quinta-feira, 30 de novembro de 2017

A Restauração de 1640 e D. Antão de Almada*




  Portugal elevava-se das sombras e do nevoeiro na hora em que as coroas de Portugal e Espanha se separaram. Foi a hora em que a conspiração organizada pela nobreza portuguesa na residência de D. Antão de Almada (onde agora nos encontramos reunidos) vibrou o grito de liberdade aclamando D. João, Duque de Bragança, rei de Portugal. O acto revolucionário de 1 de Dezembro de 1640, reerguia Portugal à sua dignidade de nação independente, após um cativeiro de sessenta longos anos. Como diria o Padre António Vieira, logo após regressar do Brasil para apoiar a revolução (num sermão proferido na capela real em 1641), «era empresa esta tão difícil, representava-se tão impossível ao discurso humano, que ainda agora parece que é sonho e ilusão». E mais adiante, acrescentava: «Da mesma maneira se deu princípio à redenção e restauração de Portugal, em tais dias e em tal ano, no celebradíssimo (ano) de 40, porque esse era o tempo oportuno e decretado por Deus; e não antes como os homens quiseram».
     Na verdade, depois da publicação mais ou menos clandestina ou camuflada de toda uma literatura de propaganda anti-espanhola - poesia, peças de teatro, tratados jurídicos, folhas volantes, etc -, depois da revolta popular do Manuelinho de Évora - que se estendeu a outras cidades do Alentejo e Algarve e que durou quase um mês -, não havia dúvida de que se o Povo, o desejava, a nobreza e o Duque de Bragança, legítimo herdeiro do trono de Portugal, não podiam deixar de tomar uma atitude inequívoca, logo que o momento o propiciasse.
     E, de facto, se Lisboa era «la mayor ciudad de Epanã», se «era a máquina insigne» com 130.000 vizinhos, 1130 quintas e uma outra cidade no magnífico estuário do Tejo, com um número espantoso de barcas e caravelas e galeras, como o reconhecia o espanhol Tirso de Molina na obra O Burlador de Sevilha, se como escrevera Camões, em Os Lusíadas «E tu nobre Lisboa, que no mundo / facilmente és princesa» ou ainda «Tu a quem obedece o mar profundo / obedeceste à força portuguesa»,  o golpe de Estado só aqui tinha condições para sair vitorioso.
     E é Oliveira Martins quem, na sua História de Portugal, nos lembra que «Portugal é Lisboa, e sem Lisboa não teria resistido à força absorvente do movimento de unificação do corpo peninsular». Contudo, sem a corte na aldeia podemos nós dizer que Lisboa seria por si só impotente para a recuperação da independência de Portugal. Foi precisamente essa corte sediada na solitária Vila Viçosa, a poucos quilómetros da não menos provinciana cidade de Évora, que a resistência ao ocupante se manteve durante tão difíceis anos, atenta às prepotências e às humilhações que nos levavam vidas em guerras que não eram as nossas e cumulavam de impostos os parcos haveres de artesãos e camponeses.
     A pensar no povo sofredor, os heróis do passado português são exaltados, pelos sabedores, como uma forma de perpetuar a esperança na libertação. Em 1610, Francisco Rodrigues Lobo publicava O Condestable de Portugal, em que se enaltecem os Braganças, simbolizados no seu herói de Aljubarrota e, em 1619, edita a Corte na Aldeia, outra apologia da língua e das preciosidades de Portugal. Em 1624, Manuel Bocarro, matemático e filósofo, profetiza a restauração, não por um D. Sebastião nunca mais visto, mas por alguém do seu sangue, a Descobrir… (na obra Anacefaleoses da Monarquia Lusitana). E, segundo a tradição, seria o Padre José de Anchieta a dizer: «O Exército perdeu-se em África, mas o Rei pode pôr-se a salvo: mas há-de andar muitos anos ausente do Reino, e só tornará depois de muitos trabalhos». Várias exortações de Portugal surgem em obras de Manuel de Faria e Sousa (1628), António de Sousa de Macedo (1631) e, tantos outros.

O Presidente da S.H.I.P., a autora e o apresentador A.M.Couto Viana

     A Revolução triunfante eclodiu em 1640, precisamente no dia 1 de Dezembro! Em dia de sábado! Os conspiradores, na casa do entusiástico D. Antão de Almada, escolheram este dia porque para eles era um dia muito especial, precisamente o dia da semana dedicado à Virgem Maria. A Virgem Mãe, venerada nos trovadores medievais galaico-portugueses e a quem D. Afonso Henriques, nosso primeiro rei, consagrou desde logo o Reino. A Virgem, honrada nos momentos mais decisivos da nossa história, com a construção dos mosteiros de Alcobaça, da Batalha e dos Jerónimos. A Virgem, a quem D. João, Duque de Bragança, e já rei D. João IV - o primeiro da 4ªdinastia da Casa de Bragança -  confirmado pelas Cortes, reunidas em Lisboa, em 1641, viria a consagrar o reino de Portugal, no santuário da pequena Vila Viçosa, com a designação de Rainha e Padroeira de Portugal. A Virgem, cujas aparições aos pequenos pastores na serra de Aire, no lugar de Fátima, revelou a sua dedicação aos Portugueses, conferindo a este cantinho serrano de Portugal um carácter cosmopolita.
     Foi este dia de sábado - o 1º dia do mês de Dezembro - talvez o mais desejado de toda a História de um Portugal, com quase nove séculos de história! No passado, como em tempos mais recentes,  muitos escritores se inspiraram no tema do Desejado ou no mito Sebastianista, o mito da espera de um salvador da Pátria. Após a queda da Monarquia, alcançada, por um lado, em consequência do criminoso atentado que tirou a vida ao rei D. Carlos I e ao Príncipe herdeiro D. Luis Filipe, e, por outro, devido à revolução militar republicana, levada a cabo dois anos depois, em 5 de Outubro de 1910 (é de salientar que não se deveu o fim do Regime monárquico à inexistência de parlamentarismo democrático, pois este já existia desde 1820, mas pelo qual o partido republicano perdia sempre as eleições, em favor de outros partidos), muitos escritores se inspiraram nas suas obras nessa sebástica espera.

A autora e D. Lourenço de Almada, 6º conde de Almada

     Lembro, a propósito, o poeta Mário Beirão ao publicar, em 1917, O Regresso, de que destacamos estes versos : «O Povo acorda: e acordado, / Abraça em sua saudade, / A manhã de claridade / Desse dia desejado!». Recordo ainda uma peça de Natália Correia que titulou O Encoberto e foi publicado em 1969. Nessa peça, descobrimos uma esperança messiânica ou sebastianista para afirmar a liberdade face ao estrangeiro. A personagem Bonami-Rei, representando D. Sebastião, dirá: «Malditos os que sob a aparência do humilhado não conhecem a grandeza do Rei!(…) Fui todos os vagabundos. Todos os canalhas. Todos os famintos. Todos os ofendidos. Agora posso ser todos. Agora posso ser rei». E até já na era futura dos visitantes do Espaço, ainda, todos cravando os olhos no céu dirão: «É ele, o Rei que sempre volta quando o mundo tem o rosto de uma hiena». E uma personagem insiste: «Por ele enfrentaremos os grandes homens do momento». E depois, todos exclamam: «Que apodreçam os olhos que não aguentam este esplendor da liberdade!».
     Também no drama Erros Meus. Má Fortuna. Amor Ardente (1981), Natália Correia proclamará, mais uma vez, e através da personagem designada 2ª Mulher do povo: «Possa a nossa dor ressuscitar o Rei para que ele perpetue o nosso antigo sangue».

S.A.R. Dom Duarte, Duque de Bragança, a usar da palavra
como Presidente da sessão, no Sala Nobre da S.H.I.P.

     Que esta pequena monografia que titulei A Restauração da Independência de 1640 e D. Antão de Almada possa augurar ao Senhor D. Duarte, Duque de Bragança, num futuro breve, a restauração da Monarquia, pela qual o Povo de Portugal continua a esperar, não pelos meios violentos e envoltos em sangue, usados para a implantação da República, mas pelo processo democrático da eleição por sufrágio universal, através do meio constitucional em vigor, e que é a eleição para a Chefia do Estado.

Teresa Ferrer Passos
                                                                 
                                                 







* Este texto foi lido pela autora, no dia 21 de Maio de 1999, no Palácio da Independência, em Lisboa, por ocasião do lançamento do livro A Restauração de 1640 e D. Antão de Almada (Universitária Editora, 1999). A sessão foi presidida por SAR Dom Duarte, Duque de Bragança e a Apresentação do livro esteve a cargo do Poeta António Manuel Couto Viana.

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