sexta-feira, 31 de julho de 2020

Livro em Memória de Natércia Paz Ferrer (1909-1990), no 30º aniversário da sua morte



O SORRISO DE MARIA

Escuto e envolvo-me na ausência de qualquer som.
É noite no santuário. A capelinha parece abandonada.
As portas de vidro fustigadas pela chuva não estremecem.
A imagem de Maria sorri, sorri apenas para as estrelas                                                                                               [vigilantes.
O seu olhar sereno descai lentamente no mar do silêncio.
É noite em Fátima. O sino da Basílica silenciou-se.
Ao longe, caminha uma velha mulher. Procura um abrigo.
Está ali, só como Maria. Só com um cesto na mão.
De súbito, sente que está perto da Mãe procurada.
Olha a capelinha apagada. Descobre, no véu de água
o sorriso de Maria. Ali está a Mãe reencontrada!
E, a tropeçar no aguaceiro, arrastando os pés doridos,
sorri também. Suspira fundo de alívio. Como se sente perto
daquele sorriso de Mãe tão amorável.


Teresa Ferrer Passos, O Pequeno Lírio da Minha Varanda, Hora de Ler, Leiria, 2020, pág. 40.

terça-feira, 21 de julho de 2020

O PAN reage a maus tratos a animais, mas nada diz sobre os Lares para idosos


Os familiares visitam os velhos que puseram nos lares e quando vêem como são tratados, calam-se, não tomam posição em sua defesa, antes escondem a sua opinião sobre a maneira como os vêem tratados, porque não os querem nas suas casas, rejeitam-nos, não têm consciência e, se alguém lhes perguntar dizem que "têm a consciência tranquila". E não se passa isto só nos lares ilegais, mas também nos legais!
Teresa Ferrer Passos (Comentário a uma postagem de Nuno Camarneiro, no Facebook em 20/7/2020)

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Memória do dia 20 de Julho de 1993

Fernando Henrique de Passos, na nossa casa, em 2002

IMPREVISTO*


naquele dia, o teu esvoaçar de pássaro
eu olhei com cores que me faltavam.
naquele dia, o meu coração cansado de bater
nas paredes hirtas de uma casa,
perdido num areal áspero de ar
transformado em ígneas rochas,
respirou (no) fundo.

foi naquele dia, que te via pela primeira vez.
e o sopro de um vento fresco que sustinha,
ficou dentro de mim.

20 de Julho de 2020
                                          Teresa Ferrer Passos

* Publicado em «Gazeta de Poesia Inédita» (Internet, 20/8/2020) o meu poema "Imprevisto", uma memória do dia 20 de Julho de 1993, dia em que conheci o meu marido.

***


AINDA A TEMPO

Quando te vi não sabia
Que eras mandada por Deus
A libertar-me do logro
Que Belzebu preparara.
Estava preso numa dobra
Das voltas do rio do Tempo;
Fechada sobre si mesma,
Lá a água não corria.
Tu deitaste mãos à obra
De corrigir o desvio
Que o rio do Tempo sofrera.
Mas o desvio era grande:
Foi preciso muito tempo
Para que o caudal do Tempo
Voltasse enfim a correr.
Agora o Tempo já corre
Mais uma vez para o Mar
Mas não sabemos ainda
Quando é que lá vai chegar.

20 de Julho de 2020

          Fernando Henrique de Passos

Os Prémios Literários em discussão

Mário Cláudio
Leitores submissos ao critério dos Prémios Literários?

Pela 3ª vez (1984, 2014 e 2019) o Grande Prémio do Romance e Novela da APE, foi atribuído a Mário Cláudio pelo livro «O Tríptico da Salvação» (2019)

«O que vai ficar da sua obra literária?» (Pergunta do jornalista a Mário Cláudio)

«Provavelmente muito pouco, mas não me preocupo com isso. Acompanhei muitos autores, sobretudo portugueses, que foram famosos e hoje estão completamente esquecidos. Recentemente estive a ver a lista do Prémio Goncourt nos últimos 40 anos e praticamente nenhum nome ficou, todos passaram à história. (...) Mesmo a nível do Prémio Nobel, a sobrevivência é sempre muito problemática.» (Entrevista de Mário Cláudio ao Diário de Notícias, em 2019).

«De facto, a atribuição de prémios literários a certos autores, em nada garante que a sua obra marque algum ponto alto da literatura. Os escritores mais inovadores do mundo literário não precisaram de receber prémios literários para o serem. Estes galardões, que correspondem a avultados valores monetários, têm servido para os autores e os seus editores enriquecerem, mas com critérios sempre sujeitos à falibilidade de júris com tendências politico-sociais específicas e, mais do que tudo, a obedecer às modas ideológicas do momento.» 
19/7/2020
Teresa Ferrer Passos


«Concordo. Sobretudo no Nobel, tem sido uma desgraça.»
Patrício Cardoso

«Tem sido demasiado politizado tudo o que respeita à cultura, aos costumes. às ideias. A política arrasa tudo hoje; talvez nunca tenha tido, em algum tempo, um peso tão evidente.»
Teresa Ferrer Passos

«Teresa, acredito que isso é uma inevitabilidade e que, por isso e outros motivos, não há mal nenhum em que assim seja (sobretudo em relação à poesia). Explico, rapidamente: 1. As pessoas que fazem parte dos júris, no seu tempo de vida, são frequentemente pessoas respeitáveis, relevantes. Mas no tempo, que já não será o seu, terão sido pessoas sem qualquer importância e mesmo irrelevantes. 2. O que se premeia numa dada época é, por norma, dessa mesma época. O facto das pessoas pensarem que estão a premiar obras com importância no futuro, faz parte da vaidade e presunção de quem julga, a si mesmo, relevante nesse tal hipotético futuro. 3. Passa-se o mesmo em tudo: como pode alguém sem talento avaliar o talento de outros/as? Peço desculpa por esta "resposta" tão extensa, embora tão exageradamente simples (arriscando-se a ser simplista).»
Carlos Lopes Pires

«"Sobretudo em relação à poesia" escreve. Pergunto: porquê "sobretudo em relação à poesia"?! 1. As pessoas respeitáveis podem não ser relevantes; depois, as pessoas perdem a importância com o tempo?! Ou, com o tempo, as pessoas tornam-se irrelevantes, se as suas obras foram relevantes?! 2. Como é que as pessoas de um júri "estão a pensar que premeiam obras com importância no futuro", se elas estão a premiar uma obra do seu tempo e com critérios do seu tempo?! 3. O júri não tem de "ter talento" para ajuizar de uma obra. Tem de integrar pessoas imparciais e com conhecimentos suficientes na matéria em causa, para avaliar o talento do escritor em julgado.»
Teresa Ferrer Passos

«Pois, porque justamente não creio em nada nisso. E também não creio que a imparcialidade e os conhecimentos sejam importantes. Digo sobretudo em relação à poesia, porque a poesia é outra coisa. Mas, Teresa, é só o que eu penso. E também penso que daqui a mil anos tudo estará no seu lugar, o que quer que isso seja.»
Carlos Lopes Pires


(Comentários postados no Facebook, 19/7/2020)

domingo, 12 de julho de 2020

«Se o grão de trigo caindo na terra não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto» (Jo 12, 24)

Às vezes, tem que morrer algo em nós, para podermos viver mais.
12/7/2020

A palavra de Deus recebida de Jesus salva, se a seguirmos dentro de nós.
17/7/2020
T.F.P.

sábado, 11 de julho de 2020

Um poema no 30.º aniversário da morte da minha mãe



UM LIVRO ABERTO

                  À minha mãe, na passagem do 30.º aniversário da sua morte

              
O livro que não escreveu,
li-o nas páginas das suas lágrimas
prontas, lisas na derrota
sofrida pela morte da mãe, aos nove anos.
Que golpe sem sentido, que perda insuperável.
E toda a vida a haveria de chorar, eu quase
presenciei tanto abandono. A perda vil, a perda irreal.
E toda a riqueza que viu em eu nascer,
erguia-se no livro que não escreveu:
no susto de me perder ainda na gestação,
no terror de meu pai me rejeitar
já depois do nascimento,
no pesadelo de eu morrer de poliomielite
aos onze anos. E a perda de sua mãe
sentia-se ainda na velhice,
na dor  em que jazia já
por me deixar sozinha. Agora, também
perdida me sentia, com a sua própria morte.

Não se enganou.

11 de Julho de 2020

Teresa  Ferrer Passos

quinta-feira, 9 de julho de 2020

A ideia - uma reflexão de Luís Filipe Sarmento


«A ideia é uma conjuração contra o que está estabelecido. Após o surgimento daquela este fica obsoleto. E dá-se o confronto. 
A ideia impele-me ao risco. Porque é um absoluto ainda que não seja puro. Estimulante e enigmático. A ideia provoca-me e convida-me para que nela descubra o que é ainda invisível. A ideia é uma metáfora do universo. 
Expande-se de um ponto luminoso até à ocupação da escuridão. Tem a potência e o mistério de uma estrela. 
A ideia não me pacifica o espírito, aguça-me a curiosidade de conhecê-la na sua grandeza. É essa plenitude que me faculta o início da obra. »

In «Rouge-utopie», 2020








sábado, 4 de julho de 2020

A beleza, frágil e efémera




«Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam; E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé?» (Mt 6, 24)