Santa Teresa do Menino Jesus
e a força dos seus pequenos caminhos
de Teresa Ferrer Passos
(alguns excertos)
(alguns excertos)
«Como é agradável dar o que temos dentro do nosso ser. Dividir com aqueles que estão mais ou menos próximos é uma obsessão para Teresa do Menino Jesus. Que alegria dividir aquilo que passa pelas suas emoções. Que conforto dividir os seus sentimentos, as suas lágrimas de dor ou de alegria.» (p. 9)
«Os pensamentos que lhe percorreram a alma, a mais retirada das moradas, estão nas folhas deste caderno íntimo. E precisamente para os oferecer à Virgem Maria que lhe sorri e, desse modo singelo, lhe mostra que a quer escutar, que a quer pronta a dialogar com ela.» (p. 14)
«A pequenez a que sempre se reduziu Maria de Nazaré, apesar de ter sido a eleita para Mãe do Filho de Deus, conforme a anunciação do anjo, era fascinante para a Irmã Teresa do Carmelo de Lisieux. O amor aproxima e dá intimidade mesmo ao mais distante, mesmo ao mais alto dos seres. Eis por que Maria estende os seus braços aos pequenos, esses que não são mais do que os desprezados, os perseguidos, os ignorados. Lembremos estes versos: "Junto de ti, Maria, gosto de permanecer pequena". E também: "O teu olhar maternal desvanece os meus receios"» (p. 36)
«A constância do sentimento de abandono, em grande parte da sua poesia ou nos manuscritos autobiográficos, vive na procura contínua da mãe, presente na "mater originalis", em que se torna Maria. Ao procurá-la, no profundo da alma descobre o caminho do Esposo que é o próprio Deus, como Jesus ensinou, o Pai que apresenta, numa osmose absoluta, a venturosa e cheia de graça "mater", presente em Maria.
«Os pensamentos que lhe percorreram a alma, a mais retirada das moradas, estão nas folhas deste caderno íntimo. E precisamente para os oferecer à Virgem Maria que lhe sorri e, desse modo singelo, lhe mostra que a quer escutar, que a quer pronta a dialogar com ela.» (p. 14)
«A pequenez a que sempre se reduziu Maria de Nazaré, apesar de ter sido a eleita para Mãe do Filho de Deus, conforme a anunciação do anjo, era fascinante para a Irmã Teresa do Carmelo de Lisieux. O amor aproxima e dá intimidade mesmo ao mais distante, mesmo ao mais alto dos seres. Eis por que Maria estende os seus braços aos pequenos, esses que não são mais do que os desprezados, os perseguidos, os ignorados. Lembremos estes versos: "Junto de ti, Maria, gosto de permanecer pequena". E também: "O teu olhar maternal desvanece os meus receios"» (p. 36)
«A constância do sentimento de abandono, em grande parte da sua poesia ou nos manuscritos autobiográficos, vive na procura contínua da mãe, presente na "mater originalis", em que se torna Maria. Ao procurá-la, no profundo da alma descobre o caminho do Esposo que é o próprio Deus, como Jesus ensinou, o Pai que apresenta, numa osmose absoluta, a venturosa e cheia de graça "mater", presente em Maria.
Na verdade, Jesus personifica, Jesus materializa o Pai. Como Teresa escreve no poema «O que verei em breve…», a sua alma sedenta, também ela, como Jesus, sedenta de amor, almeja «amar Jesus e fazê-l’O amar», sempre na busca d’ Aquela que está junto dele, a Mãe.» (p. 38)
«É como ser humano que Deus se revela, não na sua Majestade divina; é o recém-nascido que se apresenta ao mundo, através da estrela condutora dos pastores da Judeia e dos magos do Oriente. Esse Filho de Deus que, carregando, nos braços, a cruz sacrificial dos pecadores, é ainda ele que, na hora do seu nascimento, estende os bracinhos e estica as suas mãozinhas para abraçar a humanidade, como uma qualquer criança carecida de amor.» (p. 47)
«Porque vive a força irresistível do amor, a descer das águas férteis do tempo da infância, Teresa faz do Amor a graça maior que recebe do céu. Um céu, sem dúvida, do tamanho do pequeno grão de mostarda. Esse é verdadeiramente o seu Céu, cheio de encantos. É um «grão de mostarda» o seu Céu, como ensinara Jesus. Tão pequenino. É nele que um dia espera entrar, pois uma alma de criança está viva no seu coração. A criança que o Menino Jesus representa no cognome que escolheu, continua exuberante, não deixa de a habitar. Dissera Jesus que só com a transparência de sentimentos de uma criança, um adulto pode ter entrada no reino de Deus.» (pp. 48-49)
«Na espiritualidade de Teresa do Menino Jesus, a pessoa humana será tanto maior quanto mais se mantiver fiel à personalidade da primeira infância. O protótipo é o Jesus-Menino, ele mesmo presente em Jesus até à sua morte e ressurreição. E a cruz tem em si mesma o sentido do espírito da criança submissa, o filho obediente, o menino cheio de confiança no Pai, o Pai a tornar-se Filho: «O Deus cuja omnipotência/ Detém as vagas que rugem / Tomando os traços da infância / Quer tornar-se fraco e pequeno». Na espera da sua libertação final depois de afastar d’Ele «aquele cálice», Jesus continua a obedecer como uma criancinha.» (p. 49)
«Neste êxtase de amor, Teresa aproveita para lembrar uma frase de S. João da Cruz, místico que relê sempre com enlevo desmedido: " 'O mais pequeno movimento de PURO AMOR lhe é mais útil do que todas as outras obras conjuntas' ". Contudo, vai mais longe, num arrojo de humildade, ao pressupor a atitude da tão abundante e fértil misericórdia de Jesus: "Sinto que por impossível se encontrasses uma alma mais fraca, mais pequena do que a minha, te deliciarias a cumulá-la de favores ainda maiores, se ela se abandonasse com inteira confiança à tua misericórdia infinita".
Na espiritualidade teologal da Irmã Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, a humildade é a suprema lei do amor. O amor nela se projectava como um espaço infinito. Com Jesus, as condições passaram a existir para a humanidade conseguir crescer até ao seio do Eterno. Estava ao alcance dos mais "pequenos" a comunhão entre eles e o Pai. O amor de Deus pelos seus filhos fora dado a conhecer por Jesus, num testemunho sublime de vida e de morte.» (pp. 56-57)
«O espaço sagrado crescia no imaginário de Teresa incessantemente. A realidade mostrava que ela se sentia "tão fraca, tão frágil", que só encontrava a força necessária para viver no sustentáculo sacro de Deus. Como ela "para sempre queria unir-se á Força Divina!...", como ela procurava no vasto oceano da divindade de Jesus umas gotinhas de água viva, regeneradora e revigorante.» (p. 57)
«"Viver de Amor, é enxugar-Te a Face" escreve Teresa. Enxugar essa Face de Jesus a gotejar suor e sangue e água, durante o tormento da via sacra e também nas horas que se seguiram. Essa Santa Face de Jesus, a espelhar toda a dor humana e todo a dor divina ante o pecado aviltante da humanidade, a indiferença que renegou Deus, que esqueceu o seu Amor de Pai. De facto, como acentua Emmanuel Levinas, "na expressão [da face], o ser que se impõe não limita, mas promove a minha liberdade, suscitando a minha bondade". O convívio, no próprio nome e na devoção, com a Face de Jesus gera mais uma fonte de santidade, fonte essa que provoca a mudança do ser imperfeito e o aproxima do Santo.» (pp. 62-63)
«O Amor Nupcial é um amor pronto, incondicional, disponível, capaz de tudo receber e de tudo dar. É um amor pleno de ingenuidade, de benquerença e de bem julgar, um amor aberto para edificar a comunhão da Esposa e do Esposo, como se fosse de uma mãe e de um filho. Ambos se tocam como um amor sem limites no sofrimento, na abdicação, na audácia. Os sofrimentos, os martírios não os enfraquecem, antes os fortificam e os absolutizam.
«É como ser humano que Deus se revela, não na sua Majestade divina; é o recém-nascido que se apresenta ao mundo, através da estrela condutora dos pastores da Judeia e dos magos do Oriente. Esse Filho de Deus que, carregando, nos braços, a cruz sacrificial dos pecadores, é ainda ele que, na hora do seu nascimento, estende os bracinhos e estica as suas mãozinhas para abraçar a humanidade, como uma qualquer criança carecida de amor.» (p. 47)
«Porque vive a força irresistível do amor, a descer das águas férteis do tempo da infância, Teresa faz do Amor a graça maior que recebe do céu. Um céu, sem dúvida, do tamanho do pequeno grão de mostarda. Esse é verdadeiramente o seu Céu, cheio de encantos. É um «grão de mostarda» o seu Céu, como ensinara Jesus. Tão pequenino. É nele que um dia espera entrar, pois uma alma de criança está viva no seu coração. A criança que o Menino Jesus representa no cognome que escolheu, continua exuberante, não deixa de a habitar. Dissera Jesus que só com a transparência de sentimentos de uma criança, um adulto pode ter entrada no reino de Deus.» (pp. 48-49)
«Na espiritualidade de Teresa do Menino Jesus, a pessoa humana será tanto maior quanto mais se mantiver fiel à personalidade da primeira infância. O protótipo é o Jesus-Menino, ele mesmo presente em Jesus até à sua morte e ressurreição. E a cruz tem em si mesma o sentido do espírito da criança submissa, o filho obediente, o menino cheio de confiança no Pai, o Pai a tornar-se Filho: «O Deus cuja omnipotência/ Detém as vagas que rugem / Tomando os traços da infância / Quer tornar-se fraco e pequeno». Na espera da sua libertação final depois de afastar d’Ele «aquele cálice», Jesus continua a obedecer como uma criancinha.» (p. 49)
«Neste êxtase de amor, Teresa aproveita para lembrar uma frase de S. João da Cruz, místico que relê sempre com enlevo desmedido: " 'O mais pequeno movimento de PURO AMOR lhe é mais útil do que todas as outras obras conjuntas' ". Contudo, vai mais longe, num arrojo de humildade, ao pressupor a atitude da tão abundante e fértil misericórdia de Jesus: "Sinto que por impossível se encontrasses uma alma mais fraca, mais pequena do que a minha, te deliciarias a cumulá-la de favores ainda maiores, se ela se abandonasse com inteira confiança à tua misericórdia infinita".
Na espiritualidade teologal da Irmã Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, a humildade é a suprema lei do amor. O amor nela se projectava como um espaço infinito. Com Jesus, as condições passaram a existir para a humanidade conseguir crescer até ao seio do Eterno. Estava ao alcance dos mais "pequenos" a comunhão entre eles e o Pai. O amor de Deus pelos seus filhos fora dado a conhecer por Jesus, num testemunho sublime de vida e de morte.» (pp. 56-57)
«O espaço sagrado crescia no imaginário de Teresa incessantemente. A realidade mostrava que ela se sentia "tão fraca, tão frágil", que só encontrava a força necessária para viver no sustentáculo sacro de Deus. Como ela "para sempre queria unir-se á Força Divina!...", como ela procurava no vasto oceano da divindade de Jesus umas gotinhas de água viva, regeneradora e revigorante.» (p. 57)
«"Viver de Amor, é enxugar-Te a Face" escreve Teresa. Enxugar essa Face de Jesus a gotejar suor e sangue e água, durante o tormento da via sacra e também nas horas que se seguiram. Essa Santa Face de Jesus, a espelhar toda a dor humana e todo a dor divina ante o pecado aviltante da humanidade, a indiferença que renegou Deus, que esqueceu o seu Amor de Pai. De facto, como acentua Emmanuel Levinas, "na expressão [da face], o ser que se impõe não limita, mas promove a minha liberdade, suscitando a minha bondade". O convívio, no próprio nome e na devoção, com a Face de Jesus gera mais uma fonte de santidade, fonte essa que provoca a mudança do ser imperfeito e o aproxima do Santo.» (pp. 62-63)
«O Amor Nupcial é um amor pronto, incondicional, disponível, capaz de tudo receber e de tudo dar. É um amor pleno de ingenuidade, de benquerença e de bem julgar, um amor aberto para edificar a comunhão da Esposa e do Esposo, como se fosse de uma mãe e de um filho. Ambos se tocam como um amor sem limites no sofrimento, na abdicação, na audácia. Os sofrimentos, os martírios não os enfraquecem, antes os fortificam e os absolutizam.
Sofrer como Jesus e amar como Jesus, na esperança do reencontro dos esposos ou do reencontro da mãe e do filho. Amor físico/Amor espiritual: As equivalências e paralelismos poderiam continuar a descrever-se. O verdadeiro amor a partir da carne cresce no invólucro do espiritual. A noiva ama já como se fosse esposa, a mulher ama já o filho como se fosse mãe. A paixão de Jesus identifica-se com a paixão do esposo e com a paixão da maternidade.» (pp. 69-70)
«Aquilo que Teresa mais ambicionava era atrair pecadores e fazê-los amar aquele Pai carente, o Pai vítima da sua indiferença e do seu desdém. Por isso, começava ela própria por dar o exemplo, ao amá-los; quem lhe diria se não acabariam por serem capazes de, também eles, amarem o Pai? Daí, escrever: "Procuro fazer da minha vida um acto de amor". Tal é a intensidade do sentimento do amor espiritual de Teresa que chega a confundir-se com a força de um amor de natureza matrimonial, o que lhes dá uma força psicológica de sentido absoluto.» (p. 79)
In Teresa Ferrer Passos, Santa Teresa do Menino Jesus e a Força dos Seus Pequenos Caminhos, Edições Carmelo, 2013
«Aquilo que Teresa mais ambicionava era atrair pecadores e fazê-los amar aquele Pai carente, o Pai vítima da sua indiferença e do seu desdém. Por isso, começava ela própria por dar o exemplo, ao amá-los; quem lhe diria se não acabariam por serem capazes de, também eles, amarem o Pai? Daí, escrever: "Procuro fazer da minha vida um acto de amor". Tal é a intensidade do sentimento do amor espiritual de Teresa que chega a confundir-se com a força de um amor de natureza matrimonial, o que lhes dá uma força psicológica de sentido absoluto.» (p. 79)
In Teresa Ferrer Passos, Santa Teresa do Menino Jesus e a Força dos Seus Pequenos Caminhos, Edições Carmelo, 2013
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Outro aparente pequeno pormenor foi a Noite de Natal de 1886 em que o seu sempre tão amoroso pai, estranhamente, ao chegarem a casa vindos da Missa do Galo, disse: «Felizmente que é a última vez». Ora, com esta frase inesperada, parecia estar cansado da alegria com que eram recebidos “os presentes do Menino Jesus”, colocados por ele na chaminé. E com que entusiasmo Teresa se preparava para ir, cheia de curiosidade, ver “os presentes” que a esperavam naquela Noite maravilhosa! As lágrimas derramou-as de imediato. Perante o desabafo do pai da sua “rainhazinha” (tratamento carinhoso usual), pareceu a Teresa que no mundo alguma coisa acabara; mas, precisamente nessa hora, percebia que se iniciava, como ela escreve, «uma corrida de gigante»[2] e, sem dúvida, para o Carmelo de Lisieux.
Este facto tornou-se mais um sinal de que o Céu queria dela uma grande missão, mas essa grande missão implicava um grande amor a Jesus. Tão grande que, ela precisava de o receber do céu para depois o dar; como ela era pobre de amor; e a sua vontade era oferecer um grande amor a Jesus, esse amor a crescer devagar, como achava, apesar de vir da infância.
Com treze anos, corria o ano de 1886, Maria Francisca Teresa Martin (este o seu nome de baptismo) sentia já a revelar-se na sua pequena alma a intervenção de Jesus. Foi assim que ela começou a preparar-se para ser, um dia, «um pescador de almas». Então «sente o grande desejo de trabalhar pela conversão dos pecadores»[3]. O seu afecto conduzia-a à ideia de levar o Evangelho[4] aos que não o conheciam, até aos confins do mundo. O sentimento do amor e o Evangelho entrelaçavam-se. Pareciam confluir, quase sem se distinguirem, como se fossem dois rios a alimentar-se mutuamente.
Vencendo todos os obstáculos, Teresa Martin recebe licença de ingressar no Carmelo nos fins de 1887, pouco antes de fazer quinze anos. A oração fora uma das suas armas subtis. Mas as suas orações não se limitavam às aprendidas, decoradas e repetidas nos ofícios religiosos. Para Teresa do Menino Jesus e da Santa Face − o nome que adopta com a cerimónia da Profissão no Carmelo − a oração significa muito mais.
Ela ora em cada momento do dia: fazendo perguntas a Jesus, meditando nas suas palavras, sobretudo aquelas em que Ele se mostra ávido de amor, Ele que era a imagem do Pai, a imanência do céu, uma face para dialogar e a receber inspiração do Espírito Santo. A oração, um dos pequenos caminhos de Teresa, era uma conversa íntima com a face de Jesus, com a face cheia de carinho da Santíssima Virgem Maria, com o rosto de um santo.
Foi a Cruz de martírio, de entrega e de abandono aos outros levada por Jesus, que Teresa Martin quis ajudar a transportar sem hesitações, no Carmelo de Lisieux, depois de vencer as dificuldades para entrar na Ordem onde só se podia ingressar aos 18 anos. A verdade é que Teresa ia ainda fazer quinze anos. Mas como ela ambicionava transportar nos seus ombros frágeis a barca do seu sonho, a barca da sua Vocação. E a sua Vocação era o AMOR. Na verdade, sublinhará nos seus Manuscritos: «O grito de Jesus na Cruz ecoa continuamente no meu coração»[7]. E que grito é esse? «Tenho sede, tenho sede». E Teresa, num impulso inesperado, acrescentará: «Tenho sede de Amor».
A vocação do Amor tornara-se, nesta jovem nascida a respirar uma religiosidade vivenciada por toda aquela família, um verdadeiro apelo, uma verdadeira aposta de vida que ela não pode adiar, não quer adiar… Mas como dar asas à vocação, se só aos dezoito anos podia entrar na Ordem Carmelita? Como continuar a sentir uma solicitação do céu e nada fazer?! Como não corresponder de imediato, como permanecer por mais tempo fora daquela pequena «montanha», daquele pequeno caminho de palavra e de acção para servir o Evangelho de Jesus?
Todos os dias sentia que o estudo escolar já não cabia no grande plano de Deus para ela: tão fraca, tão intranquila, tão inquieta! E pensava a toda a hora nas palavras de Jesus na Cruz, em agonia, ali pregado para salvar os pecadores: «Tenho sede». Afinal, o Amor de que falara e que no seu Calvário testemunhava, como o revelaram os apóstolos, só tinha uma finalidade: perdoar o mal cometido pelos pobres de espírito, os pecadores. Não, o purgatório é impossível. E o inferno, que imagens tão avessas a Jesus, pensava Teresa! E pensava: «o Fogo do Amor é mais santificante que o do Purgatório» (…) «Sei que Jesus não pode desejar para nós sofrimentos inúteis»[8].
É com este espírito imbuído desse Amor novo que Jesus veio transmitir aos que o escutaram que Teresa, ao saber do triplo assassinato do criminoso Pranzini, começou a orar, numa inquietação, num desassossego. Era, a sua, uma desesperada oração. Temia a ida deste pecador para o inferno, que não redimia e donde não havia regresso. Por isso, pedia no Carmelo que rezassem missas. Um dia viu no jornal La Croix que Pranzini, ao chegar ao cadafalso, pedira uma cruz e beijara as chagas de Jesus! Mais um sinal, mais um sinal de amor do bom Jesus pela sua discípula, a sua missionariazinha ainda que ainda só pelo pequeno caminho da oração! Mas, se Teresa sentia que o seu amor por Jesus era muito, também achava que isso não se devia aos seus próprios méritos. Ela tão sensível, tão impaciente, tão impetuosa! Como se sentia sempre insatisfeita consigo própria! Se tanto Amor sentia, só podia ser porque Jesus a penetrara e a habitara; de facto, ela abrira-lhe o coração, ela abandonara-se-lhe (como uma criança se abandona nos braços da mãe): «Como vós me amais, preciso de empregar o vosso próprio amor»[9].
Teresa vê que cresce a sua confiança, e na confiança, forma-se uma relação íntima com Jesus e Sua Mãe, que Teresa vê como sendo «muito mais Mãe do que Rainha», de tal maneira ela a sentia uma verdadeira mãe. O sentido humano de Maria é uma evidência para Teresa Martin. Assim, a via do Amor é a bússola que orienta e que traça todo os pequenos caminhos percorridos por Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, admitida na Ordem Carmelita, a 9 de Abril de 1888. Tinha Teresa acabado de completar quinze anos!
«Permiti-me entrar no Carmelo… Permiti…» disse Teresa tremendo. O Papa: «Vamos! Vamos! Há-de entrar, se Deus quiser…». Resposta reservada. E Teresa ficava na dúvida, mas tinha a consolação de ter tentado tudo! Fora o último recurso. Acabava de seguir o caminho da perseverança, o caminho da esperança e o caminho da vontade. A seguir os seus pequenos caminhos, Teresa obteria, em pouco mais de um mês, o seu desejo, o desejo que vinha do mais fundo do seu coração. A Audiência Papal fora no dia 20 de Novembro. A 28 de Dezembro de 1887, a Madre Maria de Gonzaga recebe uma carta do Bispo dizendo-lhe que Teresa podia entrar no Carmelo. A sua ousadia valera a pena!
Fazer missão, sem sair da cela do convento de Lisieux, tornou-se-lhe mais um pequeno caminho, mais um pequeno caminho ditado por Jesus e seguido com o amparo da mãe reencontrada na verdadeira Mãe, essa Virgem Maria que chora, que se afligira, que se angustia, mas também confia na sua própria missão! Enfim, uma Mãe dolorosíssima na sua humanidade porque vira morrer o filho inocente e mártir, uma Mãe que vira com os próprios olhos o suplício de Jesus até expirar no desprezível madeiro.
A dolorosíssima doença não a consegue esmorecer. Não vacila. E é em pleno sofrimento que escreverá a sua «pequena doutrina», um dos seus pequenos caminhos, a que não falta a novidade de um cristianismo terra a terra, revestido de pequenas acções, de pequenos gestos de amor, muito mais do que alicerçado em longas teorias fundamentadas em sofisticadas erudições!
A missão transfere-se para um amanhã em que ela do céu não deixará de vigiar e proteger, porque o seu desejo às portas ensanguentadas da morte é «passar o seu Céu fazendo o bem sobre a terra». Teresa leva nos seus manuscritos a Boa Nova de um Deus que se emociona e se chama Jesus. Como ele sofre, como geme de dor, dando a vida pelos amigos para salvar do castigo os que até não o reconhecem, os que o insultam e o desprezam.
Entregue à missão de dar a conhecer Jesus sem sair da sua cela do convento de Lisieux, Teresa seria proclamada por Pio XI, Padroeira de todos os missionários, homens e mulheres e das Missões, em 1927, dois anos após a sua canonização pelo mesmo Pontífice, em 1925. Hoje, continua a sua missão na Igreja, à qual ela chama a Mãe de todos. Ela continua, hoje, a ter a admiração de muitos no mundo laico; e, em especial, a consagração dos últimos Papas. Continua a ser escutada na sua obra impressa, a ser olhada nas muitas fotografias publicadas numa qualquer esquina das auto-estradas internéticas. Tudo isto, tendo como ponto de partida os textos escritos sem sair da sua pequena cela do convento de Lisieux.
Ela faz ainda missão e é bem actual na referência às mulheres dos fins do século XIX, vítimas de exploração do homem, perseguidas, indefesas perante a Lei. Com que ardor condena o despotismo dos que não as reconhecem nos seus direitos mais elementares. As mulheres, lembra Teresa de Lisieux, até tiveram mais coragem do que os Apóstolos, pois «aguentaram os insultos dos soldados e ousaram enxugar a Face adorável de Jesus»[11]. E, com que entusiasmo e veneração canta poemas à Mulher única, essa Mulher que se parece tanto com os tristes, os atormentados, os que estão a viver uma angústia sem fim, essa Mulher que se comove, que ouve o abandonado e lhe sorri, essa confidente, essa Mulher que a abraça com o olhar e sorri na tormenta, essa Mulher que é Maria, a Mãe de Jesus, a Mãe de Deus!
A propósito, não podemos deixar de assinalar a curiosa comunhão da doutrina espiritual de Santa Teresa do Menino Jesus com o pensamento de S. Boaventura[12] (1217-1274), frade franciscano, Doutor da Igreja, autor de Itinerarium Mentis, obra que defende a via do Amor (a via da fraternidade) como «o fim último do homem», considerando-o como mais forte que a razão e a emoção. Dizia S. Boaventura, outro santo bem actual, que o amor «ainda enxerga» aquilo que permanece inacessível à razão: «Na noite escura da Cruz aparece toda a grandeza do amor divino». E defende, como parafraseava o Papa Bento XVI, ao estudar a sua obra, «o caminho da razão é superado pelo Amor de Cristo crucificado». E, mais adiante, alerta: «Somente com as nossas forças, não podemos subir rumo à altura de Deus. Deus mesmo deve-nos ajudar, deve "levar-nos" para o alto. Por isso é necessária a oração». «A oração − assim diz o Santo − é a mãe e a origem da elevação»[13].
Ora, estas ideias eram perfilhadas por Santa Teresa de Lisieux. No Itinerarium Mentis, a subida até à montanha de Deus, implicava a graça, o desejo, a emoção, o amor, ou seja, a ajuda do Cristo, como também realçou Teresa do Menino Jesus. E, contrariamente à corrente franciscana que seguia a teoria de Joaquim de Fiore (1132-1202), coloca-nos já na Idade do Espírito Santo, não se distinguindo esta da Idade do Deus-Pai (Antigo Testamento) e da Idade do Filho, Jesus Cristo (Novo Testamento). O futurismo da Idade do Espírito Santo não se põe para S. Boaventura, como acontecia no pensamento do também franciscano Joaquim de Fiore[14].
Na sua batalha de amor e pelo amor, Teresa, como Boaventura, em cada verso dos seus belos poemas, a cada passagem das suas orações dialogantes ou da sua autobiografia, invocava os muitos sentidos do Amor que se estendiam de Jesus ao Pai e ao Espírito Santo, sem possuírem tempos diferentes ou Idades distintas, mas sim com uma única dimensão do temporal. Assim, Santa Teresa do Menino Jesus inseria-se na linha do sentido da importância do Amor em S. Boaventura.
A actualidade do conceito de Amor em Teresa de Lisieux não podia deixar também de estar presente em numerosas passagens da primeira Exortação Apostólica − A Alegria do Evangelho do Papa Francisco[15]. Colocando o Amor como a mola mais forte da humanidade, Santa Teresa de Lisieux será uma dos sustentáculos da doutrina exposta pelo actual Papa nesta sua notável Exortação Apostólica[16]. Na verdade, para ambos, o rosto do próximo, o outro, espelha o próprio rosto de Jesus e este não é mais do que a face visível de Deus.
Num outro plano, a missão evangelizadora de Santa Teresa do Menino Jesus colhe impacto em muitas nações com os primeiros milagres alcançados poucos anos após a sua morte. Lembremos, a recuperação da visão por uma criança cega ao ter permanecido junto da sua campa. Não menos notáveis foram as conversões em massa no Oriente. Uma devoção popular surgia muito rápida após a publicação dos seus Manuscritos Autobiográficos com o título de História de uma Alma, em 1901 (quatro anos após a sua morte).
Hoje mesmo as suas relíquias[17] visitam muitos países, com grande adesão à sua presença. Os altares das igrejas elegem Santa Teresinha e as suas pequeninas rosas[18] como um forte motivo de culto. A sua obra não deixa de inspirar historiadores, teólogos e filósofos, ávidos de decifrarem a sua personalidade e de explicarem a sua fulgurante popularidade. A pequena teoria do Amor mereceu longas referências de quase todos os Papas do século XX e dos princípios do XXI. Vários motivos poderão explicar, como vimos nesta breve reflexão, a actualidade inquestionável de Santa Teresa de Lisieux. Lembramos ainda que ela condenou as práticas das pesadas penitências, dos castigos corporais infligidos pelos monges e recusou ver em Deus um Deus castigador onde existia só um Deus de misericórdia; com Jesus, Deus é um Pai que ama e que só se quer ver amado no rosto dos outros, nos rostos daqueles que sofrem, que foram abandonados, que são perseguidos porque são fiéis à verdade, à pureza, à humildade.
Com Teresa nascia toda uma doutrina de vida para a conquista da santidade; relevamos nela a espantosa acessibilidade ao delinear-se com pensamentos profundos, mas expressos com as mais simples palavras. Talvez por essa razão, Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, esteve sempre muito atento, seguindo-a, igualmente, com o seu sorriso e abnegação nos sofrimentos da grave doença que o levaria à morte. A revelá-lo, a Homilia de 19 de Outubro de 1997[19], em que Wojtyla atribuiu a Santa Teresa de Lisieux o título de Doutora da Igreja com uma vasta argumentação: «Ela fez resplandecer no nosso tempo o fascínio do Evangelho»; «Tornou-se um ícone vivo daquele Deus que mostra o seu poder sobretudo no perdão e na misericórdia»; «Fez ver a importância que as fontes bíblicas têm na vida espiritual»; «Pôs em evidência a originalidade e o vigor do Evangelho». Neste longo texto sobre a actualidade de Teresa, salientava João Paulo II este seu pensamento lapidar: «Compreendi que só o amor fazia actuar os membros da igreja e que se o amor viesse a extinguir-se, nem os Apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho, nem os mártires a derramar o seu sangue»[20].
Na «Pequena doutrina», como lhe chamava, Teresa inscrevia a «CIÊNCIA do AMOR», a ciência que a nenhuma outra se equipara. Não escrevia ela que a Jesus bastava «lançar flores, não deixar escapar um pequeno sacrifício, nenhum olhar, nenhuma palavra, e valer-se de todas as pequenas coisas e fazê-las por amor»[21]? Não eram esses pequenos caminhos − na aparência, tão pobres para oferecer ao Criador do Universo − que Jesus, o Deus encarnado, mais apreciava?
E se Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face defrontou o martírio da sua longa e dolorosa doença com grande coragem e abnegação, o Papa Wojtyla, apesar do seu aspecto desfigurado e da grave incapacidade física, também quis ser exemplo de resistência heróica para todos, designadamente, os doentes do mundo. Como Teresa com o sofrimento a doer demais, Wojtyla foi até ao fim da missão na terra (a que Deus lhe atribuíra), colocando-a, apesar da sua fraqueza extrema, como uma cruz a juntar-se à outra Cruz, a de Jesus.
A grande missão junto dos gentios no longínquo Oriente foi impossível a Teresa devido ao avanço lento, mas implacável da tuberculose. Restou-lhe ficar pelos caminhos pequenos, pequenos, na verdade, mas tão cheios de amor que Deus os abençoou e os fez chegar até aos nossos dias.
Como Santa Teresa do Menino Jesus, o Papa Francisco − o Papa que veio, em 2013, da distante Argentina para o Vaticano − recorre também ele, às coisas pequeninas, como desejar “Bom almoço e Bom Domingo” aos peregrinos na Praça de S. Pedro. É que ele também não esquece a grandeza das pequenas frases, dos pequenos gestos, das pequeninas flores que Teresa oferecia todos os dias a Jesus e a sua Mãe. Jorge Mario Bergoglio, o Papa que veio de terras de cultura e costumes bem diferentes da Europa, sabe que são essas pequenas coisas que revelam carinho, ternura e amor fraterno − a fraternidade, que Jesus proclamou como o primeiro e único caminho para o Reino de seu Pai[22].
Os pequenos caminhos, abertos pelo caminho supremo da «Ciência do Amor», enunciado por Teresa como o caminho da Salvação, hão-de continuar a frutificar, a ampliar-se e a produzir frutos em abundância e de sabor infinito.
ACERCA DO POEMA «O MEU CÉU NA TERRA!...»
SANTA TERESA do MENINO JESUS,
Lembremos também um passo da carta em que Teresa lhe escreve estas palavras: «Ó meu Jesus! Dou-Vos graças por realizardes um dos meus maiores anseios, o de ter um irmão, sacerdote e apóstolo»[2]. A «Apóstola» de Jesus regozijava-se por aquele que sentira a vocação de ir por toda a terra divulgar «o Caminho, a Verdade e a Vida», tal como se definira o próprio Jesus Cristo. Escreve ainda Teresa, nesta carta: «Que o seu sublime apostolado se exerça já sobre aqueles que o cercam, que ele seja um apóstolo digno do vosso Coração Sagrado»[3].
A missão é, para a autora, a estrela que deve guiar todos os caminhos da fé. Mesmo num convento contemplativo, em que a oração tudo envolve, tudo oferece e distingue como expressão suprema do amor a Deus, Teresa sente a importância da palavra quando deseja incarnar o pregador que tudo defronta para espalhar a doutrina salvadora de Jesus, a imagem incarnada de Deus. E Jesus fora o primeiro a anunciar a importância de converter as almas perdidas, as almas sem sede de Deus e, por isso, mergulhadas no pecado.
Como Teresa do Menino Jesus e da Santa Face desejava poder divulgar por todas as gentes do mundo, «grego, romano, homem livre ou escravo», a palavra da Boa Nova vinda, através de Jesus, de Deus. É na carta ao padre Bellière, que ela confessa, no seu ardoroso entusiasmo: «Divino Jesus, escutai a oração que Vos dirijo por aquele que quer ser vosso missionário. Guardai-o no meio dos perigos do mundo»[4].
De facto, Jesus viera à terra, não para condenar os pecadores, mas, precisamente, para os salvar. Por isso, não deveria Teresa, ela própria, ajudar a fazê-Lo chegar aos que O desconheciam? Como seria feliz, se lhe fosse dada a oportunidade de defrontar todos os perigos, os mais terríveis, os mais cruéis, os suplícios maiores, a tortura, o martírio para falar aos pecadores de Jesus e enchê-los da Sua divina graça.
Ser missionária! Que ambição desmedida, pensava, ela tão fraca, tão minada pela tuberculose! Mas, se fosse possível… Então, a sua vida alcançaria o ponto mais alto, na imensa dádiva ao serviço de Deus. Escreve: «plantar no solo infiel a tua Cruz gloriosa, anunciar o evangelho nas cinco partes do mundo, ser missionária não apenas durante alguns anos, mas desde a criação do mundo e sê-lo até à consumação dos séculos»[5]. Eis o programa da jovem carmelita, exposto ao longo das páginas dos seus manuscritos.
Quando surge a oportunidade de apadrinhar um jovem missionário antes da partida, ressurge o seu entusiasmo, flagrante nas palavras ditas nos seus cadernos íntimos: «O Martírio, eis o sonho da minha juventude, este sonho cresceu comigo sob os claustros do Carmelo. Mais uma vez sinto que o meu sonho é irrealizável»[6].
Na hora da viagem que ela própria não podia fazer, pensa que o “seu missionário” não podia claudicar ao levar na sua voz e no seu coração, levar a toda a gente, Jesus, o Deus feito homem, expressão da luz mais brilhante do Amor. Mas levá-lo especialmente àqueles a quem faltava essa graça enorme de guardarem em si o sentimento-chave da vida: o amor, o único veículo que, transpondo as fronteiras do mal, conduzia a Deus.
A missão era, para Teresa, um culminar do seu caminho para o Pai, um fechar do seu percurso de aperfeiçoamento humano na direcção do reino dos céus. O aperfeiçoamento do seu caminho na terra precisava de se completar na missão desempenhada na distância das suas irmãs em Lisieux. Mas, como seguir por esses caminhos árduos, como seguir por aí, se ela era uma «alma tão pequenina, tão impotente», e a essa sua pequenez se juntava um corpo debilitado, consumido pela tuberculose que a prostrava cada dia com mais intensidade?
Agora, parecia-lhe que «as doces amarguras do martírio»[7] lhe estavam vedadas; contudo, dali, da sua pequenina cela, podia, apesar dos seus sofrimentos físicos, orar e apoiar o trabalho de um jovem missionário. Dirigir-lhe palavras de incitamento, fazer orações exortativas, grandes orações que «abrasavam com fogo de amor». Devia, mesmo ao longe, louvar o sacrifício e a entrega a Jesus daqueles que faziam conhecer o nome de Deus.
Havia que dar a conhecer o nome de Jesus, sem fugir do combate, sem medos cobardes. Era-lhe essencial não deixar sem a sua palavra escrita os padres missionários que tinham seguido para o Oriente. Mas não era só pelos missionários, os padres Roulland ou Bellière, que Teresa pedia o auxílio divino, mas, como acrescentava, «por aqueles que hão-de crer em Vós por meio do que lhes ouvirão dizer»[8].
A palavra certa, a palavra iluminada, a palavra ditada pelo Espírito Santo, eis o segredo da palavra do grande conquistador de almas, conforme sonhava Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, apesar de viver entre as paredes frias do convento de Lisieux e a grave doença que a esgotava. Esperava, em breve, a última noite da sua vida. E nessa noite, gostaria de começar uma oração assim: «Glorifiquei-Vos sobre a terra; levei a cabo a obra que me destes a realizar; fiz conhecer o Vosso nome àqueles que me destes: eram vossos, e destes-mos. Agora conhecem que tudo o que me destes veio de Vós; porque lhes comuniquei as palavras que me comunicastes, receberam-nas e acreditaram que fostes Vós que me enviastes (…)»[9]. Desde essa hora visionária, Santa Teresa do Menino Jesus tornava-se, com um saber vindo do céu, a Padroeira Mundial das Missões.
POÉTICA DO SOFRIMENTO E DO AMOR
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Estas são palavras preocupadas com as possíveis leituras interpretativas, talvez abusivas, talvez despropositadas, de que uns manuscritos autobiográficos podem sempre vir a ser motivo. Essa preocupação com as palavras, com cada palavra escrita, é uma constante nos seus cadernos manuscritos…
O peso das palavras ditas é grande, mas quanto não é maior o das palavras escritas... Como é difícil registar pensamentos que podem vir a ser conhecidos por uma outra sociedade de intenções diferentes, de mentalidade oposta ou mesmo divergente do espírito cheio de pureza da autora de História de uma Alma.
Santa Teresa escreve a pedido da Madre do convento das Carmelitas. Mas a escrita não é apenas fruto dessa solicitação. A jovem Teresa do Menino Jesus e da Santa Face (como se passa a chamar após o ingresso na Ordem Carmelita) gosta de dividir os seus atos, mas também os seus pensamentos com os outros. Ela gosta de os partilhar, sente que ficam enriquecidos. Afinal, nada é absolutamente nosso, só nosso. Tudo o que passa por nós é, quantas vezes, o que passa também pelos outros, que nos magoam, que nos atropelam, que nos confrontam com os seus pressupostos, os seus juízos, as suas censuras, alheados das nossas razões mais fundas.
Desagradar a Deus o Pai/Criador do Universo é desagradar ao divino Jesus, a única Face conhecida do Pai. E isso atormenta-a. Ela só quer fazer a Sua vontade, agir conforme aos seus ensinamentos, declarar-Lhe com gestos, ações e com todas as palavras possíveis, o seu Amor.
Como é pesada a responsabilidade do significado incerto de cada frase, de cada expressão menos clara, como a preocupa a medida, nem sempre transparente, de cada palavra.
A escrita em prosa ou poética de Santa Teresa do Menino Jesus é luminosa, é toda clareza, mesmo quando a metáfora, expressa pela analogia e pela imagem, é mais frequente. As páginas dos três cadernos de Teresa, Professa no Carmelo de Lisieux com apenas quinze anos de idade, são linhas escritas um pouco descuidadamente, ao sabor da corrente da memória, referindo os momentos dolorosos e os felizes, e estes, a mais das vezes, vorazes, pouco duradouros.
Nos Manuscritos Autobiográficos2 cujo primeiro caderno data de Janeiro de 1895, confessa: «Supliquei-Lhe que guiasse a minha mão». Na verdade, era indispensável, para a jovem carmelita Teresa, que cada palavra não incorresse em desajustadas interpretações, em imprevistas e erradas conjeturas que prejudicariam e até desacreditariam, esse Céu que a Irmã Teresa do convento de Lisieux tanto desejava louvar. Com o pedido de proteção a Jesus e a Sua Mãe, sente-se guiada, crê na força da inspiração divina. Então, cheia de confiança na Santa Face do Salvador e no auxílio de Maria, acredita ter as condições para transmitir uma mensagem fidelíssima da Vontade de Pai Celestial que Jesus Cristo soubera transmitir maravilhosamente aos seus discípulos.
«Se Deus é por nós, quem será contra nós?» (Rom 8, 31), escreveu S. Paulo na sua «Carta aos Romanos». Nesta pergunta, inscrevia S. Paulo a sua certeza na plena confiança que devia ter em Deus. Com o mesmo espírito, começa Santa Teresa do Menino Jesus a escrever as suas memórias, os seus pensamentos. Na História de uma Alma está toda a sua espiritualidade fundada no sentimento do Amor, que o próprio Deus representava na pessoa de Jesus. Essa Face de Deus e, ao mesmo tempo, essa Face de Criança, essa Face de Deus a tomar a forma muito pequenina de uma criança, a nascer há dois mil anos, da Virgem Maria, em Belém.
O Amor que Teresa do Menino Jesus aprendera na primeira infância com o grande afeto que recebera da sua mãe, que perdera aos quatro anos e meio; o Amor que lhe comunicara seu pai, sempre envolto na saudade de sua esposa; o Amor que recebeu de sua irmã Paulina e depois, quando esta ingressou na Ordem Carmelita, de sua irmã Celina, também, anos mais tarde, na mesma Ordem religiosa, foi o seu máximo guia. O Amor que Teresa de Lisieux soube transmitir admiravelmente a todos aqueles que a conheceram na ação ou na palavra viva dos seus escritos. Porque o Amor sempre fora uma constante no seio da sua família, foi esse sentimento que mais inflamou e tornou imperecível a sua belíssima História de uma Alma.
O amor tinha a sua imagem privilegiada no próprio fogo, porque o amor era um sinal vivo de desvio ou de mudança em relação à permanência ou imobilidade do mal. «Olhai as crianças, olhai como elas amam, como transbordam de amor sem esperar uma recompensa», poderia ter escrito Teresa de Lisieux. É que Santa Teresinha do Menino Jesus via na infância o grande paradigma da conduta humana.
Toda a palavra de Teresa de Lisieux se fundamenta na problemática da humildade, quer nos atos, quer nos pensamentos. Só a humildade concede o dom da glória mais alta. Nos seus escritos, tanto de prosa memorialista como nos poéticos, é visível a importância dessa questão fulcral. De facto, surge através de constantes alusões e de exemplos práticos, formulando, deste modo, uma verdadeira teologia da humildade.
Logo ao entrar no convento da Ordem do Carmelo, com apenas quinze anos, Teresa de Lisieux salientou como o Menino Jesus estava no centro da sua atenção, ao querer adotar esse apelativo - Teresa do Menino Jesus.
Na verdade, o Menino Jesus é o símbolo mais perfeito da humildade presente no próprio Deus - Deus tornou-se criança para mostrar à humanidade como era importante esse tempo primeiro, que todos viviam de modo tão semelhante e a que se seguiam outros tempos, em que era, a maior parte das vezes, esquecido o primeiro.
Ser sempre pequenino, muito pequenino, para ter a glória de conquistar grandes coisas - é pedindo para a tratarem por «pequena Teresa», que Teresa de Lisieux mostra o seu apreço pelo sentimento da humildade, mesmo quando já tiver subido ao reino do Céu. E mesmo aí, ela continuava «pequena», ou até se tornaria mais pequenina para poder ter a plenitude da glória divina ou do reino de Deus, em construção pelo amor e no amor perene.
Na «pequenez» se construía, segundo Teresa de Lisieux, o Altíssimo. Na conduta humilde se ergueria um novo Céu e uma nova Terra. No que era cheio de «pequenez», descobria Santa Teresinha do Menino Jesus um Deus absoluto e sem limites. Na palavra dita sem espetáculo ou na ação discreta e silenciosa, estava todo o sentido do eterno. Teresa de Lisieux desocultava o eterno em todo o coração habitado pela humildade.
Na graça do Céu habitavam as almas que se sentiam mais pequeninas e que até de si próprias se escondiam por se acharem pouco significantes. Era dessa «pequenez» se elevavam os seres até ao Alto. Até às alturas infinitas de Deus. E ao voltar-se para a sua alma de criança, o homem entrava na Casa de Deus. Por isso, Jesus quando Lhe perguntaram onde estava o reino do Céu disse que «o reino do céu está dentro de nós».
Uma jovem que sentiu a primeira grande dor na alma aos quatro anos, quando morre sua mãe, vê tudo isto muito cedo. É que Teresa de Lisieux, começava com pouca idade a correr para o destino da santidade. Ser santa, vir a ser «uma grande santa», torna-se lentamente o seu desejo mais profundo. Vivendo uma infância de perda, Teresa de Lisieux começa a edificar a sua «única e verdadeira glória» - ser santa.
A santidade torna-se o objetivo final da sua vida, um objetivo sem fronteiras materiais, unicamente espiritual, tão espiritual que a tudo está disposta para o alcançar. Os sofrimentos físicos ou espirituais que defronta acabarão por se lhe afigurar breves e pouco intensos, para ter como recompensa a glória do reino divino, onde o perfume do amor se parece com o de todas as pequenas rosas do mundo. E é precisamente nas mais pequenas rosas do mundo, que Teresa de Lisieux observa aquilo que se revelará como o símbolo mais adequado para representar a beleza infinita da humildade.
Lembremos hoje, a beleza e o perfume das pequenas rosas de Santa Teresinha do Menino Jesus. Vejamos nelas o coração puro de criança que, dentro de nós, não se deve ter ainda apagado irremediavelmente. Como nesse século XIX em que viveu Teresa de Lisieux, hoje há necessidade de santos, de quem queira ser santo, como o desejou esta santa, tão popular em Portugal como por todo o mundo. A santa que, a fazer pequenas coisas «que ninguém via» se tornou tão conhecida e amada por todos os que dela e das suas pequenas rosas ouviram falar.
Em homenagem à «pequena Teresa», recentemente elevada a Doutora da Igreja (1997) pelo Papa João Paulo II, lembremos uma, das muito belas palavras que deixou escritas, para que ninguém as esquecesse: « (…) quero ver se encontro um ascensor que me eleve até onde habita o meu Jesus, pois sou pequenina demais para trepar pela íngreme escada da perfeição». E mais adiante: «O ascensor em que hei de subir ao Céu são os vossos braços, ó meu Jesus! Para isso não preciso crescer; pelo contrário, tenho que ser pequena, tornar-me cada vez mais pequenina» (1)
TEXTOS DISPERSOS ESCRITOS
SOBRE
SANTA TERESA do MENINO JESUS
SANTA TERESA do MENINO JESUS
por
Teresa Ferrer Passos
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SANTA TERESA DO MENINO
JESUS ─
PRECURSORA DA NOVA
EVANGELIZAÇÃO DO MUNDO
Os Manuscritos Autobiográficos (1)
de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face foram elaborados por sugestão
de sua irmã Paulina (Madre Inês de Jesus) entre os 21 e 24 anos de idade (ano
da sua morte). Com uma linguagem extremamente simples, oferecem-nos um
pensamento espiritual de fundo teológico de clara feição precursora para o seu
tempo. Estes Manuscritos não eram dirigidos a uma comunidade
monástica (neste caso, Carmelita); procuravam chegar mais longe, chegar ao
mundo, aos sacerdotes e aos leigos, aos crentes de outras religiões ou aos
ateus.
Sem Teresa do Menino Jesus se aperceber,
anunciaram, de modo subtil, qualquer coisa nova para o mundo. Nas margens das
suas palavras simples, erguia-se um edifício para uma sociedade sem diferenças
entre bons e maus, sem estigmas sociais de natureza jurídica, sem distâncias
relativas a culturas diferentes, sem distinção entre pequenos e grandes. Há,
pois, aqui, um pensamento que se antecipa ao nosso tempo: ela tem a ousadia de
fazer a crítica a princípios dogmaticamente aceites desde há muitos séculos
pela Igreja. Vejamos os mais importantes: A critica à existência do purgatório,
lugar onde se inscreviam castigos como sendo uma terapia regeneradora do
pecado; a crítica do inferno, lugar onde se era lançado sem resgate ou perdão.
Para Teresa do Menino Jesus, estes
princípios entravam em contradição com o Deus de Amor de que o rosto humano de
Jesus era a expressão. “Os sofrimentos eternos são inúteis” e entram em
contradição com o Deus-Amor; também a lei da pena de morte não permitia o
arrependimento nem a reabilitação: «Quis a todo o custo impedi-lo (ao criminoso
Pranzini) de cair no inferno» (2); a condição da mulher, mesmo conventual, a
mulher sujeita ao desprezo, às proibições: «Ah, pobres mulheres, como são
desprezadas» (3); os costumes, como a mortificação nos conventos: «Nunca fiz
nenhuma»(4).
Estas críticas, deram ensejo a Teresa do
Menino Jesus para lançar as bases de uma renovação da teologia da Igreja, toda
construída a partir de caminhos muito pequeninos. Assim, nascia uma pequena
teologia para o tamanho do mundo: os seus pequenos caminhos são os atalhos para
um outro pequeno caminho que se eleva como o vértice de todos: a fraternidade
ou o encontro de todos com todos. O objectivo maior da encarnação de Deus em
Jesus fora precisamente a Fraternidade. Esses pequenos caminhos de Santa Teresa
de Lisieux têm uma matriz singular, o Amor: «A ciência do Amor, ah sim! esta
palavra ressoa docemente ao ouvido da minha alma, não desejo senão essa
ciência» (5).
O Amor traçava-se em cada um dos
pequenos caminhos: um gesto de atenção ao outro, uma palavra carinhosa, um
sacrificiozinho por alguém, um sorriso, uma palavra de paz, a procura do
solitário, a confiança no próximo, o pedido de misericórdia a Jesus pelos
pecadores... Tantos pequenos caminhos! E, precisamente os pequenos
caminhos, enlaçados no caminho do Amor, iriam realizar, no mundo, o supremo
caminho da Fraternidade. Essa Fraternidade que hoje continua a ser, dia após
dia, esmagada pelo egoísmo, o orgulho, a ambição, a inveja, muitas das
perversões do mundo contemporâneo.
Na linha de rumo traçada pelos pequenos
caminhos, o Papa Francisco na sua 1ª Exortação Apostólica (2013) ensinava:
«Trata-se de aprender a descobrir Jesus no rosto dos outros e aprender também a
sofrer quando recebemos agressões injustas ou ingratidões, sem nos cansarmos
jamais de optar pela fraternidade» (6). Neste documento, Francisco faz mesmo
referência a um caso passado com Santa Teresa de Lisieux (7): Estando ela
a fazer companhia à Irmã S. Pedro, cuja doença lhe dava um deplorável aspecto,
começou a pensar numa cena alegre de um baile; de súbito, ouvindo-a gemer e
vendo aquele rosto de dor, sentiu nesses momentos muito mais felicidade do que
ao lembrar-se das imagens felizes do seu passado. E o Papa Francisco sublinha:
«O modo de nos relacionarmos com os outros é uma fraternidade que sabe ver a
grandeza sagrada do próximo, que sabe descobrir Deus em cada ser humano» (8).
O caminho do Amor, esse caminho pequeno,
possui, ao mesmo tempo, uma força avassaladora. Sem todos os pequenos caminhos
de Santa Teresa de Lisieux − a mais jovem Doutora da Igreja −, a Fraternidade
continuará, nos nossos dias, adiada. Por quanto tempo?...
30 de Maio de 2014
Teresa Ferrer Passos
* Este texto foi escrito por ocasião do
lançamento do livro da autora, Santa Teresa do Menino Jesus e a Força
dos seus Pequenos Caminhos, Edições Carmelo, na Livraria da Universidade
Católica de Lisboa, em 30 de Maio de 2014. Public.: Internet, Blogue «Harmonia
do Mundo» (30/5/2014);
(1) Estes Manuscritos (1895-1897) vulgarizaram-se, após a sua
morte, com o nome de História de uma Alma (1ª edição,1898).
(2) Manuscrito A,fl.45v.
(3) Manuscrito A, fl.66v.
(4) Manuscrito A, fl. 68v.
(5) Manuscrito B, fl.1.
(6) Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Paulinas
Editora, 2013, p. 68, Parágrafo 91.
(7) Idem, Ibidem, Parágr. 91, nota 69; Manuscrito C, fl.29v-30.
(8) Evangelii Gaudium, Parágr. 92.
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A ACTUALIDADE DE SANTA
TERESA
DO MENINO JESUS*
(De Padroeira do Dia
Mundial das Missões
a Doutora da Igreja)
«Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o
amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na
praça, no trabalho, num caminho».
Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium,
2013, p.90.
De um longo percurso iniciado na
infância, Santa Teresa de Lisieux (1873-1897), constrói aquilo a que ela
própria chama «a sua pequena doutrina»[1].
«Pequena doutrina» que ela vê como uma construção guiada pelo amor
de Jesus e de Maria, Sua Mãe. Mas se esta «Pequena doutrina» foi revelada ao
longo dos seus Manuscritos Autobiográficos, ela aparece também nos seus
longos e inspirados poemas, nas suas cartas, nas suas peças de teatro. Agora
perguntamos: Qual o momento concreto em que esta pequena via para a perfeição
começou? Que caminhos seguiu? Qual o seu interesse para a sociedade
contemporânea?
Encontramos, para além de sua irmã Paulina ter ingressado no Carmelo de
Lisieux em 1882 (Teresa tem nove anos), dois episódios marcantes para Teresa
Martin ter enveredado pela Ordem Carmelita: um deles foi o sorriso da
imagem da Santíssima Virgem, quando Teresa sofria, pelo ano de 1883, de uma
doença cuja cura não se encontrava à vista, tinha ela dez anos. Esse sorriso,
foi no dia 13 de Maio desse ano. Aqui surgia o primeiro sinal do céu, a que ela
foi sensível: a atenção ao seu sofrimento expresso no carinho da imagem de
Maria. E o efeito foi tão ardente no coração de Teresa que a sua cura
aconteceu. Teresa estava curada.
Outro aparente pequeno pormenor foi a Noite de Natal de 1886 em que o seu sempre tão amoroso pai, estranhamente, ao chegarem a casa vindos da Missa do Galo, disse: «Felizmente que é a última vez». Ora, com esta frase inesperada, parecia estar cansado da alegria com que eram recebidos “os presentes do Menino Jesus”, colocados por ele na chaminé. E com que entusiasmo Teresa se preparava para ir, cheia de curiosidade, ver “os presentes” que a esperavam naquela Noite maravilhosa! As lágrimas derramou-as de imediato. Perante o desabafo do pai da sua “rainhazinha” (tratamento carinhoso usual), pareceu a Teresa que no mundo alguma coisa acabara; mas, precisamente nessa hora, percebia que se iniciava, como ela escreve, «uma corrida de gigante»[2] e, sem dúvida, para o Carmelo de Lisieux.
Este facto tornou-se mais um sinal de que o Céu queria dela uma grande missão, mas essa grande missão implicava um grande amor a Jesus. Tão grande que, ela precisava de o receber do céu para depois o dar; como ela era pobre de amor; e a sua vontade era oferecer um grande amor a Jesus, esse amor a crescer devagar, como achava, apesar de vir da infância.
Dizia a mãe − falecida quando
Teresa tinha apenas quatro anos − que a sua força de amar, a sua doçura chegava
a assustá-la. A morte da senhora Zélia Martin fora o golpe que iria agudizar a
sua sensibilidade afectiva e a faria procurar essa mãe amada e que só será
reencontrada no regaço terno e no sorriso de Maria, a Mãe de Jesus.
Com treze anos, corria o ano de 1886, Maria Francisca Teresa Martin (este o seu nome de baptismo) sentia já a revelar-se na sua pequena alma a intervenção de Jesus. Foi assim que ela começou a preparar-se para ser, um dia, «um pescador de almas». Então «sente o grande desejo de trabalhar pela conversão dos pecadores»[3]. O seu afecto conduzia-a à ideia de levar o Evangelho[4] aos que não o conheciam, até aos confins do mundo. O sentimento do amor e o Evangelho entrelaçavam-se. Pareciam confluir, quase sem se distinguirem, como se fossem dois rios a alimentar-se mutuamente.
Na presença deste dois sinais, se Teresa
tinha dúvidas em seguir o exemplo carmelita das irmãs Maria e Paulina (a sua
segunda “mãe”), desvaneceram-se. Como seria, para ela, uma alegria infinita
ingressar no Carmelo para daí lançar um mar de florinhas de amor para os céus,
para o mundo. Como queria, depressa, alegrar o seu Jesus escondido, deste modo
puro e simples... Essas flores que se transformariam em muitas mais pela força
do “pequeno” caminho de amor a desabrochar noutro não menos belo: o caminho da
oração.
Vencendo todos os obstáculos, Teresa Martin recebe licença de ingressar no Carmelo nos fins de 1887, pouco antes de fazer quinze anos. A oração fora uma das suas armas subtis. Mas as suas orações não se limitavam às aprendidas, decoradas e repetidas nos ofícios religiosos. Para Teresa do Menino Jesus e da Santa Face − o nome que adopta com a cerimónia da Profissão no Carmelo − a oração significa muito mais.
Ela ora em cada momento do dia: fazendo perguntas a Jesus, meditando nas suas palavras, sobretudo aquelas em que Ele se mostra ávido de amor, Ele que era a imagem do Pai, a imanência do céu, uma face para dialogar e a receber inspiração do Espírito Santo. A oração, um dos pequenos caminhos de Teresa, era uma conversa íntima com a face de Jesus, com a face cheia de carinho da Santíssima Virgem Maria, com o rosto de um santo.
A oração era um diálogo com o sagrado.
Como Teresa ensinará, mais tarde, a oração devia ser «um movimento do
coração, um simples olhar lançado para o Céu, um grito de reconhecimento»
(…) E acentuava: «A oração é qualquer coisa de grande, de sobrenatural, que
me dilata a alma e me une a Jesus»[5]. Esse Jesus que Teresa desejava amar até ao limite das suas forças, até à
evangelização em terras distantes, cheias de inimigos, ciladas e martírios. «Já
não se trata apenas de amar o próximo, mas de o amar como Ele Jesus, o amou»[6].
Foi a Cruz de martírio, de entrega e de abandono aos outros levada por Jesus, que Teresa Martin quis ajudar a transportar sem hesitações, no Carmelo de Lisieux, depois de vencer as dificuldades para entrar na Ordem onde só se podia ingressar aos 18 anos. A verdade é que Teresa ia ainda fazer quinze anos. Mas como ela ambicionava transportar nos seus ombros frágeis a barca do seu sonho, a barca da sua Vocação. E a sua Vocação era o AMOR. Na verdade, sublinhará nos seus Manuscritos: «O grito de Jesus na Cruz ecoa continuamente no meu coração»[7]. E que grito é esse? «Tenho sede, tenho sede». E Teresa, num impulso inesperado, acrescentará: «Tenho sede de Amor».
A vocação do Amor tornara-se, nesta jovem nascida a respirar uma religiosidade vivenciada por toda aquela família, um verdadeiro apelo, uma verdadeira aposta de vida que ela não pode adiar, não quer adiar… Mas como dar asas à vocação, se só aos dezoito anos podia entrar na Ordem Carmelita? Como continuar a sentir uma solicitação do céu e nada fazer?! Como não corresponder de imediato, como permanecer por mais tempo fora daquela pequena «montanha», daquele pequeno caminho de palavra e de acção para servir o Evangelho de Jesus?
Todos os dias sentia que o estudo escolar já não cabia no grande plano de Deus para ela: tão fraca, tão intranquila, tão inquieta! E pensava a toda a hora nas palavras de Jesus na Cruz, em agonia, ali pregado para salvar os pecadores: «Tenho sede». Afinal, o Amor de que falara e que no seu Calvário testemunhava, como o revelaram os apóstolos, só tinha uma finalidade: perdoar o mal cometido pelos pobres de espírito, os pecadores. Não, o purgatório é impossível. E o inferno, que imagens tão avessas a Jesus, pensava Teresa! E pensava: «o Fogo do Amor é mais santificante que o do Purgatório» (…) «Sei que Jesus não pode desejar para nós sofrimentos inúteis»[8].
É com este espírito imbuído desse Amor novo que Jesus veio transmitir aos que o escutaram que Teresa, ao saber do triplo assassinato do criminoso Pranzini, começou a orar, numa inquietação, num desassossego. Era, a sua, uma desesperada oração. Temia a ida deste pecador para o inferno, que não redimia e donde não havia regresso. Por isso, pedia no Carmelo que rezassem missas. Um dia viu no jornal La Croix que Pranzini, ao chegar ao cadafalso, pedira uma cruz e beijara as chagas de Jesus! Mais um sinal, mais um sinal de amor do bom Jesus pela sua discípula, a sua missionariazinha ainda que ainda só pelo pequeno caminho da oração! Mas, se Teresa sentia que o seu amor por Jesus era muito, também achava que isso não se devia aos seus próprios méritos. Ela tão sensível, tão impaciente, tão impetuosa! Como se sentia sempre insatisfeita consigo própria! Se tanto Amor sentia, só podia ser porque Jesus a penetrara e a habitara; de facto, ela abrira-lhe o coração, ela abandonara-se-lhe (como uma criança se abandona nos braços da mãe): «Como vós me amais, preciso de empregar o vosso próprio amor»[9].
Teresa vê que cresce a sua confiança, e na confiança, forma-se uma relação íntima com Jesus e Sua Mãe, que Teresa vê como sendo «muito mais Mãe do que Rainha», de tal maneira ela a sentia uma verdadeira mãe. O sentido humano de Maria é uma evidência para Teresa Martin. Assim, a via do Amor é a bússola que orienta e que traça todo os pequenos caminhos percorridos por Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, admitida na Ordem Carmelita, a 9 de Abril de 1888. Tinha Teresa acabado de completar quinze anos!
Como foi isto possível, depois da
resistência revelada pela Madre Superior do Carmelo e das instituições
eclesiásticas? Isto só foi possível depois da sua viagem com o pai e a sua irmã
Celina ao Vaticano e as suas palavras ao Papa Leão XIII. Na verdade, Teresa
conseguira que o pai anuísse a que fossem numa peregrinação a Roma para poder
pedir-lhe a suprema autorização. Que óptima oportunidade, pensa Teresa, para
pedir, na habitual Audiência aos peregrinos, a permissão do Papa Leão XIII para
entrar no Carmelo, conforme as autoridades eclesiais tinham aconselhado. O
Padre Révèrony não tinha autorizado. O Bispo Hugonin de Bayeux também
não. Diziam que só o Papa porque era grande a diferença em relação à idade
legal.
«Permiti-me entrar no Carmelo… Permiti…» disse Teresa tremendo. O Papa: «Vamos! Vamos! Há-de entrar, se Deus quiser…». Resposta reservada. E Teresa ficava na dúvida, mas tinha a consolação de ter tentado tudo! Fora o último recurso. Acabava de seguir o caminho da perseverança, o caminho da esperança e o caminho da vontade. A seguir os seus pequenos caminhos, Teresa obteria, em pouco mais de um mês, o seu desejo, o desejo que vinha do mais fundo do seu coração. A Audiência Papal fora no dia 20 de Novembro. A 28 de Dezembro de 1887, a Madre Maria de Gonzaga recebe uma carta do Bispo dizendo-lhe que Teresa podia entrar no Carmelo. A sua ousadia valera a pena!
O caminho estava aberto para a sua «corrida
de gigante». Tendo sempre presente a frase de Jesus «Tenho sede», aí
encontra um escondido sentido, o de ser uma «sede de amor». Quando lhe
perguntaram o que vinha fazer ao Carmelo, respondeu, num ímpeto: «Vim para
salvar as almas e sobretudo para orar pelos sacerdotes»[10]. Este desejo crescera no seu coração ávido de obras, obras de amor.
Cresceu, como se essa árvore de amor, pudesse sempre ir lançando ramos,
mais ramos, ramos a tocar o próprio céu. E esse desejo foi sempre aumentando,
como se não deixasse de crescer, mesmo quando a tuberculose já a minava
dolorosamente, desde os vinte e um anos; desde 1894 surgem sintomas muito
preocupantes.
Fazer missão, sem sair da cela do convento de Lisieux, tornou-se-lhe mais um pequeno caminho, mais um pequeno caminho ditado por Jesus e seguido com o amparo da mãe reencontrada na verdadeira Mãe, essa Virgem Maria que chora, que se afligira, que se angustia, mas também confia na sua própria missão! Enfim, uma Mãe dolorosíssima na sua humanidade porque vira morrer o filho inocente e mártir, uma Mãe que vira com os próprios olhos o suplício de Jesus até expirar no desprezível madeiro.
Nenhum destes caminhos perdeu vigor no
nosso tempo. Mas um dos pontos da grande actualidade
da Irmã Teresa do Menino Jesus e da Santa Face é que a sua «doutrina» não se
destinava, em primeiro lugar, às Irmãs da Comunidade Carmelitana de Lisieux. É
que Teresa queria fazer missão para o mundo. A missão é-lhe proibida. A doença
agravava-se todos os dias. Porém, ainda conseguiu que Jesus lhe proporcionasse
proteger dois sacerdotes missionários que tinham ido para terras da Ásia e a
quem endereçou longas cartas de conselho e de estímulo. Missão para os gentios,
para os pecadores que ela queria poupar ao Inferno, que ela desejava que
amassem Jesus, como Pranzini, já só seria possível depois da sua morte. A sua
máxima ambição alargou-se até ao dias de hoje!
A dolorosíssima doença não a consegue esmorecer. Não vacila. E é em pleno sofrimento que escreverá a sua «pequena doutrina», um dos seus pequenos caminhos, a que não falta a novidade de um cristianismo terra a terra, revestido de pequenas acções, de pequenos gestos de amor, muito mais do que alicerçado em longas teorias fundamentadas em sofisticadas erudições!
Assim, Teresa antecipava-se. E escrevia
nas águas do futuro. Tornava-se mestra da 2ª metade do século XX e dos anos
preambulares do século XXI. Na sua simplicidade própria da juventude, recuava
ao estilo simples, frontal e límpido de Jesus. Nos manuscritos autobiográficos,
nos poemas, nas cartas, nas peças de teatro que assinou, Teresa do Menino Jesus
faz missão para todos aqueles que algum dia puderem vir a ler as suas palavras
imbuídas da «Ciência do Amor». E fá-lo onde lhe é possível fazer: na pequena
cela, com as suas forças abatidas, caindo de fraqueza física, numa obscuridade
sem pompa nem circunstância.
A missão transfere-se para um amanhã em que ela do céu não deixará de vigiar e proteger, porque o seu desejo às portas ensanguentadas da morte é «passar o seu Céu fazendo o bem sobre a terra». Teresa leva nos seus manuscritos a Boa Nova de um Deus que se emociona e se chama Jesus. Como ele sofre, como geme de dor, dando a vida pelos amigos para salvar do castigo os que até não o reconhecem, os que o insultam e o desprezam.
Entregue à missão de dar a conhecer Jesus sem sair da sua cela do convento de Lisieux, Teresa seria proclamada por Pio XI, Padroeira de todos os missionários, homens e mulheres e das Missões, em 1927, dois anos após a sua canonização pelo mesmo Pontífice, em 1925. Hoje, continua a sua missão na Igreja, à qual ela chama a Mãe de todos. Ela continua, hoje, a ter a admiração de muitos no mundo laico; e, em especial, a consagração dos últimos Papas. Continua a ser escutada na sua obra impressa, a ser olhada nas muitas fotografias publicadas numa qualquer esquina das auto-estradas internéticas. Tudo isto, tendo como ponto de partida os textos escritos sem sair da sua pequena cela do convento de Lisieux.
Ela faz ainda missão e é bem actual na referência às mulheres dos fins do século XIX, vítimas de exploração do homem, perseguidas, indefesas perante a Lei. Com que ardor condena o despotismo dos que não as reconhecem nos seus direitos mais elementares. As mulheres, lembra Teresa de Lisieux, até tiveram mais coragem do que os Apóstolos, pois «aguentaram os insultos dos soldados e ousaram enxugar a Face adorável de Jesus»[11]. E, com que entusiasmo e veneração canta poemas à Mulher única, essa Mulher que se parece tanto com os tristes, os atormentados, os que estão a viver uma angústia sem fim, essa Mulher que se comove, que ouve o abandonado e lhe sorri, essa confidente, essa Mulher que a abraça com o olhar e sorri na tormenta, essa Mulher que é Maria, a Mãe de Jesus, a Mãe de Deus!
A propósito, não podemos deixar de assinalar a curiosa comunhão da doutrina espiritual de Santa Teresa do Menino Jesus com o pensamento de S. Boaventura[12] (1217-1274), frade franciscano, Doutor da Igreja, autor de Itinerarium Mentis, obra que defende a via do Amor (a via da fraternidade) como «o fim último do homem», considerando-o como mais forte que a razão e a emoção. Dizia S. Boaventura, outro santo bem actual, que o amor «ainda enxerga» aquilo que permanece inacessível à razão: «Na noite escura da Cruz aparece toda a grandeza do amor divino». E defende, como parafraseava o Papa Bento XVI, ao estudar a sua obra, «o caminho da razão é superado pelo Amor de Cristo crucificado». E, mais adiante, alerta: «Somente com as nossas forças, não podemos subir rumo à altura de Deus. Deus mesmo deve-nos ajudar, deve "levar-nos" para o alto. Por isso é necessária a oração». «A oração − assim diz o Santo − é a mãe e a origem da elevação»[13].
Ora, estas ideias eram perfilhadas por Santa Teresa de Lisieux. No Itinerarium Mentis, a subida até à montanha de Deus, implicava a graça, o desejo, a emoção, o amor, ou seja, a ajuda do Cristo, como também realçou Teresa do Menino Jesus. E, contrariamente à corrente franciscana que seguia a teoria de Joaquim de Fiore (1132-1202), coloca-nos já na Idade do Espírito Santo, não se distinguindo esta da Idade do Deus-Pai (Antigo Testamento) e da Idade do Filho, Jesus Cristo (Novo Testamento). O futurismo da Idade do Espírito Santo não se põe para S. Boaventura, como acontecia no pensamento do também franciscano Joaquim de Fiore[14].
Na sua batalha de amor e pelo amor, Teresa, como Boaventura, em cada verso dos seus belos poemas, a cada passagem das suas orações dialogantes ou da sua autobiografia, invocava os muitos sentidos do Amor que se estendiam de Jesus ao Pai e ao Espírito Santo, sem possuírem tempos diferentes ou Idades distintas, mas sim com uma única dimensão do temporal. Assim, Santa Teresa do Menino Jesus inseria-se na linha do sentido da importância do Amor em S. Boaventura.
A actualidade do conceito de Amor em Teresa de Lisieux não podia deixar também de estar presente em numerosas passagens da primeira Exortação Apostólica − A Alegria do Evangelho do Papa Francisco[15]. Colocando o Amor como a mola mais forte da humanidade, Santa Teresa de Lisieux será uma dos sustentáculos da doutrina exposta pelo actual Papa nesta sua notável Exortação Apostólica[16]. Na verdade, para ambos, o rosto do próximo, o outro, espelha o próprio rosto de Jesus e este não é mais do que a face visível de Deus.
Num outro plano, a missão evangelizadora de Santa Teresa do Menino Jesus colhe impacto em muitas nações com os primeiros milagres alcançados poucos anos após a sua morte. Lembremos, a recuperação da visão por uma criança cega ao ter permanecido junto da sua campa. Não menos notáveis foram as conversões em massa no Oriente. Uma devoção popular surgia muito rápida após a publicação dos seus Manuscritos Autobiográficos com o título de História de uma Alma, em 1901 (quatro anos após a sua morte).
Hoje mesmo as suas relíquias[17] visitam muitos países, com grande adesão à sua presença. Os altares das igrejas elegem Santa Teresinha e as suas pequeninas rosas[18] como um forte motivo de culto. A sua obra não deixa de inspirar historiadores, teólogos e filósofos, ávidos de decifrarem a sua personalidade e de explicarem a sua fulgurante popularidade. A pequena teoria do Amor mereceu longas referências de quase todos os Papas do século XX e dos princípios do XXI. Vários motivos poderão explicar, como vimos nesta breve reflexão, a actualidade inquestionável de Santa Teresa de Lisieux. Lembramos ainda que ela condenou as práticas das pesadas penitências, dos castigos corporais infligidos pelos monges e recusou ver em Deus um Deus castigador onde existia só um Deus de misericórdia; com Jesus, Deus é um Pai que ama e que só se quer ver amado no rosto dos outros, nos rostos daqueles que sofrem, que foram abandonados, que são perseguidos porque são fiéis à verdade, à pureza, à humildade.
Com Teresa nascia toda uma doutrina de vida para a conquista da santidade; relevamos nela a espantosa acessibilidade ao delinear-se com pensamentos profundos, mas expressos com as mais simples palavras. Talvez por essa razão, Karol Wojtyla, o Papa João Paulo II, esteve sempre muito atento, seguindo-a, igualmente, com o seu sorriso e abnegação nos sofrimentos da grave doença que o levaria à morte. A revelá-lo, a Homilia de 19 de Outubro de 1997[19], em que Wojtyla atribuiu a Santa Teresa de Lisieux o título de Doutora da Igreja com uma vasta argumentação: «Ela fez resplandecer no nosso tempo o fascínio do Evangelho»; «Tornou-se um ícone vivo daquele Deus que mostra o seu poder sobretudo no perdão e na misericórdia»; «Fez ver a importância que as fontes bíblicas têm na vida espiritual»; «Pôs em evidência a originalidade e o vigor do Evangelho». Neste longo texto sobre a actualidade de Teresa, salientava João Paulo II este seu pensamento lapidar: «Compreendi que só o amor fazia actuar os membros da igreja e que se o amor viesse a extinguir-se, nem os Apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho, nem os mártires a derramar o seu sangue»[20].
Na «Pequena doutrina», como lhe chamava, Teresa inscrevia a «CIÊNCIA do AMOR», a ciência que a nenhuma outra se equipara. Não escrevia ela que a Jesus bastava «lançar flores, não deixar escapar um pequeno sacrifício, nenhum olhar, nenhuma palavra, e valer-se de todas as pequenas coisas e fazê-las por amor»[21]? Não eram esses pequenos caminhos − na aparência, tão pobres para oferecer ao Criador do Universo − que Jesus, o Deus encarnado, mais apreciava?
E se Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face defrontou o martírio da sua longa e dolorosa doença com grande coragem e abnegação, o Papa Wojtyla, apesar do seu aspecto desfigurado e da grave incapacidade física, também quis ser exemplo de resistência heróica para todos, designadamente, os doentes do mundo. Como Teresa com o sofrimento a doer demais, Wojtyla foi até ao fim da missão na terra (a que Deus lhe atribuíra), colocando-a, apesar da sua fraqueza extrema, como uma cruz a juntar-se à outra Cruz, a de Jesus.
A grande missão junto dos gentios no longínquo Oriente foi impossível a Teresa devido ao avanço lento, mas implacável da tuberculose. Restou-lhe ficar pelos caminhos pequenos, pequenos, na verdade, mas tão cheios de amor que Deus os abençoou e os fez chegar até aos nossos dias.
Como Santa Teresa do Menino Jesus, o Papa Francisco − o Papa que veio, em 2013, da distante Argentina para o Vaticano − recorre também ele, às coisas pequeninas, como desejar “Bom almoço e Bom Domingo” aos peregrinos na Praça de S. Pedro. É que ele também não esquece a grandeza das pequenas frases, dos pequenos gestos, das pequeninas flores que Teresa oferecia todos os dias a Jesus e a sua Mãe. Jorge Mario Bergoglio, o Papa que veio de terras de cultura e costumes bem diferentes da Europa, sabe que são essas pequenas coisas que revelam carinho, ternura e amor fraterno − a fraternidade, que Jesus proclamou como o primeiro e único caminho para o Reino de seu Pai[22].
Os pequenos caminhos, abertos pelo caminho supremo da «Ciência do Amor», enunciado por Teresa como o caminho da Salvação, hão-de continuar a frutificar, a ampliar-se e a produzir frutos em abundância e de sabor infinito.
Teresa Ferrer Passos
* Palestra proferida pela autora no Círculo de Espiritualidade e Cultura e
na Igreja de S. João de Deus, em Lisboa, respectivamente nos dias 17 e 19 de
Fevereiro de 2014; Revista de Espiritualidade,
Edições Carmelo, 2014, nº 87.
[4] «Setenta anos antes, antecipando-se ao maior evento e movimento
eclesial do século XX, Teresa de Lisieux já tinha dado a necessária importância
à leitura da Sagrada Escritura (…) Ela entendeu que a Bíblia só funciona bem em
íntima ligação com a vida» (…) compreendeu a Bíblia à luz da vida» e
compreendia a vida à luz da Bíblia» em Armindo dos Santos Vaz, «Teresa de
Lisieux: O Regresso ao Evangelho», Revista de Espiritualidade,
Marco de Canaveses, 2006, nºs 54/56, pp. 197, 203, 204.
[12] «São Boaventura rejeita a ideia do ritmo trinitário da história. Deus
é um só para toda a história e não pode ser dividido em três divindades. A
história é una, mesmo que seja um caminho e um caminho de progresso. Jesus
Cristo é a última palavra de Deus - n'Ele, Deus disse tudo, dizendo e dando a
si mesmo. Mais que ele próprio, Deus não pode dizer, nem dar. O Espírito Santo
é o Espírito do Pai e do Filho» em Bento XVI, Catequese sobre S.
Boaventura, 2010.
[14] «O facto de Joaquim ter concebido a Idade de Cristo como transição
para a idade do espírito santo que foi anunciado mas que não tomou posse,
continua a ser, apesar do fermento que causou, um mero episódio; não há espaço
para isso no pensamento da Igreja» Hans Urs Van Balthasar, A Theology
of History, New York, 1963, p.135; José Eduardo Franco e José Augusto
Mourão, A Influência de Joaquim de Fiore em Portugal e na Europa,
Roma Editora, Lisboa, 2005, p.51.
[15] «A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de
Jesus, aquela experiência de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada
vez mais. Com efeito, um amor que não sentisse a necessidade de falar da pessoa
amada, de a apresentar, de a tornar conhecida, que amor seria? Se não sentimos o
desejo intenso de comunicar Jesus, precisamos de nos deter em oração para Lhe
pedir que volte a cativar-nos. Precisamos de o implorar cada dia, pedir a sua
graça para que abra o nosso coração frio e sacuda a nossa vida tíbia e
superficial. Colocados diante d’Ele com o coração aberto, deixando que Ele nos
olhe, reconhecemos aquele olhar de amor que descobriu Natanael no dia em que
Jesus Se fez presente e lhe disse: «Eu vi-te, quando estavas debaixo da
figueira!» (Jo 1, 48)» Papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium, Paulinas Editora, 3ª edição, Lisboa, 2013, p.174.
[16] Como escreve o Papa Francisco «trata-se de aprender a descobrir Jesus
no rosto dos outros, na sua voz, nas suas reivindicações, e aprender a sofrer,
num abraço com Jesus crucificado quando recebemos agressões injustas ou
ingratidões, sem nos cansarmos jamais de optarmos pela fraternidade», Exortação
Apostólica Evangelii Gaudium, p. 68.
[17] «Entre os devocionários – forma empobrecida dos antigos Livros de
Horas − dos últimos cem anos, apesar de haver outros, devido em parte aos
missionários das missões no interior, um que atingiu a preferência dos fiéis é
o intitulado Horas de Piedade ou Orações Selectas, da autoria do
Chantre da Sé do Porto, cónego António Joaquim Pereira que nasceu uns dez anos
antes de Teresa Martin, e ainda lhe sobreviveu considerável número de anos.» em
Pinharanda Gomes, S. Teresinha do Menino Jesus na Devoção
Portuguesa, Paulinas Editora, Lisboa, 1998, p.89.
[18] «Minha santa Irmã, pedi ao nosso bom Deus para me aproveitar e ajudar
a aproveitar da vossa chuva de rosas; que eu também seja um dos vossos
beneficiados e vosso cooperador, em fazer o bem na vida, na morte e
até depois da minha morte» in A Defesa, nº 119, Évora, 20/6/1925,
p.1
[20] O Papa Pio X considerou-a «a maior santa dos tempos modernos». O
sucessor de João Paulo II, Bento XVI, diria sobre Teresa de Lisieux que ela
«louvou a ciência das realidades divinas para ensinar aos outros a via da
salvação». No dia 6 de Abril de 2011, Bento XVI dedicava-lhe, quase na íntegra,
a sua Audiência Geral: «Confiança e amor são o ponto final da
narração da sua vida, duas palavras que como faróis iluminaram todo o seu
caminho de santidade para poder guiar os outros pela sua mesma pequena via de
confiança e de amor». Na Catequese sobre Santa Teresa do Menino Jesus, em
6 de Abril de 2011, o Papa Bento XVI diria: «Teresa do Menino Jesus
e da Sagrada Face, que viveu neste mundo somente 24 anos, no final do século
XIX, conduzindo uma vida muito simples e escondida, mas que, após a morte e a
publicação dos seus escritos, tornou-se uma das santas mais conhecidas e
amadas» . Na carta para o dia 11 de Fevereiro (Dia Mundial do Doente) de 2013,
Joseph Ratzinger − no dia em que renunciou às funções pontifícias − referiu-se
a Santa Teresa de Lisieux como uma santa que vivera «em profunda união com o
Paixão de Jesus a doença que a levou à morte no meio de grandes sofrimentos»,
e, apontava «o exemplo de Santa Teresa do Menino Jesus para se encontrar o
sentido do sofrimento». Advertia ainda que «alguns santos, incluindo Santa
Teresa, servem de exemplo e de estímulo às pessoas doentes para aceitarem o
sofrimento do ponto de vista humano e espiritual».
[22] «A acção de Deus que começou com uma Criação em cujo topo está a criatura,
que podia corresponder-lhe à sua imagem e semelhança, com a qual estabelece uma
relação de amor e que alcançou o seu ponto de maturidade com a Encarnação do
Filho, tem de culminar na plena realização dessa comunhão de um modo universal.
Toda a criatura deve ingressar nessa comunhão definitiva com Deus, iniciada com
Cristo Ressuscitado. Caminhamos até um fim que é cumprimento, acabamento
positivo da obra amorosa de Deus. Um fim que não é o resultado imediato ou
direto da acção do homem, mas é uma acção salvadora de Deus, o desfecho final
da obra de arte que Ele mesmo iniciou e à qual quis associar-nos como
colaboradores livres; e o sentido último da nossa existência resolve-se no
encontro pessoal e comunitário com o Deus-Amor, para lá inclusivamente da morte.»
em Jorge Bergoglio Papa Francisco, O Verdadeiro Poder é Servir, Ed.
Nascente, Lisboa, 2013, p. 136.
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ACERCA DO POEMA «O MEU CÉU NA TERRA!...»
de Teresa do Menino
Jesus e da Santa Face*
No poema «O Meu Céu na Terra!...», Santa Teresa do Menino Jesus descobre na
Face de Jesus, o guia para as suas acções, o caminho para a sua santidade, o
rumo para a missão de transmitir os Seus caminhos até aos confins do mundo.
A missão é, para Teresa do Menino Jesus, o objectivo maior da sua vida. Na
procura de seguidores de Jesus, Teresa desvenda a Sua Verdade, provoca
apóstolos da Sua divindade, lança arautos do Seu Reino de Amor.
Logo, no primeiro verso de «O meu céu na terra!...» surge esplendorosa a
imagem de Jesus. Ela impõe-se por si, ela conduz «os meus passos», escreve
Teresa. Depois, a doçura do Seu rosto transforma-se num céu, já, aqui, na
terra.
As lágrimas, que Jesus carrega no peso da cruz - no peso do pecado - tornam
esse Rosto ainda mais sedutor, ao erguer-se como a «única Pátria» e um «Reino
de amor».
Ao contemplar a Face salvífica de Jesus, Santa Teresa de Lisieux acha-se à
porta do Mestre, a desencantar a semelhança, e assim, a tocar, quase a medo e
sem medo, o «doce Salvador».
Ao alcançar os «traços», ao receber as «marcas» da sua beleza próxima do
humano e divina - uma beleza que não está apenas na imagem exterior, mas
sobretudo na imagem interior -, Teresa de Lisieux esconde-se «sem cessar» nessa
Face para que, no seu caminho pequenino, Jesus a deixe chegar à
santidade.
Ela sabe que, só desse modo, tem ao seu alcance a conquista de novos
santos. Novos santos que Santa Teresa do Menino Jesus tanto ambicionava
oferecer ao Salvador.
16 de Abril de 2013
Teresa Ferrer Passos
*Public.: Internet, Blogue «Harmonia do Mundo» (16/4/2013); Poetas &
Trovadores (jornal de Abril/Junho 2013).
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SANTA TERESA do MENINO JESUS,
NA HORA DA MISSÃO*
«Sabeis, Senhor que a minha única ambição é fazer-Vos conhecer e amar»,
escrevia Teresa do Menino Jesus e da Santa Face numa passagem da oração pelo
padre Maurice Bellière[1]. Nessa curiosa oração por um seminarista, a iniciar a
sua actividade de missionário, sobressai um carinho muito especial pelo jovem
fraco, que tem de vencer as tentações de uma vida nem sempre marcada pela
espiritualidade, mas que acaba por querer ser sacerdote, sacerdote missionário.
Lembremos também um passo da carta em que Teresa lhe escreve estas palavras: «Ó meu Jesus! Dou-Vos graças por realizardes um dos meus maiores anseios, o de ter um irmão, sacerdote e apóstolo»[2]. A «Apóstola» de Jesus regozijava-se por aquele que sentira a vocação de ir por toda a terra divulgar «o Caminho, a Verdade e a Vida», tal como se definira o próprio Jesus Cristo. Escreve ainda Teresa, nesta carta: «Que o seu sublime apostolado se exerça já sobre aqueles que o cercam, que ele seja um apóstolo digno do vosso Coração Sagrado»[3].
A missão é, para a autora, a estrela que deve guiar todos os caminhos da fé. Mesmo num convento contemplativo, em que a oração tudo envolve, tudo oferece e distingue como expressão suprema do amor a Deus, Teresa sente a importância da palavra quando deseja incarnar o pregador que tudo defronta para espalhar a doutrina salvadora de Jesus, a imagem incarnada de Deus. E Jesus fora o primeiro a anunciar a importância de converter as almas perdidas, as almas sem sede de Deus e, por isso, mergulhadas no pecado.
Como Teresa do Menino Jesus e da Santa Face desejava poder divulgar por todas as gentes do mundo, «grego, romano, homem livre ou escravo», a palavra da Boa Nova vinda, através de Jesus, de Deus. É na carta ao padre Bellière, que ela confessa, no seu ardoroso entusiasmo: «Divino Jesus, escutai a oração que Vos dirijo por aquele que quer ser vosso missionário. Guardai-o no meio dos perigos do mundo»[4].
De facto, Jesus viera à terra, não para condenar os pecadores, mas, precisamente, para os salvar. Por isso, não deveria Teresa, ela própria, ajudar a fazê-Lo chegar aos que O desconheciam? Como seria feliz, se lhe fosse dada a oportunidade de defrontar todos os perigos, os mais terríveis, os mais cruéis, os suplícios maiores, a tortura, o martírio para falar aos pecadores de Jesus e enchê-los da Sua divina graça.
Ser missionária! Que ambição desmedida, pensava, ela tão fraca, tão minada pela tuberculose! Mas, se fosse possível… Então, a sua vida alcançaria o ponto mais alto, na imensa dádiva ao serviço de Deus. Escreve: «plantar no solo infiel a tua Cruz gloriosa, anunciar o evangelho nas cinco partes do mundo, ser missionária não apenas durante alguns anos, mas desde a criação do mundo e sê-lo até à consumação dos séculos»[5]. Eis o programa da jovem carmelita, exposto ao longo das páginas dos seus manuscritos.
Quando surge a oportunidade de apadrinhar um jovem missionário antes da partida, ressurge o seu entusiasmo, flagrante nas palavras ditas nos seus cadernos íntimos: «O Martírio, eis o sonho da minha juventude, este sonho cresceu comigo sob os claustros do Carmelo. Mais uma vez sinto que o meu sonho é irrealizável»[6].
Na hora da viagem que ela própria não podia fazer, pensa que o “seu missionário” não podia claudicar ao levar na sua voz e no seu coração, levar a toda a gente, Jesus, o Deus feito homem, expressão da luz mais brilhante do Amor. Mas levá-lo especialmente àqueles a quem faltava essa graça enorme de guardarem em si o sentimento-chave da vida: o amor, o único veículo que, transpondo as fronteiras do mal, conduzia a Deus.
A missão era, para Teresa, um culminar do seu caminho para o Pai, um fechar do seu percurso de aperfeiçoamento humano na direcção do reino dos céus. O aperfeiçoamento do seu caminho na terra precisava de se completar na missão desempenhada na distância das suas irmãs em Lisieux. Mas, como seguir por esses caminhos árduos, como seguir por aí, se ela era uma «alma tão pequenina, tão impotente», e a essa sua pequenez se juntava um corpo debilitado, consumido pela tuberculose que a prostrava cada dia com mais intensidade?
Agora, parecia-lhe que «as doces amarguras do martírio»[7] lhe estavam vedadas; contudo, dali, da sua pequenina cela, podia, apesar dos seus sofrimentos físicos, orar e apoiar o trabalho de um jovem missionário. Dirigir-lhe palavras de incitamento, fazer orações exortativas, grandes orações que «abrasavam com fogo de amor». Devia, mesmo ao longe, louvar o sacrifício e a entrega a Jesus daqueles que faziam conhecer o nome de Deus.
Havia que dar a conhecer o nome de Jesus, sem fugir do combate, sem medos cobardes. Era-lhe essencial não deixar sem a sua palavra escrita os padres missionários que tinham seguido para o Oriente. Mas não era só pelos missionários, os padres Roulland ou Bellière, que Teresa pedia o auxílio divino, mas, como acrescentava, «por aqueles que hão-de crer em Vós por meio do que lhes ouvirão dizer»[8].
A palavra certa, a palavra iluminada, a palavra ditada pelo Espírito Santo, eis o segredo da palavra do grande conquistador de almas, conforme sonhava Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, apesar de viver entre as paredes frias do convento de Lisieux e a grave doença que a esgotava. Esperava, em breve, a última noite da sua vida. E nessa noite, gostaria de começar uma oração assim: «Glorifiquei-Vos sobre a terra; levei a cabo a obra que me destes a realizar; fiz conhecer o Vosso nome àqueles que me destes: eram vossos, e destes-mos. Agora conhecem que tudo o que me destes veio de Vós; porque lhes comuniquei as palavras que me comunicastes, receberam-nas e acreditaram que fostes Vós que me enviastes (…)»[9]. Desde essa hora visionária, Santa Teresa do Menino Jesus tornava-se, com um saber vindo do céu, a Padroeira Mundial das Missões.
1 de Novembro de 2010
Teresa Ferrer Passos
[1] Santa Teresa do Menino Jesus, Obras Completas, Edições
Carmelo, Marco de Canaveses, 1996, p.1081.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem.
[5] Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscritos Autobiográficos,
Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1960, p. 231.
[6] Ibidem.
[7] Ibidem, p. 237.
[8] Ibidem, p.312.
[9] Ibidem.
* Public.: Internet, site «Harmonia do Mundo» (1/11/2010); Notícias de S. Braz (Dezembro de 2010).
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POÉTICA DO SOFRIMENTO E DO AMOR
I – O SENTIDO DO
SOFRIMENTO**
«Um só pensamento
do homem vale mais que o mundo
inteiro e só Deus é digno dele»
inteiro e só Deus é digno dele»
S. João da Cruz
«A dor chega a ter encanto / Sabendo-a de flores cobrir»1, eis dois dos versos que melhor definem a alma de Santa Teresa do Menino
Jesus. Dois versos escritos com palavras singelas e imbuídos de uma profunda
mensagem. Uma das suas mensagens maiores, pois a sua vida foi trespassada por
muitas horas de sofrimento espiritual e físico. Os seus versos são fruto da sua
experiência. Antes da sua morte, aos vinte e quatro anos de idade, a dor física
atingiu-a duramente por alguns anos; o sofrimento da alma, conhecia-o desde os
quatro anos, com a morte de sua tão amorosa mãe. Com ela, Teresa de Lisieux
(nome pelo qual é menos conhecida) aprendeu a fé, uma fé intensa, quase desde o
nascimento.
A religiosidade dominou a sua infância. Aos quinze anos, não lhe é possível
continuar fora da Comunidade da Ordem das Carmelitas, que já sua irmã tinha
abraçado. É que a pequena Teresa queria ser mais perfeita, cada vez mais
perfeita. Por isso, não bastavam as suas acções cheias de amor em relação
àqueles com quem convivia; não bastava a contemplação da beleza da Obra divina;
não bastava meditar os mistérios de Deus e da vida humana.
Era preciso inscrever, nos seus cadernos diários, a poesia que, a vibrar de
emoções, se soltava das suas intuições místicas, das suas penetrações na
leitura dos grandes santos ou dos evangelhos. Todos as suas leituras
rapidamente se transformaram num enfado. De facto, Teresa do Menino Jesus e da
Santa Face, como se baptizou ao entrar no Carmelo de Lisieux, sentia com uma
força irresistível, uma enorme vontade de escrever. Só assim testemunhava a
verdade que nela se encerrava.
Escrevia o tempo todo que os ofícios religiosos lhe ofereciam. Escrevia
para os seus correspondentes através de inumeráveis cartas, vibrantes
testemunhos da vida das horas; escrevia para os membros da sua Ordem,
dando-lhes visões de vida para uma nova maneira de viver a clausura; escrevia
para aqueles que, depois da sua morte, pudessem, de algum modo, ler os seus
poemas ou as suas poéticas peças de teatro…
Como nas restantes coisas da sua vida, perpassada de sofrimentos, queria
atingir nos seus pensamentos um elevado grau da perfeição. E para atingir esse
objectivo, como era importante escrevê-los com rigor e clareza. Este foi um
vivíssimo ideal e um dos seus maiores desejos.
Em todas as manifestações da sua vida, ceifada tão jovem, trilhar o caminho
da perfeição, aparecia-lhe como uma missão, com espinhos e, afinal, realmente
fácil. Só eram precisas duas condições: deixar-se conduzir pela humildade e
abandonar-se a Deus. Esse abandono significava para Santa Teresa, em primeiro lugar,
um grande Amor a Jesus. Amar Jesus, não «quando Ele nos consola» escreve, mas
quando Ele «sofre no horto da agonia»2. E abandonar-se, ensina Teresa de Lisieux, em muitos dos seus poemas, é
fazermos do nosso próprio sofrimento uma parcela, ainda que ínfima, do
sofrimento de Jesus.
Então, a dor, transformando-se numa partícula da agonia de Jesus, essa
agonia iniciada no Horto há dois mil anos, torna-se pequenina, tão pequenina
que a acharemos até pequena demais, para aliviar, com a nossa comunhão, a
Agonia sempre viva de Jesus. Como dizia Pascal, ela será até ao fim dos tempos.
Para Santa Teresinha do Menino Jesus, como se tornou vulgar designá-la,
abandonar-se é, também, entregar-se aos cuidados de Deus, é confiar n’Ele sem
medo, sem preocupação. Como se nos tornássemos uma débil criança, ou como se
não tivéssemos perdido a sua pureza, a sua inocência, a sua capacidade de
confiar. Ser perfeito apresenta-se-lhe a tarefa mais valiosa do ser humano. E,
igualmente, a mais fácil de ser vivida, porque a única escola do caminho da
perfeição é a própria vida.
A vida, caminho de aprendizagem do amor, logo caminho para a perfeição.
Aprender a amar, amando. E amar é, de facto, dar-se sem condições. Dar-se como
dá uma criança um sorriso a sua mãe, como ela recebe os seus beijos. Dar-se
como a criança que confia tanto que não parece nunca esperar seja o que for,
esperando tudo, daquela a que concede a confiança.
«A minha vida não foi amarga, pois transformei em doçura toda a amargura»3. Abandonar-se mesmo na dor, ou especialmente quando o sofrimento nos
atinge. Fazer da dor um meio de engrandecimento da alma, dando-lhe um sentido
novo. A dor torna-se, então, caminho, e assim um dos caminhos para a perfeição.
A dor que nos perpassa a nós, a uns mais do que a outros, a dor que nos
flagela, que nos agride, que não contemporiza com a nossa vontade espiritual,
antes a assalta com inclemência, pode reduzir-se à dimensão da sua medida. E
essa medida é a que o seu sentido a faz alcançar.
A dor, que torna impossível trabalharmos tanto quanto gostaríamos, pode ser
vencida, se a defrontarmos como o começo de uma vitória, se a encararmos com a
audácia daqueles que vêem nela não um limite, mas uma liberdade conquistada. Se
colocarmos sobre o horror um sentido de beleza, é possível transformar uma
coroa de espinhos numa coroa de flores. Uma coroa de flores construída,
instante a instante, com as nossas contínuas vitórias sobre cada hora de
sofrimento. A dor que nos faz sofrer dia e noite, quase sem tréguas; a dor que
nos retira a força e que parece invencível; a dor que nos fragiliza até ao
sentimento de derrota, poderá ganhar um sentido desconhecido.
«Eu sofro só no momento presente»4, escreve num verso. Porque o passado e o futuro devem ser excluídos do
nosso pensamento, na hora em que sofremos. Já basta a dor de cada
momento, confessa Santa Teresa de Lisieux. A dor a ser vivida é precisamente
essa. Não lhe juntemos as que já vivemos antes ou as que podemos vir ainda a
experimentar. Suportar a cruz de cada instante, já é sofrer. E Deus não fez o
homem para o sofrimento, mas para a felicidade. Por isso, a vontade de Deus é
que soframos só na medida em que não podemos deixar de sofrer e a dor deve ser
minimizada. Para minimizar a dor é preciso desvalorizá-la, que o mesmo será
dizer «cobri-la de flores».
E, para Santa Teresa de Lisieux, esse objetivo pode ser alcançado. Sem
renegarmos o sofrimento, sem o rejeitarmos, conseguiremos aceitá-lo. «A
santidade consiste em aceitar o sofrimento»5, sublinha noutro verso. Mas, ao mesmo tempo, se o formos capazes de
transfigurar, no momento em que o estamos a vivenciar, será muito mais brando e
o seu peso bem menor. A dor é para ser superada pelo nosso espírito.
Disponível, aberto, dará ao sofrimento um sentido diferente. Este sentido
diferente consiste em fazê-lo ganhar um verdadeiro sentido… À medida que lhe
damos um sentido cada vez mais alto, ou seja, mais virado para fora de nós,
mais o expulsamos dos nossos sentidos frágeis, das nossas quebras de ânimo…
Que a poesia é a expressão privilegiada para expressão dos sentimentos
maiores e das emoções mais fortes, revela-o Teresa de Lisieux neste conjunto de
escritos, reunidos pelo Carmelo de Viana do Castelo. O importante, sublinha
Santa Teresa nos seus versos, é que a dor acabe por nada ter a ver connosco,
por nos ser, a pouco e pouco, cada vez mais distante, e ao ser mais distante,
se vá transformando numa grande paz, e numa grande paz só pode reinar a
alegria, a alegria de um verdadeiro campo de flores…
É preciso como que lançar flores sobre o campo do sofrimento. Lançar nele
as flores da esperança. E na esperança está a própria fé em Deus.
A dor física que abala a nossa vontade de resistir às derrotas e a dor da
alma ferida pela solidão ou pelo desalento, precisam de braçadas de flores
perfumadas e de cores variadas. As flores são uma imagem de força imersa na
fragilidade. A alegria das coisas mais simples está presente num pequeno
malmequer do campo bravio. São as flores que, na sua beleza diáfana, pura,
melhor nos mostram a importância da nossa existência eivada de profundidade e
grandeza.
O valor da nossa presença no mundo, mesmo a mais apagada e solitária
presença, vale mais do que a flor na solidão dos campos. A flor é apenas um
vegetal esperando, mas não sabe o dia em que chega um pouco de chuva; não sabe
quando o sol será mais brando ou mais ardente. E não se preocupa em saber
quando as suas pétalas vão secar; não se angustia com a sua brevidade. O que é
para ela o passado ou o futuro? Se a flor que é tão pobre em relação às
nossas riquezas físicas e espirituais, não desiste de obedecer às leis da
natureza, porque o havemos nós de fazer? Porque não usar dos nossos talentos,
porque não os pormos a render, em vez de nos sentirmos soçobrar nas horas do
sofrimento?
«A alma ressuscitada está como que na impossibilidade de sofrer, pois todo
o sofrimento lhe é doce!»6. A santidade é o pequeno caminho, a estreita vereda de quem já não se
revolta contra a dor. De quem, nos instantes incertos, audaciosamente impõe
vitórias sem limite sobre ela, como se a dor fosse uma sucessão de instantes
sempre únicos e nunca tivesse antes nem depois. Como se cada sofrimento fosse
um único desafio e a ele só pudesse corresponder uma só vitória. Associados os
instantes, surge o tempo, o tempo do sofrimento vivido na redundância das sensações,
das simples sensações. Da sua pequena medida, da sua insignificância frente
Àquele que é verdadeiramente grande, eleva-se a «impossibilidade de sofrer».
O santo nasce dessa capacidade de abençoar a dor que está a sentir, como se
ela fosse o pequeno caminho que dá sentido à vida, não reduzida aos prazeres
fugazes, mas à alegria perene, construída para a vitória, dando, assim, um
grande e rico significado à existência humana. Por isso, aquele que alcança a
santidade é aquele que já não sofre verdadeiramente porque ultrapassou as
sensações, venceu os limites da dor com o espírito vivificado pela alegria de
as ter vencido. O santo é herói, porque é aquele que mudou a dor que tinha nele
um sentido de morte, numa dor com um sentido de vida. E a ressurreição é,
precisamente, voltar a possuir a vida.
A «impossibilidade de sofrer», como escreve Santa Teresa, torna-se uma
realidade para quem transfigura um mal físico num bem espiritual. Ser uma alma
ressuscitada é ser uma alma de novo a viver. Logo, pronta para aceitar a dor
como uma bênção e não como um castigo, como uma graça e não como uma
condenação. Uma alma nova eleva-se agora para defrontar sempre um outro
sofrimento e, também, de novo, o fazer submergir perante a força espiritual de
o sentir, começando a não o sentir ou sentindo-o cada vez menos. Refreando a
sua violência, calcando a sua atrocidade ante o corpo débil, a dor é ignorada
pela alma ao ponto de se desvanecer, qual sol ardente a transformar-se em sol a
apagar-se no horizonte largo do espírito.
II – O SENTIDO DO AMOR***
«O mártir é movido pela força interior
do amor capaz de vencer a dor do corpo»
Gregório Magno, Hom.III
«Viver de Amor, se o Mestre adormecer, / É repousar, mesmo entre a
tempestade»7. Nestes dois versos, Teresa de Lisieux, oferece-nos uma das mais belas
metáforas da poesia religiosa. E um bom motivo de reflexão. Os dois
versos oferecem, de facto, todo o fundamento da ética cristã: viver de Amor. O
Amor que eleva a pessoa humana à esfera do divino, de tal maneira que mesmo que
o Mestre, aparentemente, deixe de nos ajudar, mesmo numa tempestade de
dificuldades, continuaremos tranquilos, navegando sem medo, com a certeza de
que Ele não nos abandonou, antes nos deu a liberdade de, sem nos auxiliar do
Alto, vencermos o mal que defrontamos. O Amor que está dentro de nós, é como
que uma semente da presença do Mestre, que o mesmo é dizer, de Jesus.
Os dois versos refletem sobretudo a preocupação de Santa Teresinha em fazer
ecoar nos corações as palavras de Jesus: «Sede perfeitos, como é perfeito vosso
Pai celeste» (Mt, 5, 48). Esta frase revela todo o sentido do
Evangelho: elevar o humano ao divino. Subir, elevar-se, ascender, rumo Àquele
para quem a Santidade é sinónimo de Amor. E o Amor é o caminho certo para a
Perfeição.
Desta leitura do Evangelho, Teresa de Lisieux retira toda uma ética de
vida. E, na verdade, a ideia de perfeição implica pensar a vida humana com
profundidade. Mas, dessa profundidade podem-se extrair linhas de conduta muito
simples. Por isso, escreve: «A perfeição afigura-se-me fácil»8. Fácil, se pensarmos que a perfeição começa num abandono de si mesmo, ou
seja, numa entrega de si ao Deus que é todo Ele uma plenitude de Amor. E surge
o eco das palavras de Jesus: respondam à ofensa oferecendo a «outra face».
Oferecer a outra face significa responder com o silêncio àquele que nos
insulta. Não alimentando a ofensa com outra ofensa, não se dá azo ao
prolongamento do mal, antes se lhe oferece o bem em troca. E torna-se
possível suster os ímpetos da malignidade. Pôr um travão, um fim no seu provável
avanço desenfreado. A vitória será, então, daquele que fez, com o seu silêncio,
com a sua condescendência, a paz viável. A reconciliação é agora possível. Uma
foice, para traçar na terra mais um trilho de perfeição, foi erguida. E uma
semente de paz fará germinar o Amor.
Trata-se de algo que consiste numa forma de resistência ao mal, sem
renunciar ao confronto, pois o mal procura a discórdia, não a concórdia,
procura fazer nascer o ódio e não o Amor. Uma guerra só pode acabar quando um
dos lados depõe as armas, mas depor as armas não significa irremediavelmente
ser derrotado. Essa atitude pode ser o verdadeiro caminho da vitória, porque é
o caminho da paz. A luta entre o bem e o mal, é semelhante a uma guerra entre
povos de religiões e culturas diferentes.
De facto, a perfeição é fácil, se os atos forem puros, isto é, se os atos
não forem movidos por pensamentos mal intencionados, dominados pela malícia,
pela perfídia e pelo engano. Para Santa Teresinha, uma pessoa é pura quando é
capaz de «reconhecer o seu nada e abandonar-se como uma criança nos braços de
Deus»9. E, como disse, um dia, Jesus: «Deixai vir a Mim as crianças, pois a elas
pertence o reino de Deus» (Mc, 10, 14). E ainda: «Quem for o mais
pequeno entre vós, esse é que é grande» (Lc, 9, 48). As crianças
são bem o símbolo dessa pureza de origem (ou original)
que nunca devíamos perder. Dessa pureza que é a origem da paz dos corações, ou
seja, daqueles corações onde mora uma tal confiança na vida, que esta parece só
ter a dimensão temporal do momento presente. E na confiança desenha-se o
caminho da perfeição, o pequeno caminho de que fala Santa Teresinha do Menino
Jesus.
Se a paz habitar o nosso espírito, abre-se a porta para o caminho da
perfeição. Porque onde habita o Amor, aí vive a paz. E a paz surge em quem sabe
«dar» o Amor, da mesma maneira que o sabe «receber». A paz que começa no nosso
coração transmite-se aos outros corações. A paz é o fim último do «viver de Amor».
Aí, onde reina o Amor, soçobra a ansiedade, a cólera, a perturbação, o
conflito. No sentimento do Amor vive toda uma energia, toda uma dinâmica capaz
de fazer nascer e desenvolver, dentro de cada um de nós, a paz.
Pelo Amor, a harmonia substitui os desequilíbrios e os excessos, o
sentimento da cólera é substituído pelo da fraternidade. Constrói-se o mundo do
Amor pelo crescimento do mundo dos puros de coração. Com uma força imbuída de
serenidade, os puros de coração fazem nascer a paz criadora, essa paz que se
pode transmitir a quem nos rodeia, numa atitude de disponibilidade e entrega.
Jesus é o Mestre do Amor. Esse Mestre onde surge a força do exemplo: «Dou a
vida pelas Minhas ovelhas» (Jo,10, 15). E, a seguir, logo acrescenta:
«As Minhas ovelhas ouvem a Minha voz; Eu conheço-as e elas seguem-Me»
(Jo, 10,27).
Ao defrontar a agonia, a perseguição, o insulto, o martírio, a condenação à
morte, Jesus dava o mais vivo testemunho do Amor: a Sua própria vida. Ao dar a
vida com o suplício da cruz, vexatória e execranda, o Amor tornou-se a lei
mais importante da vida de qualquer ser humano. Deus, através de Jesus, o
Mestre, ensinava assim o que é a mais alta expressão do Amor.
Mesmo num campo dominado pela «tempestade», escrevia Teresa de Lisieux,
mesmo que o Mestre adormecesse, a paz podia continuar a reinar nos espíritos,
porque onde vive a paz eleva-se a força do Amor. A confiança e a esperança não
resvalarão para a ansiedade ou para o desespero. Como dizia Jesus, no Sermão da
Montanha, os puros de coração «verão a Deus» e os que levam a paz «serão
chamados filhos de Deus» (Mt.5, 8 e 9).
Confiar, esperar na paz, que o mesmo é dizer na paciência (palavra derivada
do latim pax, pacis), implica não ter medo, não se
preocupar com o futuro, distante, impossível de controlar e incógnito, porque é
algo que ainda não existe. Mas, esta firmeza de ânimo que dá a confiança, não
pode nascer senão de um coração onde habite a pureza. E, é essa espera (do
latim spes, derivante da palavra esperança) pura, sem
sofismas, sem hipocrisias, que conduz à paz de todo aquele que «vive de Amor».
Como escreve Santa Teresinha do Menino Jesus, «viver de Amor é o temor
expulsar», «é dar, mas sem medida»10, «é pura alegria»11, «é dar tudo, e a si dar-se também»12.
Por isso, insiste em que devemos «amar até a nossa pequenez, para que Jesus
venha buscar-nos, ao fundo do nosso nada, e nos transforme em chamas de amor»13. O Amor, o objetivo último, mas não um Amor a vir do humano para o divino.
Antes um Amor a vir do divino para o humano. Um Amor com o estigma do absoluto,
do infinito. Um Amor nascido do Espírito Santo, capaz de nos invadir e nos
oferecer as suas expressões mais intensas, ou seja, nos «transformar em chamas
de amor». O Amor a fazer nascer, mesmo de cinzas, pequenos caminhos de
perfeição.
«É com o coração que faço a minha oração»14, escreve Santa Teresa de Lisieux. Orar é, na verdade, emocionar-se. É ser
sensível àquilo que nos é distante e, ao mesmo tempo, está dentro de nós. É uma
procura de algo que está num além de nós, sem nos perder de vista. É um
encontro com uma entidade que nos ultrapassa, porque é mais Alta do que nós. É
uma interceção com Deus que nos envolve, sem disso nos apercebermos.
A oração parte do coração. Deriva dessa interioridade funda e recôndita. A
mais secreta que o ser humano possui. E é, igualmente, a mais vibrante, sempre
a ecoar como um grito de dor ou de alegria. Orar é saber, na humildade da
solidão maior, dirigir a palavra ao divino. Esse divino que anseia pela nossa
presença em Si, a partir de cada um de nós.
Orar é um ato de reconhecimento a Deus, como é também uma ação de graças,
pelo Seu silêncio a abrir-nos os rumos da liberdade e da
conversão. Orar é tentar respirar a respiração de Deus
para conhecer, ir conhecendo, desfibrando, os Seus desígnios. E, os seus
desígnios não são mais que a Sua vontade. O sentido de toda uma oratória, ou
seja, de todo um culto da palavra com Aquele que nos ultrapassa, porque tem
mais poder do que nós na sua perfectibilidade universal, está no sentimento de
crença na sua eficácia intrínseca. Pedir a intervenção do transcendente é um ato
de humildade, pois é a admissibilidade, e mesmo constatação, da nossa
impotência perante uma situação que, previsível ou imprevisível, não nos é
possível controlar.
Assim, a oração surge, tendo como origem remota o grau de humildade que
habita a nossa mais funda interioridade. A oração não teria qualquer sentido se
houvesse na vida humana apenas determinismo. O indeterminismo que avassala os
objetivos que prosseguimos com os nossos comportamentos, provocando uma
necessidade de procura de auxílio e de consolação pela intervenção divina,
torna-se uma evidência. A providência de Deus tem o seu sentido último e maior
na oração. Se a atuação de Deus não fosse providencial, a oração seria um
absurdo. O infinito de Deus tem uma das suas expressões precisamente na sua
capacidade de intervir sempre que essa seja a Sua vontade.
Escutarmos as palavras contidas no silêncio de Deus e sermos por Ele
escutados, é oração. Interpretar os caminhos a que chegamos sem intenção e
contorná-los para seguirmos a direção que Deus nos indica, é oração. Desocultar
no caminho inesperado um sinal e seguir o traço por ele deixado, é oração. A
entrega da nossa intimidade ao divino, a busca de um sentido para os nossos
princípios e os nossos fins, é oração. E, assim, toda uma mística da oração se
eleva. O mistério adensa-se e, ao mesmo tempo, esclarece-se nas respostas ao
acto de orar: a paz eclode onde predominava a cólera, a esperança nasce onde
havia desespero, a persistência cresce onde havia desistência.
Toda a oração implica uma força inesperada no espírito, uma reviravolta nas
atitudes, uma mudança na visão do mundo. E, começa a provocar um sentido para o
outro, ou seja, para aquele que, na indiferença e no orgulho, julga não
precisar de Jesus Cristo, o testemunho visível do Pai celestial. A oração tem,
portanto, um triplo sentido: o do eu solitário (e individual),
o doeu em relação ao próximo e o eu em comunicação
com o Vós transcendente.
Toda a oração começa numa libertação do eu em relação às
amarras que nós próprios criamos em relação a nós e num afastamento dos limites
impostos nas nossas relações com os outros. O dirigir a
palavra a Quem se distingue de nós é já começar a escutar a
Sua palavra. A Sua palavra, bem diferente das nossas palavras, não é emitida
por sons nem por gestos com uma linguagem imediatamente traduzível, mas por uma
linguagem filtrada por sinais que só quem distingue a voz da transcendência na
imanência começa lentamente a decifrar.
E a frequência com que esses sinais são emitidos, a sua repetitividade,
facilitam a leitura desses sinais. Foi Santa Teresa do Menino
Jesus quem, tendo cultivado a palavra da oração com perseverança e fidelidade,
pôde afirmar: «Como é grande o poder da oração!»15. Rezar com Santa Teresinha foi, em boa hora, editado pelo
Carmelo de Viana do Castelo. Através desta seleção de muitos dos seus poemas,
fez-nos recordar uma das mais belas expressões da poesia mística e religiosa
europeia, na época em que uma grave crise da fé, e dos valores espirituais em
geral, começava a acentuar-se. Essa grave crise que se foi estendendo ao longo
de todo o século XX e que deu entrada no século XXI, com consequências cada vez
mais inesperadas e angustiantes. O gosto do grotesco, o exibicionismo
exorbitante, o gosto do fácil, a perversão da qualidade, o favoritismo dado ao
mediano, são alguns exemplos.
Como escreveu Antero de Quental, na segunda metade do século XIX, urge «uma
revolução moral». Hoje dizemos que é urgente uma cruzada de escritores a favor
do humano, são fundamentais novas cruzadas de filósofos a favor da ética e dos
valores da consciência sustentados por tantos génios. Na verdade, o ser humano
começa a entrar num estado de esgotamento das suas capacidades psicológicas e
morais para sobreviver às suas sucessivas derrocadas. A guerra sobrepõe-se à
paz. O ódio faz agonizar o amor. O sofrimento é cada vez mais absurdo.
Há que resacralizar a vida humana. E a literatura pode ser um meio para
começar. Há que levantar a sociedade do lamacento hedonismo e dos
isolacionismos egoístas em que muitos estão atolados. Há que conduzir a
juventude das trevas para a luz do Amor, para que possam discernir o sagrado
inscrito na mais bela obra do Criador: o Homem.
Teresa Ferrer Passos
15 Ibidem,p.237.
Public.: * Faces de Eva - Estudos sobre a Mulher (texto na íntegra), Edições Colibri, revista da Universidade Nova de Lisboa, nº 16, 2006, pp. 53-62; ** I - O Sentido do Sofrimento in O Primeiro de Janeiro Suplemento «Das Artes Das Letras», 19 de Janeiro de 2004; «Jornal de S. Brás» (Évora), Dezembro de 2003; *** II - O Sentido do Amor in O Primeiro de Janeiro, «Suplemento Das Artes Das Letras», 5 de Fevereiro de 2004.
Public.: * Faces de Eva - Estudos sobre a Mulher (texto na íntegra), Edições Colibri, revista da Universidade Nova de Lisboa, nº 16, 2006, pp. 53-62; ** I - O Sentido do Sofrimento in O Primeiro de Janeiro Suplemento «Das Artes Das Letras», 19 de Janeiro de 2004; «Jornal de S. Brás» (Évora), Dezembro de 2003; *** II - O Sentido do Amor in O Primeiro de Janeiro, «Suplemento Das Artes Das Letras», 5 de Fevereiro de 2004.
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A PALAVRA E O
AMOR EM SANTA TERESA DO MENINO JESUS
«Olhai o céu, erguei-vos do chão
[a liberdade vem para os pobres.
O fim é o nome que vai ser preciso dar ao hoje.
Deus está às portas. Deus está no tempo que corre.
Que o Espírito afeiçoe o nosso ouvido à sua passagem»
José Augusto Mourão, Declinações (2004)
«Supliquei-lhe que guiasse a minha mão para que
não trace uma única linha que lhe não seja agradável», escreve Santa Teresa do
Menino Jesus ao iniciar a redação dos manuscritos que seriam conhecidos pelo
título de História de uma Alma1 .
Estas são palavras preocupadas com as possíveis leituras interpretativas, talvez abusivas, talvez despropositadas, de que uns manuscritos autobiográficos podem sempre vir a ser motivo. Essa preocupação com as palavras, com cada palavra escrita, é uma constante nos seus cadernos manuscritos…
O peso das palavras ditas é grande, mas quanto não é maior o das palavras escritas... Como é difícil registar pensamentos que podem vir a ser conhecidos por uma outra sociedade de intenções diferentes, de mentalidade oposta ou mesmo divergente do espírito cheio de pureza da autora de História de uma Alma.
Santa Teresa escreve a pedido da Madre do convento das Carmelitas. Mas a escrita não é apenas fruto dessa solicitação. A jovem Teresa do Menino Jesus e da Santa Face (como se passa a chamar após o ingresso na Ordem Carmelita) gosta de dividir os seus atos, mas também os seus pensamentos com os outros. Ela gosta de os partilhar, sente que ficam enriquecidos. Afinal, nada é absolutamente nosso, só nosso. Tudo o que passa por nós é, quantas vezes, o que passa também pelos outros, que nos magoam, que nos atropelam, que nos confrontam com os seus pressupostos, os seus juízos, as suas censuras, alheados das nossas razões mais fundas.
Desagradar a Deus o Pai/Criador do Universo é desagradar ao divino Jesus, a única Face conhecida do Pai. E isso atormenta-a. Ela só quer fazer a Sua vontade, agir conforme aos seus ensinamentos, declarar-Lhe com gestos, ações e com todas as palavras possíveis, o seu Amor.
Como é pesada a responsabilidade do significado incerto de cada frase, de cada expressão menos clara, como a preocupa a medida, nem sempre transparente, de cada palavra.
A escrita em prosa ou poética de Santa Teresa do Menino Jesus é luminosa, é toda clareza, mesmo quando a metáfora, expressa pela analogia e pela imagem, é mais frequente. As páginas dos três cadernos de Teresa, Professa no Carmelo de Lisieux com apenas quinze anos de idade, são linhas escritas um pouco descuidadamente, ao sabor da corrente da memória, referindo os momentos dolorosos e os felizes, e estes, a mais das vezes, vorazes, pouco duradouros.
Nos Manuscritos Autobiográficos2 cujo primeiro caderno data de Janeiro de 1895, confessa: «Supliquei-Lhe que guiasse a minha mão». Na verdade, era indispensável, para a jovem carmelita Teresa, que cada palavra não incorresse em desajustadas interpretações, em imprevistas e erradas conjeturas que prejudicariam e até desacreditariam, esse Céu que a Irmã Teresa do convento de Lisieux tanto desejava louvar. Com o pedido de proteção a Jesus e a Sua Mãe, sente-se guiada, crê na força da inspiração divina. Então, cheia de confiança na Santa Face do Salvador e no auxílio de Maria, acredita ter as condições para transmitir uma mensagem fidelíssima da Vontade de Pai Celestial que Jesus Cristo soubera transmitir maravilhosamente aos seus discípulos.
«Se Deus é por nós, quem será contra nós?» (Rom 8, 31), escreveu S. Paulo na sua «Carta aos Romanos». Nesta pergunta, inscrevia S. Paulo a sua certeza na plena confiança que devia ter em Deus. Com o mesmo espírito, começa Santa Teresa do Menino Jesus a escrever as suas memórias, os seus pensamentos. Na História de uma Alma está toda a sua espiritualidade fundada no sentimento do Amor, que o próprio Deus representava na pessoa de Jesus. Essa Face de Deus e, ao mesmo tempo, essa Face de Criança, essa Face de Deus a tomar a forma muito pequenina de uma criança, a nascer há dois mil anos, da Virgem Maria, em Belém.
O Amor que Teresa do Menino Jesus aprendera na primeira infância com o grande afeto que recebera da sua mãe, que perdera aos quatro anos e meio; o Amor que lhe comunicara seu pai, sempre envolto na saudade de sua esposa; o Amor que recebeu de sua irmã Paulina e depois, quando esta ingressou na Ordem Carmelita, de sua irmã Celina, também, anos mais tarde, na mesma Ordem religiosa, foi o seu máximo guia. O Amor que Teresa de Lisieux soube transmitir admiravelmente a todos aqueles que a conheceram na ação ou na palavra viva dos seus escritos. Porque o Amor sempre fora uma constante no seio da sua família, foi esse sentimento que mais inflamou e tornou imperecível a sua belíssima História de uma Alma.
TERESA FERRER PASSOS
1 História de uma Alma,
Livraria Apostolado da Imprensa,11ª edição, Braga, 1985.
* Public.: Notícias de S. Braz Janeiro
de 2007; Internet, Agência «Ecclesia» (7/2/2006) e site «TriploV.com».
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UM SENTIDO DE VIDA*
«A alma ressuscitada
está como que na impossibilidade de sofrer, pois todo o sofrimento lhe é
doce!»(1). A santidade é o pequeno caminho, a estreita vereda de quem já não se
revolta contra a dor. De quem, nos instantes incertos, audaciosamente impõe
vitórias sem limite sobre ela, como se a dor fosse uma sucessão de instantes
sempre únicos e nunca tivesse antes nem depois. Como se cada sofrimento fosse
um único desafio e a ele só pudesse corresponder uma só vitória. Associados os
instantes, surge o tempo, o tempo do sofrimento vivido na redundância das
sensações, das simples sensações. Da sua pequena medida, da sua insignificância
frente Àquele que é verdadeiramente grande, eleva-se a «impossibilidade de
sofrer».
O santo nasce
dessa capacidade de abençoar a dor que está a sentir, como se ela fosse o
pequeno caminho que dá sentido à vida, não reduzida aos prazeres fugazes, mas à
alegria perene, construída para a vitória, dando, assim, um grande e rico
significado à existência humana. Por isso, aquele que alcança a santidade é
aquele que já não sofre verdadeiramente porque ultrapassou as sensações, venceu
os limites da dor com o espírito vivificado pela alegria de as ter vencido. O
santo é herói, porque é aquele que mudou a dor que tinha nele um sentido de
morte, numa dor com um sentido de vida. E a ressurreição é, precisamente,
voltar a possuir a vida.
A
«impossibilidade de sofrer», como escreve Santa Teresa, torna-se uma realidade
para quem transfigura um mal físico num bem espiritual. Ser uma alma
ressuscitada é ser uma alma de novo a viver. Logo, pronta para aceitar a dor
como uma bênção e não como um castigo, como uma graça e não como uma
condenação. Uma alma nova eleva-se agora para defrontar sempre um outro
sofrimento e, também, de novo, o fazer submergir perante a força espiritual de
o sentir, começando a não o sentir ou sentindo-o cada vez menos. Refreando a
sua violência, calcando a sua atrocidade ante o corpo débil, a dor é ignorada
pela alma ao ponto de se desvanecer, qual sol ardente a transformar-se em sol a
apagar-se no horizonte largo do espírito.
(1) Rezar com Santa Teresinha, Edições Carmelo, Viana do
castelo, 1997, p.251.
*Public.: Almanaque de Nossa
Senhora de Fátima, 2005 (Congregação das Reparadoras de Nossa Senhora das
Dores).
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SANTA TERESA DE
LISIEUX
E O SENTIDO DA
HUMILDADE*
«Vim lançar fogo sobre a terra», disse Jesus. Era a hora em que o interrogavam
sobre a razão da sua vinda ao mundo. Na senda de Jesus, Santa Teresa de Lisieux,
também chamada Santa Teresinha («petite Térèse») do Menino Jesus e da Santa
Face, queria também lançar um «fogo sobre a terra» como se fosse uma
semente de humildade a arder em amor.
O amor tinha a sua imagem privilegiada no próprio fogo, porque o amor era um sinal vivo de desvio ou de mudança em relação à permanência ou imobilidade do mal. «Olhai as crianças, olhai como elas amam, como transbordam de amor sem esperar uma recompensa», poderia ter escrito Teresa de Lisieux. É que Santa Teresinha do Menino Jesus via na infância o grande paradigma da conduta humana.
Toda a palavra de Teresa de Lisieux se fundamenta na problemática da humildade, quer nos atos, quer nos pensamentos. Só a humildade concede o dom da glória mais alta. Nos seus escritos, tanto de prosa memorialista como nos poéticos, é visível a importância dessa questão fulcral. De facto, surge através de constantes alusões e de exemplos práticos, formulando, deste modo, uma verdadeira teologia da humildade.
Logo ao entrar no convento da Ordem do Carmelo, com apenas quinze anos, Teresa de Lisieux salientou como o Menino Jesus estava no centro da sua atenção, ao querer adotar esse apelativo - Teresa do Menino Jesus.
Na verdade, o Menino Jesus é o símbolo mais perfeito da humildade presente no próprio Deus - Deus tornou-se criança para mostrar à humanidade como era importante esse tempo primeiro, que todos viviam de modo tão semelhante e a que se seguiam outros tempos, em que era, a maior parte das vezes, esquecido o primeiro.
Ser sempre pequenino, muito pequenino, para ter a glória de conquistar grandes coisas - é pedindo para a tratarem por «pequena Teresa», que Teresa de Lisieux mostra o seu apreço pelo sentimento da humildade, mesmo quando já tiver subido ao reino do Céu. E mesmo aí, ela continuava «pequena», ou até se tornaria mais pequenina para poder ter a plenitude da glória divina ou do reino de Deus, em construção pelo amor e no amor perene.
Na «pequenez» se construía, segundo Teresa de Lisieux, o Altíssimo. Na conduta humilde se ergueria um novo Céu e uma nova Terra. No que era cheio de «pequenez», descobria Santa Teresinha do Menino Jesus um Deus absoluto e sem limites. Na palavra dita sem espetáculo ou na ação discreta e silenciosa, estava todo o sentido do eterno. Teresa de Lisieux desocultava o eterno em todo o coração habitado pela humildade.
Na graça do Céu habitavam as almas que se sentiam mais pequeninas e que até de si próprias se escondiam por se acharem pouco significantes. Era dessa «pequenez» se elevavam os seres até ao Alto. Até às alturas infinitas de Deus. E ao voltar-se para a sua alma de criança, o homem entrava na Casa de Deus. Por isso, Jesus quando Lhe perguntaram onde estava o reino do Céu disse que «o reino do céu está dentro de nós».
Uma jovem que sentiu a primeira grande dor na alma aos quatro anos, quando morre sua mãe, vê tudo isto muito cedo. É que Teresa de Lisieux, começava com pouca idade a correr para o destino da santidade. Ser santa, vir a ser «uma grande santa», torna-se lentamente o seu desejo mais profundo. Vivendo uma infância de perda, Teresa de Lisieux começa a edificar a sua «única e verdadeira glória» - ser santa.
A santidade torna-se o objetivo final da sua vida, um objetivo sem fronteiras materiais, unicamente espiritual, tão espiritual que a tudo está disposta para o alcançar. Os sofrimentos físicos ou espirituais que defronta acabarão por se lhe afigurar breves e pouco intensos, para ter como recompensa a glória do reino divino, onde o perfume do amor se parece com o de todas as pequenas rosas do mundo. E é precisamente nas mais pequenas rosas do mundo, que Teresa de Lisieux observa aquilo que se revelará como o símbolo mais adequado para representar a beleza infinita da humildade.
Lembremos hoje, a beleza e o perfume das pequenas rosas de Santa Teresinha do Menino Jesus. Vejamos nelas o coração puro de criança que, dentro de nós, não se deve ter ainda apagado irremediavelmente. Como nesse século XIX em que viveu Teresa de Lisieux, hoje há necessidade de santos, de quem queira ser santo, como o desejou esta santa, tão popular em Portugal como por todo o mundo. A santa que, a fazer pequenas coisas «que ninguém via» se tornou tão conhecida e amada por todos os que dela e das suas pequenas rosas ouviram falar.
Em homenagem à «pequena Teresa», recentemente elevada a Doutora da Igreja (1997) pelo Papa João Paulo II, lembremos uma, das muito belas palavras que deixou escritas, para que ninguém as esquecesse: « (…) quero ver se encontro um ascensor que me eleve até onde habita o meu Jesus, pois sou pequenina demais para trepar pela íngreme escada da perfeição». E mais adiante: «O ascensor em que hei de subir ao Céu são os vossos braços, ó meu Jesus! Para isso não preciso crescer; pelo contrário, tenho que ser pequena, tornar-me cada vez mais pequenina» (1)
12/2/1998
Teresa Ferrer Passos
Teresa Ferrer Passos
(1) Santa Teresa do Menino Jesus, História de uma Alma,
11ª edição, Livraria Apostolado da Imprensa, 1985, pág.192.
*Public.: A Defesa (jornal de
Évora), 25/2/1998; Stella (revista da Congregação das
Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima), Jan.-Fever. 1999.
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NOTÍCIA
RELÍQUIA DE SANTA TERESA DO MENINO JESUS
EM LISBOA
«A paróquia de Nossa Senhora das Mercês, em Lisboa, vai
celebrar, de 1 a 6 de Outubro, a Festa de Santa Teresa do Menino Jesus, onde
será possível venerar a primeira relíquia da padroeira das Missões e Doutora da
Igreja a vir para Portugal após a beatificação.
"Sendo uma das igrejas de Lisboa com uma referência
especial a Santa Teresinha, já que aqui, pela acção do padre Marques Soares,
teve grande impulso o culto de Santa Teresinha logo após a sua canonização,
continuamos a tradição de a festejar como uma das figuras mais importantes
últimos tempos”, refere a paróquia, em comunicado"»
In site do Patriarcado de Lisboa (30/9/2013)
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UM POEMA DE SANTA TERESA DO MENINO JESUS:
O MEU CÉU NA TERRA
JESUS, A TUA INEFÁVEL IMAGEM
É O ASTRO QUE CONDUZ OS MEUS PASSOS
AH! TU BEM SABES, O TEU DOCE ROSTO
É PARA MIM O CÉU CÁ NA TERRA.
O MEU AMOR DESCOBRE OS ENCANTOS
DA TUA FACE EMBELEZADA PELO PRANTO.
EU SORRIO ATRAVÉS DAS LÁGRIMAS
QUANDO CONTEMPLO AS TUAS DORES...
OH! QUERO PARA TE CONSOLAR
VIVER IGNORADA SOBRE A TERRA!...
A TUA BELEZA QUE SABES ESCONDER
REVELA-ME TODO O SEU MISTÉRIO.
PARA TI EU QUISERA VOAR!...
A TUA FACE É A MINHA ÚNICA PÁTRIA
ELA É O MEU REINO DE AMOR
É A MINHA RADIOSA PASTAGEM
O MEU DOCE SOL DE CADA DIA.
ELA É O LÍRIO DO VALE
CUJO PERFUME MISTERIOSO
CONSOLA A MINHA ALMA EXILADA,
FAZ-LHE SABOREAR A PAZ DOS CÉUS.
É A MINHA RADIOSA PASTAGEM
O MEU DOCE SOL DE CADA DIA.
ELA É O LÍRIO DO VALE
CUJO PERFUME MISTERIOSO
CONSOLA A MINHA ALMA EXILADA,
FAZ-LHE SABOREAR A PAZ DOS CÉUS.
ELA É O MEU REPOUSO E DOÇURA
É A MINHA LIRA MELODIOSA...
É A MINHA LIRA MELODIOSA...
O TEU ROSTO, Ó MEU DOCE SALVADOR
É O DIVINO RAMO DE MIRRA
QUE QUERO GUARDAR JUNTO AO CORAÇÃO!...
QUE QUERO GUARDAR JUNTO AO CORAÇÃO!...
A TUA FACE É A MINHA ÚNICA RIQUEZA
EU NÃO PEÇO NADA MAIS
ESCONDENDO-ME NELA SEM CESSAR
PARECER-ME-EI CONTIGO, JESUS...
DEIXA EM MIM A DIVINA MARCA
DOS TEUS TRAÇOS CHEIOS DE DOÇURA
E EM BREVE, TORNAR-ME-EI SANTA
E ATRAIREI PARA TI OS CORAÇÕES.
PARA QUE EU POSSA ACUMULAR
UMA LINDA COLHEITA COR DE OIRO
DIGNA-TE ABRASAR-ME COM O TEU FOGO.
EM BREVE DA TUA BOCA ADORADA
DÁ-ME O BEIJO ETERNO!...
PARA QUE EU POSSA ACUMULAR
UMA LINDA COLHEITA COR DE OIRO
DIGNA-TE ABRASAR-ME COM O TEU FOGO.
EM BREVE DA TUA BOCA ADORADA
DÁ-ME O BEIJO ETERNO!...
Teresa do Menino Jesus e da Santa Face
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PEÇA DE TEATRO
de
SANTA TERESA DO MENINO JESUS
SANTA TERESA DO MENINO JESUS
O DIVINO POBREZINHO DO NATAL
pedindo esmola às Carmelitas
25 de Dezembro de 1895, Noite de Natal (Carmelo de Lisieux)
Estando a comunidade reunida (diante de um presépio ), aparece um anjo que traz nos braços o Menino Jesus envolvido em paninhos − Canta o que se segue com a música de «Sancta Maria, eu vi em sonhos os serafins», etc.
Em nome d'Aquele que adoro
Irmãs, venho estender-vos a mão
E cantar pelo Menino Divino
Pois Ele não sabe ainda falar...
Para com Jesus, o Exilado do Céu,
Não encontrei neste mundo
Senão uma indiferença profunda
É por isso que venho ao Carmelo.
Que a vossa ternura
E as vossas carícias
Que os vossos louvores
Ó irmãs dos anjos!
Sejam para o Menino.
Ardei de amor, alma encantada
Um Deus por vós fez-Se mortal
Oh! mistério inefável
Quem vos pede esmola
É o Verbo Eterno!...
Minhas Irmãs, vinde sem receio
Vinde cada uma por sua vez
Oferecendo a Jesus o vosso amor
Sabereis a sua vontade santa.
Dir-vos-ei o desejo
Do Menino oculto nas roupinhas
A vós, puras como anjos
Que todavia podeis sofrer.
Que a vossa vida
Tão bem preenchida
Que as vossas dores
As vossas alegrias
Sejam para o Menino.
Ardei de amor, alma encantada
Um Deus por vós fez-Se imortal
Oh! mistério inefável
Quem vos pede esmola
É o Verbo Eterno!...
A Madre Prioresa vem em primeiro lugar adorar o Menino Jesus que o anjo coloca num presépio anteriormente preparado; depois apresenta um CESTINHO CHEIO DE BILHETES (cada um com uma ESTROFE) à Madre Prioresa, ela pega num à sorte, depois, sem o abrir, DÁ-O ao anjo que canta a ESMOLA QUE O Menino Jesus PEDE. − A Madre prioresa retira-se depois de ter beijado e afagado o Divino Menino. Cada uma por sua vez, as Irmãs vêm todas e fazem como acaba de ser dito.
As estrofes seguintes cantam-se com a música do Natal de Holmès (...):
1ª
UM TRONO DE OURO
De Jesus, vosso único Tesouro
Escutai o amável desejo.
Pede-vos um trono de ouro
Por não encontrar nenhum no estábulo.
O estábulo é como o pecador
Onde Jesus não vê nenhuma coisa
Que possa alegrar-Lhe o coração
Onde nunca Ele descansa.
Salvai, minha Irmã
A alma do pecador
Por este Trono Jesus suspira.
Mas mais ainda,
Para seu Trono de ouro
É o vosso coração que Ele deseja.
2ª
LEITE
Com a sua Santa e Divina Essência
Fez-se por vós o Menino Jesus
Ele reclama a vossa assistência.
No Céu a sua felicidade é perfeita.
Mas é pobre sobre a terra.
Dai, minha Irmã, um pouco de Leite
A Jesus, vosso Irmãozinho.
Ele sorri-vos
Repete baixinho:
«É a simplicidade que eu amo
«Natal, Natal,
«Desço do Céu
«Porque o meu Leite de amor, és tu.»
3ª
PASSARINHOS
Minha Irmã, quereis saber
O que o Menino Jesus deseja
Pois bem! dir-vos-ei esta noite
Como o fareis sorrir.
Apanhai passarinhos lindos
Fazei-os voar no estábulo
São a imagem das crianças
Que ama o Verbo Adorável.
Com os seus doces cantos
O seu chilrear
O seu rosto infantil rejubila
Rezai por elas
Um dia nos Céus
Formarão a vossa coroa.
4ª
UMA ESTRELA
Às vezes, quando o Céu está negro
E coberto por uma nuvem escura
Jesus fica triste à noite
Por estar sem luz na sombra.
Para alegrar o Menino Jesus
Como uma estrela cintilante
Brilhai pelas virtudes todas
Sede um luzeiro ardente.
Ah! que a vossa luz
Guiando-nos ao Céu
Rasgue o véu dos pecadores!...
O Divino Menino
O astro da manhã
Escolhe-vos para sua doce Estrela.
5ª
UMA LIRA
Escutai, escutai, minha Irmã
O que deseja o Menino Jesus.
Pede-vos o vosso coração
Como sua melodiosa Lira.
Ele tinha no seu lindo Céu
A harmonia dos santos anjos
Mas quer que neste Carmelo
Como eles, canteis seus louvores.
Minha Irmã, minha Irmã,
É do vosso coração
Que Jesus quer a melodia.
De noite, de dia
Em cantos de amor
Se consumirá a vossa vida...
6ª
ROSAS
A vossa alma é um lírio perfumado
Que encanta Jesus e a sua Mãe,
Escutai o vosso Bem-amado
Que diz baixinho com ar de mistério:
«Ah! se Eu amo a brancura
«Dos lírios, símbolo de inocência,
«Amo também a cor berrante
«Das Rosas da penitência.
«Quando as tuas lágrimas
«Purificam os corações
«Grande é a alegria que Me dás
«Pois Eu poderei
«Enquanto quiser
«Colher Rosas às mãos cheias.»
7ª
UM VALE
Como pelo brilho do sol
A natureza é embelezada,
Pois ele doura com o clarão vermelho
O vale, profundo e florido,
Assim Jesus, o Sol Divino
De nada Se aproxima sem o dourar
Resplandece na sua manhã
Mais do que uma brilhante aurora.
No seu despertar
O Divino Sol
Derrama na vossa alma exilada
Com os seus dons
Os seus mais quentes raios
Sede o seu gracioso Vale.
8ª
CEIFEIROS
Apesar da geada e da neve
Já ficam maduras as searas
Que o Divino Menino protege.
Mas ai! para as ceifar
São precisas almas ardentes,
Ceifeiros que queiram sofrer
Troçando do ferro e das chamas.
Natal, Natal
Venho ao Carmelo
Sabendo que os meus desejos são os vossos.
Para o doce Salvador
Gerai, minha Irmã,
Muitas almas de Apóstolos.
(...........................................)
16ª
UM ESPELHO
Qualquer criança gosta de que a ponham
Diante de um espelho fiel
Então sorri com graça
Pois julga ver uma outra criança.
Ah! vinde ao pobre estábulo
A vossa alma é um cristal brilhante
Reflecti o Verbo Adorável
Os encantos do Deus feito Menino.
Ah! sede a imagem viva
O puro Espelho do vosso Esposo
O brilho Divino do seu Rosto
Ele quer contemplá-l'O em vós!...
O seu rosto (bis) Ele quer contemplá-l'O em vós.
17ª
UM PALÁCIO
Os grandes, os nobres da terra
Têm todos palácios sumptuosos
Uns casebres são, pelo contrário,
Os abrigos dos infelizes.
Assim vede num estábulo
O Pobrezinho do Natal
Encobre a sua glória inefável
Ao deixar o Palácio do Céu!...
O vosso coração ama a pobreza
Nela encontrais a paz
Por isso, Irmã querida, sois vós mesma
Que Jesus quer para seu Palácio.
Sois vós mesma (bis) que Jesus quer para seu Palácio.
(..........................................................................)
22ª
ROUPINHAS
Vede que o Amável Menino
Com o dedinho encantador
Vos mostra a palha seca
Ah! compreendei o seu amor
E guarnecei neste dia
Com Roupinhas a pobre manjedoura.
Desculpando sempre as vossas irmãs
Alcançareis os favores
De Jesus, o Rei dos anjos.
É a caridade ardente
A amável simplicidade
Que Ele pede como suas Roupinhas.
(...........................................................)
25ª
MEL
Às primeiras luzes da manhã
Fazendo a sua rica colheita,
Vemos a abelhinha
Adejar de flor em flor,
E visitar com alegria
As corolas que desperta.
Colhei assim o amor
E voltai todos os dias
Junto do presépio sagrado
Oferecer ao Salvador Divino
O Mel do vosso fervor
Pequena abelha dourada!...
(............................................)
Depois de todas as religiosas terem voltado aos lugares, o anjo toma de novo nos braços o Menino Jesus (...)
O Divino Menino agradece-vos
Está encantado com todos os vossos dons
Por isso no seu livro de vida
Escreve-os com os vossos nomes.
(......................................................)
IN OBRAS COMPLETAS DE SANTA TERESA DO MENINO JESUS,
EDIÇÕES CARMELO, MARCO DE CANAVESES, 1996,
pp. 971-976, 981, 983, 985.
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Sempre dar Atenção nas pequenas coisas!
ResponderEliminarAgradecer, Louvar e Pedir enCantando.