terça-feira, 4 de junho de 2019

Na morte de Agustina Bessa-Luís (1922-2019)


Uma escritora em que cada palavra é um enigma e cada romance um modelo de sabedoria. Não recebeu o Prémio Nobel, como teria merecido.
3/6/2019 (dia do falecimento da Escritora)
T.F.P.

Numa singela homenagem, transcrevo, hoje, duas passagens de um dos seus livros mais excêntricos, dentro da vasta e profunda obra romanesca que nos ofereceu desde muito jovem, e que só a doença conseguiu suspender: 
  
«Se alguma vez houve ponto de encontro entre João de Patmos e Dürer foi nessa figura de Satã cuja destruição não apetece em absoluto e cuja terrível carcaça a terra há-de devorar. Mas lenta, lentamente; que com ela vão os sonhos infantis e a durável espécie do pecado, nosso companheiro até à ressurreição. Nada na vida dos homens é divino; o divino começa com o sentido do real, que Satã desencadeia com a desobediência, com o amor ultrajado pelo imenso peso da divindade»

«O Apocalipse é o Atlas dessa terra onde não há mais mar; isto quer dizer, onde não há mais abismos, nem monstros que neles vivam, ansiosos, do contra-senso do amor e do ódio»

Agustina Bessa-Luís, Apocalipse de Albrecht Dürer (esta obra debruçou-se sobre a Revelação de São João ilustrada e gravada no ano de 1498 por Albrecht Dürer em quinze xilografias), Guimarães Editores, Lisboa, 1986, pp. 98-99.

  

Aqui recordámos, no dia da sua morte (3/6), um excerto da sua primeira biografia de uma personagem histórica, Santo António de Lisboa:
       
«Ama os homens nos seus prantos e no riso também. Por isso, há um pouco de ambiguidade pagã na sua memória. Grande psicólogo, S. António demonstra o conhecimento da natureza humana, débil, timorata, fatigável; ele sabe que a maioria das pessoas necessita de ser conduzida até com certa frivolidade para o caminho de Deus. Pois o rei David, se dançava diante da Arca da Aliança recuperada aos seus inimigos, se ia dançando diante do povo, era para que ele se alegrasse no espírito da salvação, sem ter de o julgar uma condição da sua liberdade»

Agustina Bessa-Luís, Santo António,
Guimarães Editores,1973, p.78.



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