois anos depois, em 5 de Outubro
de 1910 (é de salientar que não se deveu o fim do Regime monárquico à
inexistência de parlamentarismo democrático, pois este já existia desde 1820,
mas pelo qual o partido republicano perdia sempre as eleições, em favor de
outros partidos), muitos escritores se inspiraram nas suas obras nessa sebástica espera.
A autora e D. Lourenço de Almada, 6º conde de Almada |
Lembro, a propósito, o poeta Mário Beirão ao publicar, em 1917, O Regresso, de que destacamos estes
versos : «O Povo acorda: e acordado, / Abraça em sua saudade, / A manhã de
claridade / Desse dia desejado!». Recordo ainda uma peça de Natália Correia que
titulou O Encoberto e foi publicado
em 1969. Nessa peça, descobrimos uma esperança messiânica ou sebastianista para
afirmar a liberdade face ao estrangeiro. A personagem Bonami-Rei, representando
D. Sebastião, dirá: «Malditos os que sob a aparência do humilhado não conhecem
a grandeza do Rei!(…) Fui todos os vagabundos. Todos os canalhas. Todos os
famintos. Todos os ofendidos. Agora posso ser todos. Agora posso ser rei». E
até já na era futura dos visitantes do Espaço, ainda, todos cravando os olhos
no céu dirão: «É ele, o Rei que sempre volta quando o mundo tem o rosto de uma
hiena». E uma personagem insiste: «Por ele enfrentaremos os grandes homens do
momento». E depois, todos exclamam: «Que apodreçam os olhos que não aguentam
este esplendor da liberdade!».
Também no drama Erros Meus. Má
Fortuna. Amor Ardente (1981), Natália Correia proclamará, mais uma vez, e
através da personagem designada 2ª Mulher do povo: «Possa a nossa dor
ressuscitar o Rei para que ele perpetue o nosso antigo sangue».
S.A.R. Dom Duarte, Duque de Bragança, a usar da palavra como Presidente da sessão, no Sala Nobre da S.H.I.P. |
Que esta pequena monografia que titulei A Restauração da Independência de 1640 e D. Antão de Almada possa
augurar ao Senhor D. Duarte, Duque de Bragança, num futuro breve, a restauração
da Monarquia, pela qual o Povo de Portugal continua a esperar, não pelos meios
violentos e envoltos em sangue, usados para a implantação da República, mas pelo
processo democrático da eleição por sufrágio universal, através do meio
constitucional em vigor, e que é a eleição para a Chefia do Estado.
Teresa Ferrer Passos
* Este texto foi lido pela
autora, no dia 21 de Maio de 1999, no Palácio da Independência, em Lisboa, por
ocasião do lançamento do livro A
Restauração de 1640 e D. Antão de Almada (Universitária Editora, 1999). A
sessão foi presidida por SAR Dom Duarte, Duque de Bragança e a Apresentação do
livro esteve a cargo do Poeta António Manuel Couto Viana.