Nasceu em Lisboa a 19 de Maio de 1890.
Lembro alguns dos seus versos cobertos de uma grandeza e de uma angústia inapagáveis, versos a saberem ao sal da desdita e a romperem em oceanos do génio, versos que rindo de si próprios se abrasavam numa alma ímpar de humildade.
Recordo o poema «Nossa Senhora de Paris»:
"Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me e eu fujo também ao luar...
Um cheiro a maresia
Vem-me refrescar,
Longínqua melodia
Toda saudosa a Mar...
Mirtos e tamarindos
Odoram a lonjura;
Resvalam sonhos lindos...
Mas o Oiro não perdura
E a noite cresce agora a desabar catedrais...
Fico sepulto sob sírios,
Escureço-me em delírios
Mas ressurjo de Ideais...
Os meus sentidos a escoarem-se...
Altares e velas...
Orgulho... Estrelas...
Vitrais! Vitrais!
Flores de Lis...
Manchas de cor a ogivarem-se...
As grandes naves a sangrarem-se...
- Nossa Senhora de Paris!..."
Paris, 1913 - Junho 15
***
ONTEM FEZ ANOS QUE NASCEU MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
"Já não falo para ser ouvido. Não grito para que me oiças. Quem me ouviria, quem? Tu já me sabes de cor. E não há ninguém no mundo senão tu e eu. Ninguém na terra, ninguém no céu, ninguém no universo. Só eu e tu, que nem precisas ouvir-me. Para quê, se me tens na mão? Só tu e eu, que não posso suportar-te: demasiado grande para mim, demasiado belo! Tu que não me poupas, eu que não te poupo... Deus éramos tu e eu, por que fomos separados? Por que atiraram ao chão o Esfinge Gorda, como um trapo que se deita fora, e ao mesmo tempo me deixaram lá em Cima...?"
Excerto da peça de teatro de José Régio, "Mário ou Eu Próprio - o Outro".
Postagem no Facebook de Fernando Henrique de Passos (20/5/2021)
Comentário no Facebook:
Uma peça de teatro de José Régio a retratar de modo exemplar o Poeta Mário de Sá Carneiro, ele próprio dividido entre o corpo e o ser, dividido entre ele e a alma-irmã, entre ele e Deus. Mário de Sá-Carneiro, ele próprio também autor de peças de teatro hoje esquecidas e escritas na adolescência, a prometer um grande dramaturgo que não se deixou chegar ao fim, mas antes foi o autor do seu fim, tão jovem.
Teresa Ferrer Passos