domingo, 23 de dezembro de 2018

DOSSIER NATAL / 2018





UM ESTÁBULO EM BELÉM

Pormenor do presépio pequenino de nossa casa

Maria, exausta do parto, 
Não ouve o filho que a chama. 
Já dorme, mesmo sem quarto, 
Sem rendas, lençóis, nem cama. 

O seu sono é tão pesado 
Que não ouve a voz aflita 
Do bebé, mesmo ao seu lado, 
Que a afaga com a mãozita. 

"Minha Mãe, não tenhas medo, 
A dor vai valer a pena. 
Só tu sabes o segredo 
Desta noite tão amena." 

"Minha Mãe, agora sofres, 
Mas trouxeste ao mundo um Bem 
Que é um tesouro sem cofres 
Pois cofre algum o contém." 

"Mas, minha Mãe, sou humano, 
Foi preciso que assim fosse. 
Vou precisar por um ano 
Do teu leite quente e doce." 

E os olhos abriu Maria 
E viu tudo envolto em luz 
E sem esperar pelo dia 
Deu de mamar a Jesus. 

23/12/2018 
              Fernando Henrique de Passos

NOTA do autor: O parto de Maria só pode ter sido o parto mais duro e mais humano da história da humanidade, como dura e humana viria a ser a Paixão do seu Filho, 30 anos mais tarde.



ANUNCIAÇÃO

O presépio pequenino da nossa casa

«- Sou a mais venturosa de todas as mulheres porque o Mestre do Amor amará todos os seres humanos para serem santos como ele - disse Maria, com um entusiasmo a tocar o céu.
- Assim será Maria.
- Que mais poderia desejar uma mulher do que ser a mãe daquele que converte o ódio em amor, esse amor mais forte do que os rochedos que o mar não consegue arrancar do seu lugar?
- "Nada sabereis acerca do tempo que não passe por mim" - escutou Maria. Era Jesus! Inesperadamente, interrompia o seu diálogo com José.»

Teresa Ferrer Passos, Anunciação (romance de Maria), Universitária Editora, 2003, p. 141.


MISSA DO PARTO


Presépio dos Salesianos do Estoril

Sou do partido do Menino.
Creio nele em seus poderes.
Creio em sua nudez perpétua verdadeira
em sua fé de vítima primeira
em seu lugar de último destino

Carlos Carranca, Frátria, 2008, p. 113.




«O QUADRO É ELE, JESUS CRISTO»

Presépio da Paróquia de S. Mamede, em Lisboa

Há dois mil anos, Deus desce até nós, como se fosse o mais miserável dos humanos. Como diz D. Manuel Clemente (Twitter, 16/12), é urgente que o Salvador nasça de novo em nós e naqueles que nos estão próximos, porque "o quadro é Ele, Jesus Cristo!".


«A Encarnação do Verbo é o mistério da união admirável da natureza divina e da natureza humana na única pessoa do Verbo, permanecendo em comunhão com o Pai e o Espírito Santo».

           Joaquim Monteiro, "A Encarnação, glorificação da Santíssima Trindade", revista Bíblica - série científica, nº8, 1999, p.13.




A VIDA EM ABUNDÂNCIA

Presépio da Farmácia do Hospital de S. José, em Lisboa

“A carne não vale nada”, disse Jesus, um dia.
Oh, a carne, como fiar-nos nós nela,
se é tão débil, tão sem poder e ainda tão breve?
Não a valorizemos por si só, queria Ele dizer.
Se a força é nela uma aparência,
se engana o inteligente e o mais néscio,
como julgarem-na tantos, para sempre?

“A carne não vale nada”, disse Jesus, um dia.
E, afinal, foi dela que Deus se revestiu em Jesus:
uma virgem de Nazaré escutou que seria Mãe
do salvador do humano todo carne que nada valia. 
Deus queria ser igual a ele só para o libertar
da sua triste condição de “não valer nada”.
Ao descer o Santo Espírito sobre uma mulher,
o humano ganhava a liberdade de não ter fim.
E foi Jesus, Filho de Deus, a redimi-la,
a libertá-la do seu absurdo fim.

Natal, 2018
                                    Teresa Ferrer Passos


                                                      


UMA NOVA ALIANÇA



«Os judeus esperavam um Messias triunfalista e vitorioso; não estavam à espera de uma nova aliança que renovasse o interior das pessoas»

                 Armindo dos Santos Vaz, "Maria na boda de Caná: A nova aliança e o vinho do amor" in Revista de Espiritualidade, nº 102, 2018, p. 95.






ERA VERDADE

Presépio tradicional algarvio
era verdade
e não se via

era como um segredo

uma mão
que se abria ou fechava
e onde tudo acontecia

às vezes
em certas noites
e diante do mar e seus vestígios
as crianças perguntavam
mas os adultos não sabiam

era um segredo

e de uns para os outros
essa coisa seguia
e nunca se mostrava

não tinha nomes
nem nada dentro

era apenas e quando

                       Carlos Lopes Pires



O SÁBIO E A LENDA


De dentro da noite, o sábio olhou a estrela,
Uma estrela igual a cada estrela,
Das muitas a brilhar dentro da noite.

Se um dia fosse dia em vez de noite,
Se um dia as leis fossem mais claras,
Tão claras como é clara a luz do dia…

Por certo, sabia muito o sábio,
Mas, quanto mais sabia,
Mais escura a noite se tornava.

Se um dia uma estrela se soltasse,
Se do céu caísse sobre a Terra,
Contra as leis que o sábio conhecia…

E o sábio tentou esquecer as leis
Que com tanto trabalho descobrira,
Mas as leis eram já parte do seu corpo.

Contudo, uma estrela igual às outras,
Que o sábio avistara nessa noite,
Sendo igual, parecia ser diferente…

Dentro da noite, o sábio recordou
A lenda muito antiga
Que um dia ouvira a sua mãe:

Uma estrela, uma gruta, um Salvador –
Um Deus Menino!
Se ao menos aquela estrela se movesse…

E a estrela começa a deslocar-se,
E o sábio segue-a,
Segue-a durante muitas noites.

E a estrela detém-se sobre a gruta,
A mesma gruta de há cem séculos,
A mesma da lenda muito antiga…

E a luz daquela estrela instaura o dia,
O dia que o sábio nunca vira,
Nem mesmo sabia imaginar.

E no centro do dia havia um Deus,
Um Deus Menino,
O Deus de que falava a velha lenda…

E a mãe do Menino olhava o sábio,
E ao sábio parecia a sua mãe,
A mesma a quem ouvira a louca lenda.

E o sábio chorou e, de joelhos,
Sob um dilúvio de luz abrasadora,
Pôde enfim esquecer todas as leis…

Fernando Henrique de Passos, Breve Viagem nas Margens do Mistério, Textiverso, 2018, p. 48-49.





O Nascimento de Jesus, os Reis Magos e Herodes

«- Majestade! acalmai-vos! não vos precipiteis! ainda não vos foi revelado tudo o que o oráculo de Tiro me confidenciou - interrompeu o fenício, irritado.
- O que falta dizerem?! - exclamou o rex. - O que esperam para me dar todas as informações sobre esse rei destruidor da ordem que eu estabeleci, que eu consolidei com tanto sangue de soldados e generais, e cujos cadáveres ficaram secando e misturando-se com a poeira nos campos de batalha ou nos saques das cidades ou nos cárceres dos inimigos… - divagou Herodes, inconformado. - Ah, como me perco em divagações inúteis… dizei-me depressa onde está esse rei, que tudo transformará à sua chegada, que muitos seguirão ainda que o não tenham procurado… dizei-me tudo o que sabeis, antes que me ataque no palácio e me aniquile irremediavelmente… ou invista contra as fronteiras dos meus domínios sem eu ter prevenido as legiões e a cavalaria… e tenha sido colocada vigilância reforçada na hora do seu ultrajante assalto… ah, mas de novo pareço paralizado por ideias terríveis… afinal onde posso encontrá-lo? - interrogou Herodes, a quem todos gostavam de chamar o Grande. 
- Majestade, esse rei ainda não nasceu… nascerá no primeiro instante da vigília do canto do galo, num tempo muito próximo - insistiu o rei fenício, com um ar fleumático».

Teresa Ferrer Passos, Anunciação (romance de Maria), Universitária Editora, 2003, pp. 253-254.






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