quarta-feira, 17 de abril de 2024

VISÃO PARCA 

na transparência dos silêncios abrem-se
anéis de fumo a perturbarem-me a visão do tempo.
Perco-me a pouco e pouco das horas.
Não descubro o que se eleva ou se transmite.
A minha alma alheia-se na hora derradeira.
No espaço vejo um místico abismo.
Não sei sequer quem é.
À distância vislumbro trilhos impossíveis de atravessar.
Rumos pedregosos parecem esconder-me um rio
de flamejantes águas. Afinal desavindas com o mundo. 
Martelam o fundo de cada grito que escuto.
Inóspito lugar. Ruídos temerosos. Luzes apagadas.
O desconcerto da vida é uma sombra.
Aqui está a verdade que descortino.
Num instante. 
Só um relevo na planície ainda me mostra o mar.
Porquê?

17/Abril/2024

                                       Teresa Ferrer Passos

quarta-feira, 10 de abril de 2024

NAS MÃOS ESCREVO

nas mãos escrevo a poesia dos meus dias
envolvidos em sonho e chuva e sol  
e a derreter um secreto mel de rosmaninho.

nas mãos escrevo as iras largas a arrasar os mansos
e incapazes de abrir as suas para escrever
com as portas bem abertas escancaradas

nas mãos escrevo sem alicerces nem muros fortes
como se o abandono fosse a minha casa
o ninho por onde passam os viajantes perdidos e sem bússola.

nas mãos escrevo sob o peso dos gritos desavindos
que me perturbam e agitam e desfazem o futuro
a naufragar em socalcos de marés sem rumo

nas mãos escrevo as linhas incertas de cada dia
como se fossem capazes de demover o tempo
e de um outro tempo fazer nascer

nas mãos escrevo a incoerência de quem quer a liberdade
                                                                            [só para si
e acende palavras inclementes ululantes
que condenam aquele que se levanta com uma voz diferente

porque a liberdade de discordar ainda não morreu
nas mãos escrevo 

10/4/2024
                                               Teresa Ferrer Passos