segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

DOSSIER/NATAL 2017



CELEBRAREI O TEU NOME POR TODAS AS GERAÇÕES 


Virgem Maria Rainha

«(…) Mirra, aloés e cássia,
perfumam os teus vestidos.
Nos palácios de marfim, as
harpas te alegram.
As filhas dos reis, ornadas de jóias,
se apresentam,
e à tua direita, de pé, Senhor, está a rainha,
em ouro de Ofir.
Ouve, filha, vê e presta atenção:
esquece o teu povo e a casa do
teu pai.
Porque o rei se deixou prender
Da tua beleza,
ele é agora o teu senhor: ren-
de-lhe homenagem!
As filhas de Tiro vêm com os seus
presentes;
os grandes do povo rendem-te
homenagem.
A filha do rei é toda esplendor no
interior,
tecido de ouro puro é o seu
vestido (…)
Celebrarei o teu nome por todas
as gerações,
de modo que os povos te hão-de
louvar por todo o sempre»

Salmo 45, 10-12, 13-14 e 18*


*É neste Salmo que Andrea de Creta (santo para as Igrejas do Próximo Oriente) encontra o fundamento da sua devoção a Maria, Rainha.








Israel no tempo em que Jesus nasceu, em Belém



A ENCARNAÇÃO DE DEUS ou o Nascimento de JESUS


O "cantor do Verbo encarnado e da Imaculada Conceição de Maria", J. Duns Scott (1265-1308), filósofo e teólogo franciscano, viria a ser beatificado pelo Papa João Paulo II, em 1993. Autor de Tratado do Primeiro Princípio, defendeu uma tese inovadora para o seu tempo: a Encarnação não se deveu ao pecado, mas a um plano salvífico do Bom Deus.

O plano salvador de Deus implicou logo a encarnação divina. Desde o Princípio. O nascimento de Jesus Cristo, Verbo divino era o epílogo. Perante um ser humano em que conviviam o bem e o mal e em que o bem era muitas vezes vencido, Deus sabia que era necessário intervir. Era preciso que o Seu Espírito Santo fosse conhecido, fosse revelado como um Pai que ama os seus filhos adotivos.

Era preciso que a humanidade se salvasse da morte irremediável que a condição humana implicava: “Não vim por causa dos justos, mas para chamar os pecadores ao arrependimento” (Mt 9, 13). 

Deus quis indicar, com a Palavra de Jesus, o Caminho do Bem. Com o nascimento de Jesus, o Deus que se torna humano, a salvação da morte é possível: com a pregação, o exemplo e a ressurreição após a morte na cruz, Deus oferecia o Seu reino espiritual a todos os seres humanos que O seguissem.

E foi através da aceitação da missão de ser a mãe do Salvador do mundo, que Maria Santíssima abriu as portas à salvação do Homem, aproximando do ser humano a eternidade. Tudo conforme a vontade do Altíssimo que «n’ Ela fez grandes coisas», com vista a concretizar uma nova e eterna Aliança entre Deus e a humanidade. Uma Aliança definitiva nascia com o nascimento Jesus, Filho de Deus e de Maria, a cheia de graça.

Porém, era necessário que o Homem quisesse aceitar a proposta divina. Por isso, Jesus disse: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (Mt 16, 24). 

Seguir a humildade do Presépio é seguir Jesus. Ao segui-Lo, realiza-se o plano supremo do Pai celeste que procura salvar todas as gerações da condenação do mundo material à morte. Pelo espírito bom se poderão salvar desta contingência.

Lembremos as palavras do Prólogo do Evangelho segundo S. João: «Ninguém jamais viu a Deus: O Filho único, que está no seio do Pai é que O deu a conhecer» (Jo 1, 18). E S. João oferece-nos um evangelho em que a santidade do espírito é prevalecente. A santidade, esse Caminho para a vida eterna.    


20/12/2017


Teresa Ferrer Passos









O MISTÉRIO DO NATAL

1. A Dúvida

Primeiro não sei nada,
só sei que o mundo inteiro
é interrogação
mistura sem sentido
de dor e de prazer.

Depois nasce um bebé
por baixo de uma estrela
num estábulo perdido
e dizem-me que é Deus.

O Todo-Poderoso?
O Criador de Tudo?
O Quase Inominável?
Que veio aqui fazer,
com formas tão humanas
e tão desprotegido,
tão ávido de leite
e do amor da Mãe?

E sofre como nós
(garantem-me que sim)
e morre como nós
mas vai morrer na cruz
em máxima agonia…

2. A Descoberta

… Mistério de uma noite
aberta em pleno dia
chupando todo o negro
como um mata-borrão…

… Mistério da bondade
de um Deus que abre o caminho
rasgando com seu corpo
as frestas que conduzem
do Mundo à Salvação…

Só temos de o seguir,
então porquê esperar?
Podemos começar
talvez neste Natal
olhando o tal bebé
tão semelhante a nós,
tão ávido de leite
e do amor da Mãe
mas contudo tão firme
tão forte na bondade
sereno na certeza
de que se ganha dando
e que as portas do Céu
estão desde sempre abertas
a quem se abre ao Amor.

19/12/2017

           Fernando Henrique de Passos









não podes vê-lo

mas sempre que estás com ele
vives um pouco mais de ti

e então respiras

o que ele é
veio através da chuva

e sobre ti
caiu

Carlos Lopes Pires


                    (a noite que nenhuma mão alcança, 2018)








Nascimento de Jesus num estábulo em Belém, perto de Jerusalém.

O PRIMEIRO NATAL DO MENINO JESUS

Que noite tão escura,
Menino Jesus!
E tu à procura…
Que procuras tu?

Teu berço vazio,
Maria a chorar…
Volta para a gruta,
Não ouves chamar?

É o teu Natal,
Tens de estar ali…
Como pode haver
Um Natal sem ti?

Pára de correr,
Menino Jesus,
Que ainda vais ferir
Teus pezitos nus…

Volta para a gruta
E terás imenso.
Tens à tua espera
Ouro, mirra, incenso…

Tens à tua espera
Pastores e pastoras,
Eles reverentes,
Elas protectoras…

Tens o S. José,
Que lá está também,
Mas, mais do que tudo,
Tens a tua Mãe!

É noite cerrada,
Já te vejo a custo.
Que buscas agora
Atrás desse arbusto?

“É uma ovelhinha,
Tinha-se perdido.
É o meu Natal?
Tinha-me esquecido…”

Já dormes de novo
No teu berço alvo.
Vela-te, a teus pés,
O bichinho salvo…

20/12/2010

         Fernando Henrique de Passos







AS PALMEIRAS

Também o deserto vem
do mar. Não sei em que navio,
mas foi desses lugares
que chegaram ao meu jardim
as palmeiras.
Com o sol das areias
em cada folha,
na coroa o sopro
ainda húmido das estrelas.
             
                     Eugénio de Andrade, Ofício de Paciência, p. 34.




Nossa Senhora do Ó ou da Expectação
 (séc. XIV)

«Está próxima a hora… e logo no meu corpo nascerá a criança divina para a salvação dos que praticam o mal. Dizia para si Maria, sem ninguém conseguir escutar a sua voz. E via, com um desmedido contentamento, o seu corpo a encher-se de uma forma ovalóide, sob os panejamentos de linho que a cobriam. Crescerá no meu ventre aquele que vem para perdoar, não para condenar, dizia a José, sorrindo. Então, a felicidade crescia nela e era tão funda que os seus olhos transbordavam de lágrimas brilhantes como o sol.»

               Teresa Ferrer Passos, Jesus até ao Fundo do Coração (romance), Lisboa, Chiado, 2016, p.39.






MEDITAÇÃO SOBRE O NATAL

( invoco, para a Musa, o 10 de Copas Arcano )
In memoriam de D. Manuel Martins
ao Padre José Tolentino Mendonça
de todo o coração, ao meu Irmão Luís André

«Felizes os que têm fome e sede de
justiça, porque serão saciados.»
                                                Mateus, 5, 6  


Uma Estrela me alumia
Nesta leira e neste vale.
Terça-feira, agora é dia,
Dizem todos: é Natal.

Que esta vida santa seja,
Pois há fome, no entanto,
Sete velas na igreja
Mas, ao lado, ali há pranto.

Passam damas e burguesas
Passeando o seu perfume:
Para o pobre, não há rezas,
Numa ceia, não há lume.

Mas se a Luz abençoada
É qual lavra e rouxinol,
Meus irmãos, é madrugada,
Miseráveis, vede o Sol.

E ó piratas da finança,
Capitalistas, ufanos:
Vai nascer uma criança
Para nós, samaritanos.

Ó riquezas do porvir,
Oligarquias, colectas:
O Menino vai florir
Té na lama das sarjetas.

Pois se, ó rico, ó farisaico,
O deus-cifrão te alicia,
- Ó primatas do prosaico,
O Natal é Poesia!!!!!!!!!!!

 MISERANDO ATQUE ELIGENDO

                                        Paulo Jorge Brito e Abreu


 


BOM NATAL NA PAZ DE JESUS CRISTO!

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

No Dia da Imaculada Conceição

 
«Vós estais, Senhor, sempre com Maria e Maria sempre Convosco e nem pode estar sem Vós: de contrário deixaria de ser o que é; ela está de tal modo transformada em Vós pela graça que ela não vive, que ela não existe, mas Vós somente viveis e reinais nela mais perfeitamente do que todos os anjos e bem-aventurados (…).»

«A Santíssima Virgem foi o meio de que Nosso Senhor se quis servir para vir a nós; deve ser também o meio de que nos devemos servir para ir a Ele.»

«A mais forte inclinação de Maria é unir-nos a seu Filho; o mais forte desejo do Filho é que venham a Ele pela Sua santa Mãe».


                            S. Luís Maria de Montfort, Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem Maria, pp. 65-66, 77 e 78.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

A Restauração de 1640 e D. Antão de Almada*




  Portugal elevava-se das sombras e do nevoeiro na hora em que as coroas de Portugal e Espanha se separaram. Foi a hora em que a conspiração organizada pela nobreza portuguesa na residência de D. Antão de Almada (onde agora nos encontramos reunidos) vibrou o grito de liberdade aclamando D. João, Duque de Bragança, rei de Portugal. O acto revolucionário de 1 de Dezembro de 1640, reerguia Portugal à sua dignidade de nação independente, após um cativeiro de sessenta longos anos. Como diria o Padre António Vieira, logo após regressar do Brasil para apoiar a revolução (num sermão proferido na capela real em 1641), «era empresa esta tão difícil, representava-se tão impossível ao discurso humano, que ainda agora parece que é sonho e ilusão». E mais adiante, acrescentava: «Da mesma maneira se deu princípio à redenção e restauração de Portugal, em tais dias e em tal ano, no celebradíssimo (ano) de 40, porque esse era o tempo oportuno e decretado por Deus; e não antes como os homens quiseram».
     Na verdade, depois da publicação mais ou menos clandestina ou camuflada de toda uma literatura de propaganda anti-espanhola - poesia, peças de teatro, tratados jurídicos, folhas volantes, etc -, depois da revolta popular do Manuelinho de Évora - que se estendeu a outras cidades do Alentejo e Algarve e que durou quase um mês -, não havia dúvida de que se o Povo, o desejava, a nobreza e o Duque de Bragança, legítimo herdeiro do trono de Portugal, não podiam deixar de tomar uma atitude inequívoca, logo que o momento o propiciasse.
     E, de facto, se Lisboa era «la mayor ciudad de Epanã», se «era a máquina insigne» com 130.000 vizinhos, 1130 quintas e uma outra cidade no magnífico estuário do Tejo, com um número espantoso de barcas e caravelas e galeras, como o reconhecia o espanhol Tirso de Molina na obra O Burlador de Sevilha, se como escrevera Camões, em Os Lusíadas «E tu nobre Lisboa, que no mundo / facilmente és princesa» ou ainda «Tu a quem obedece o mar profundo / obedeceste à força portuguesa»,  o golpe de Estado só aqui tinha condições para sair vitorioso.
     E é Oliveira Martins quem, na sua História de Portugal, nos lembra que «Portugal é Lisboa, e sem Lisboa não teria resistido à força absorvente do movimento de unificação do corpo peninsular». Contudo, sem a corte na aldeia podemos nós dizer que Lisboa seria por si só impotente para a recuperação da independência de Portugal. Foi precisamente essa corte sediada na solitária Vila Viçosa, a poucos quilómetros da não menos provinciana cidade de Évora, que a resistência ao ocupante se manteve durante tão difíceis anos, atenta às prepotências e às humilhações que nos levavam vidas em guerras que não eram as nossas e cumulavam de impostos os parcos haveres de artesãos e camponeses.
     A pensar no povo sofredor, os heróis do passado português são exaltados, pelos sabedores, como uma forma de perpetuar a esperança na libertação. Em 1610, Francisco Rodrigues Lobo publicava O Condestable de Portugal, em que se enaltecem os Braganças, simbolizados no seu herói de Aljubarrota e, em 1619, edita a Corte na Aldeia, outra apologia da língua e das preciosidades de Portugal. Em 1624, Manuel Bocarro, matemático e filósofo, profetiza a restauração, não por um D. Sebastião nunca mais visto, mas por alguém do seu sangue, a Descobrir… (na obra Anacefaleoses da Monarquia Lusitana). E, segundo a tradição, seria o Padre José de Anchieta a dizer: «O Exército perdeu-se em África, mas o Rei pode pôr-se a salvo: mas há-de andar muitos anos ausente do Reino, e só tornará depois de muitos trabalhos». Várias exortações de Portugal surgem em obras de Manuel de Faria e Sousa (1628), António de Sousa de Macedo (1631) e, tantos outros.

O Presidente da S.H.I.P., a autora e o apresentador A.M.Couto Viana

     A Revolução triunfante eclodiu em 1640, precisamente no dia 1 de Dezembro! Em dia de sábado! Os conspiradores, na casa do entusiástico D. Antão de Almada, escolheram este dia porque para eles era um dia muito especial, precisamente o dia da semana dedicado à Virgem Maria. A Virgem Mãe, venerada nos trovadores medievais galaico-portugueses e a quem D. Afonso Henriques, nosso primeiro rei, consagrou desde logo o Reino. A Virgem, honrada nos momentos mais decisivos da nossa história, com a construção dos mosteiros de Alcobaça, da Batalha e dos Jerónimos. A Virgem, a quem D. João, Duque de Bragança, e já rei D. João IV - o primeiro da 4ªdinastia da Casa de Bragança -  confirmado pelas Cortes, reunidas em Lisboa, em 1641, viria a consagrar o reino de Portugal, no santuário da pequena Vila Viçosa, com a designação de Rainha e Padroeira de Portugal. A Virgem, cujas aparições aos pequenos pastores na serra de Aire, no lugar de Fátima, revelou a sua dedicação aos Portugueses, conferindo a este cantinho serrano de Portugal um carácter cosmopolita.
     Foi este dia de sábado - o 1º dia do mês de Dezembro - talvez o mais desejado de toda a História de um Portugal, com quase nove séculos de história! No passado, como em tempos mais recentes,  muitos escritores se inspiraram no tema do Desejado ou no mito Sebastianista, o mito da espera de um salvador da Pátria. Após a queda da Monarquia, alcançada, por um lado, em consequência do criminoso atentado que tirou a vida ao rei D. Carlos I e ao Príncipe herdeiro D. Luis Filipe, e, por outro, devido à revolução militar republicana, levada a cabo dois anos depois, em 5 de Outubro de 1910 (é de salientar que não se deveu o fim do Regime monárquico à inexistência de parlamentarismo democrático, pois este já existia desde 1820, mas pelo qual o partido republicano perdia sempre as eleições, em favor de outros partidos), muitos escritores se inspiraram nas suas obras nessa sebástica espera.

A autora e D. Lourenço de Almada, 6º conde de Almada

     Lembro, a propósito, o poeta Mário Beirão ao publicar, em 1917, O Regresso, de que destacamos estes versos : «O Povo acorda: e acordado, / Abraça em sua saudade, / A manhã de claridade / Desse dia desejado!». Recordo ainda uma peça de Natália Correia que titulou O Encoberto e foi publicado em 1969. Nessa peça, descobrimos uma esperança messiânica ou sebastianista para afirmar a liberdade face ao estrangeiro. A personagem Bonami-Rei, representando D. Sebastião, dirá: «Malditos os que sob a aparência do humilhado não conhecem a grandeza do Rei!(…) Fui todos os vagabundos. Todos os canalhas. Todos os famintos. Todos os ofendidos. Agora posso ser todos. Agora posso ser rei». E até já na era futura dos visitantes do Espaço, ainda, todos cravando os olhos no céu dirão: «É ele, o Rei que sempre volta quando o mundo tem o rosto de uma hiena». E uma personagem insiste: «Por ele enfrentaremos os grandes homens do momento». E depois, todos exclamam: «Que apodreçam os olhos que não aguentam este esplendor da liberdade!».
     Também no drama Erros Meus. Má Fortuna. Amor Ardente (1981), Natália Correia proclamará, mais uma vez, e através da personagem designada 2ª Mulher do povo: «Possa a nossa dor ressuscitar o Rei para que ele perpetue o nosso antigo sangue».

S.A.R. Dom Duarte, Duque de Bragança, a usar da palavra
como Presidente da sessão, no Sala Nobre da S.H.I.P.

     Que esta pequena monografia que titulei A Restauração da Independência de 1640 e D. Antão de Almada possa augurar ao Senhor D. Duarte, Duque de Bragança, num futuro breve, a restauração da Monarquia, pela qual o Povo de Portugal continua a esperar, não pelos meios violentos e envoltos em sangue, usados para a implantação da República, mas pelo processo democrático da eleição por sufrágio universal, através do meio constitucional em vigor, e que é a eleição para a Chefia do Estado.

Teresa Ferrer Passos
                                                                 
                                                 







* Este texto foi lido pela autora, no dia 21 de Maio de 1999, no Palácio da Independência, em Lisboa, por ocasião do lançamento do livro A Restauração de 1640 e D. Antão de Almada (Universitária Editora, 1999). A sessão foi presidida por SAR Dom Duarte, Duque de Bragança e a Apresentação do livro esteve a cargo do Poeta António Manuel Couto Viana.

domingo, 26 de novembro de 2017

A Restauração da INDEPENDÊNCIA em 1 de Dezembro de 1640


A RESTAURAÇÃO E O IMPÉRIO*

D.João IV - azulejo no Palácio Galveias, Lisboa

   O movimento restaurador da independência nacional levado a cabo com pleno êxito na manhã de 1 de Dezembro de 1640, não constitui exclusivamente um momento de exaltação patriótica contrário à usurpação da Coroa portuguesa pela castelhana. É um facto que, após o malogro das intervenções aguerridas de D. António, Prior do Crato, os portugueses aceitaram a situação político-institucional a que tinham chegado por negligência, por inércia ou por abdicação. Contudo, à medida que os anos decorriam, a submissão ao país vizinho começou a ter largos custos porque as potências inimigas de Castela atacavam o nosso disperso e vasto Império ultramarino.

   Os ataques aos nossos galeões quando estes se deslocavam da Índia para Lisboa, os assaltos às fortalezas onde permanecíamos desde o dealbar do séc. XVI, no Brasil e no Oriente, reduziram para um terço o tráfico com Lisboa, porquanto as especiarias, o ouro e muitos outros produtos dessa rota, eram transportados pelas bem apetrechadas embarcações inglesas, holandesas e francesas. O decréscimo das receitas oriundas do Brasil, de Angola, da Guiné ou de Goa atingiam os interesses da Coroa, da nobreza, da burguesia comercial, do clero nacionais, Os escravos, o açúcar, o tabaco já não constituíam as grandes fontes de riqueza detidas até aos primeiros anos do séc. XVII.

   Entre 1620 e 1630, a situação agravou-se com as perseguições movidas pelos espanhóis e pela Inquisição contra os portugueses estabelecidos no México e no Perú. Com o pretexto de prática de judaísmo, a comunidade portuguesa no Perú foi praticamente dizimada no ano de 1635.

   A investida contra as zonas dominadas por Portugal repercutia-se na situação económica nacional. Sem produzir os bens de consumo indispensáveis, não chegando ao reino as matérias-primas com que se saldariam as contas contraídas com o exterior, o país era sobrecarregado por impostos exorbitantes. Sem uma frota eficiente, com os soldados dispersos pelas frentes de combate de maior interesse para Castela, não auferindo os grupos sociais empenhados nas rendosas tarefas comerciais-marítimas, os lucros provenientes das suas actividades atlânticas e no Índico, gerou-se uma ambiência de descontentamento, a que não foram alheias as categorias populares gravosamente atingidas pelo declínio do seu poder de compra e pelas provocantes arbitrariedades governativas de Castela.

   A crise financeira, eclodindo a partir da década de 1620, era simultânea à derrocada da presença portuguesa no Oriente, em África, no Brasil: em 1622, Ormuz foi tomada pelos persas; Goa foi bloqueada por uma força anglo-holandesa, em 1623; o rei de Achém atacou, em 1629, Malaca. O próprio comércio com o Japão foi cerceado. Entre 1637 e 1638, os entrepostos africanos de S. Jorge da Mina e Arguim foram assaltados pelos holandeses, que no Brasil tinham já tomado as cidades de Olinda e Recife, no ano de 1630.

   O desmoronamento dos domínios além-mar reflectia-se na vida de todos os portugueses sem excepção. Intérpretes do sentimento de frustração que a Nação vivenciava, um grupo de nobres e letrados desencadeou, sob a chefia do Duque D. João de Bragança, a insurreição que iria dar a Portugal a dignidade perdida após a fatídica aventura de Alcácer-Quibir.


Teresa Bernardino**




* Publicado no jornal Consciência Nacional, Março de 1986.

** Heterónimo de Teresa Ferrer Passos.