Se largarmos uma pedra, ela cai.
Não há nisto nada de odioso ou assustador. O caso das cargas eléctricas é mais
interessante: uma carga eléctrica pode ser repelida ou atraída por outra carga
eléctrica, dependendo dos sinais de ambas. Também isto não tem nada de odioso
ou assustador. Há uma lei biológica muito parecida: os organismos vivos dotados
de sistema nervoso tendem a ser atraídos pelas fontes de prazer e repelidos
pelas fontes de sofrimento. Chamemos LPS a esta lei: Lei do Prazer e do
Sofrimento. O ser humano é um organismo vivo com sistema nervoso: está portanto
sujeito à LPS. Também não há nisto nada de odioso ou assustador. Mas causa um
certo incómodo, não causa? Somos como uma pedra que cai? Como um pedacinho de
papel atraído por um pente que foi friccionado? Como o pólo norte de um íman
repelido pelo pólo norte de outro íman? Bem, claro que não somos. Ou melhor,
somos, mas só enquanto crianças de tenra idade. Em adultos não somos assim,
pois não? Ou somos um bocadinho assim? Sim, uns mais, outros menos, somos todos
um bocadinho escravos da LPS. E isso é desagradável, de facto. Ninguém gosta de
ser escravo de nada. Todos prezamos a liberdade, seja qual for a nossa
ideologia, não é? Bem, há ideologias que não prezam nada a liberdade, mas nós
também não gostamos muito delas, pois não? E depois, há outra coisa. Não vale a
pena dar exemplos, qualquer pessoa conhece muitos exemplos, mas a verdade é que
se nos deixarmos guiar exclusivamente pela LPS, acabamos muitas vezes por fazer
o mal: a outros, ou a nós próprios. E assim chegamos ao problema do mal, e
entramos no domínio do odioso e/ou assustador: porque há pessoas capazes de
fazer muito mal a outras pessoas, ou a si próprias, em última análise apenas
porque se deixaram guiar exclusivamente pela LPS. E aqui entra a moral. A minha
tese é a de que, na sua génese, as leis da moral não são os ditames arbitrários
de um Deus caprichoso, antes visam apenas libertar o ser humano da escravidão
da LPS. E isso é bom por duas razões: 1) pelo simples facto abstracto de ser
uma libertação; 2) por acabar com todas as consequências nefastas da obediência
cega à LPS. Independentemente de permitir uma reavaliação do verdadeiro
significado da moral tradicional, tão ridicularizada pelo pensamento moderno, este
ponto de vista parece-me útil para o combate que (quase) todos travamos contra
o mal: se pensarmos no mal como o resultado de algo semelhante à tendência de
uma pedra para cair, isso já não nos desperta sentimentos nem de ódio nem de
medo. O que é bom, porque do ódio e do medo só pode nascer mais mal. (Embora
uma pedra que cai sem quaisquer entraves acabe por ir mergulhando em abismos
sempre mais e mais profundos, o que também é um bocado assustador…)
20/2/2014
Fernando Henrique de Passos
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