segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Liberdade e Moral


Se largarmos uma pedra, ela cai. Não há nisto nada de odioso ou assustador. O caso das cargas eléctricas é mais interessante: uma carga eléctrica pode ser repelida ou atraída por outra carga eléctrica, dependendo dos sinais de ambas. Também isto não tem nada de odioso ou assustador. Há uma lei biológica muito parecida: os organismos vivos dotados de sistema nervoso tendem a ser atraídos pelas fontes de prazer e repelidos pelas fontes de sofrimento. Chamemos LPS a esta lei: Lei do Prazer e do Sofrimento. O ser humano é um organismo vivo com sistema nervoso: está portanto sujeito à LPS. Também não há nisto nada de odioso ou assustador. Mas causa um certo incómodo, não causa? Somos como uma pedra que cai? Como um pedacinho de papel atraído por um pente que foi friccionado? Como o pólo norte de um íman repelido pelo pólo norte de outro íman? Bem, claro que não somos. Ou melhor, somos, mas só enquanto crianças de tenra idade. Em adultos não somos assim, pois não? Ou somos um bocadinho assim? Sim, uns mais, outros menos, somos todos um bocadinho escravos da LPS. E isso é desagradável, de facto. Ninguém gosta de ser escravo de nada. Todos prezamos a liberdade, seja qual for a nossa ideologia, não é? Bem, há ideologias que não prezam nada a liberdade, mas nós também não gostamos muito delas, pois não? E depois, há outra coisa. Não vale a pena dar exemplos, qualquer pessoa conhece muitos exemplos, mas a verdade é que se nos deixarmos guiar exclusivamente pela LPS, acabamos muitas vezes por fazer o mal: a outros, ou a nós próprios. E assim chegamos ao problema do mal, e entramos no domínio do odioso e/ou assustador: porque há pessoas capazes de fazer muito mal a outras pessoas, ou a si próprias, em última análise apenas porque se deixaram guiar exclusivamente pela LPS. E aqui entra a moral. A minha tese é a de que, na sua génese, as leis da moral não são os ditames arbitrários de um Deus caprichoso, antes visam apenas libertar o ser humano da escravidão da LPS. E isso é bom por duas razões: 1) pelo simples facto abstracto de ser uma libertação; 2) por acabar com todas as consequências nefastas da obediência cega à LPS. Independentemente de permitir uma reavaliação do verdadeiro significado da moral tradicional, tão ridicularizada pelo pensamento moderno, este ponto de vista parece-me útil para o combate que (quase) todos travamos contra o mal: se pensarmos no mal como o resultado de algo semelhante à tendência de uma pedra para cair, isso já não nos desperta sentimentos nem de ódio nem de medo. O que é bom, porque do ódio e do medo só pode nascer mais mal. (Embora uma pedra que cai sem quaisquer entraves acabe por ir mergulhando em abismos sempre mais e mais profundos, o que também é um bocado assustador…)


20/2/2014

Fernando Henrique de Passos

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