quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Os dois sonetos de amor da Hora Triste*


Maria Barroso (Maio/1925-Julh./2015) e Mário Soares (Dez./1924-Jan./2017)
Quando eu morrer - e hei-de morrer primeiro
do que tu - não deixes fechar-me os olhos 
meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos 
e ver-te-ás de corpo inteiro 

como quando sorrias no meu colo. 
E, ao veres que tenho toda a tua imagem 
dentro de mim, se, então, tiveres coragem, 
fecha-me os olhos com um beijo. 

Eu, Marco Pólo, 

farei a nebulosa travessia 
e o rastro da minha barca 
segui-lo-ás em pensamento. Abarca 

nele o mar inteiro, o porto, a ria... 
E, se me vires chegar ao cais dos céus, 
ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus. 

II 
Não um adeus distante 
ou um adeus de quem não torna cá, 
nem espera tornar. Um adeus de até já, 
como a alguém que se espera a cada instante. 

Que eu voltarei. Eu sei que hei-de voltar 
de novo para ti, no mesmo barco 
sem remos e sem velas, pelo charco 
azul do céu, cansado de lá estar. 

E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação. 
E não quero que chores para fora, 
Amor, que tu bem sabes que quem chora 

assim, mente. E, se quiseres partir e o coração 
to peça, diz-mo. A travessia é longa... Não atino 
talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino.


                                           António Feijó (1859-1917)

* Poema lido por Maria Barroso em gravação-video,
 no dia do funeral de Mário Soares,
 no claustro do Mosteiro dos Jerónimos 

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