domingo, 4 de setembro de 2016

PARA QUEM O TRABALHO, OU A NOVA POBREZA…*

Aqui publico um texto que escrevi em 1998,
numa Pequena Homenagem a Madre Teresa de Calcutá,
neste dia 4 de Setembro de 2016,
em que é Canonizada pelo Papa Francisco 

Madre Teresa de Calcutá com os pobres

  «Tive fome e deste-me de comer»
Jesus Cristo

   Missionárias da Caridade - uma Ordem Religiosa fundada por Madre Teresa de Calcutá, em 1950. Por estes anos do Pós-Guerra, o pobre torna-se o centro das preocupações da sua fundadora.
   Missionárias em busca dos que sofrem para lhes dar mais do que alimentos para o corpo, também alimento espiritual de que não eram menos carecidos. Cinquenta anos decorreram desde o lançamento deste projecto de ligação ao pobre - «no pobre, Cristo é pobre»1.
   A entrega das Missionárias da Caridade ao serviço dos pobres significa que no pobre Cristo, vivem. No pobre - o pobre que significa aquele que precisa de pão, mas que está igualmente ávido de apoio espiritual - está o Cristo vivo, o Cristo a viver connosco todos os dias sem que demos pela sua presença.
   Numa sociedade mundializante e todos os dias a criar novos reforços para a totalização dessa mundialidade (vivemos, no momento, o exemplo da União Europeia), a Ordem das Missionárias da Caridade não perdeu o sentido, não se tornou mais uma congregação humanitária; pessoas como as Missionárias fundadas por Madre Teresa de Calcutá são progressivamente mais necessárias.
   A sociedade da abundância, provocou uma  explosão de pobres (a quem nem sequer se inclui entre as estatísticas dos desempregados), envergonhados, silenciosos, que nada reclamam, a quem algumas horas em serviços a prazo ou sem contrato consolam da sua desdita. O que na verdade esses pobres se julgam é inábeis, incapazes de saber viver (a par dos empregados sempre vistos como os mais aptos, os bem sucedidos).
   Pelas Índias das castas, às quais os miseráveis não repugnam; pelas Áfricas em que as crianças subalimentadas são o espectáculo masoquista e, em simultâneo, motivo da indiferença dos que, na certeza da segurança, não se interessam pela incerteza do futuro dos outros (designadamente os Estados poderosos); pela Europa das Uniões Económico-Financeiras, ufana de um igualitarismo propagado até à exaustão em que explodem promessas eleitoralistas ou para-eleitoralistas de novos empregos e de mais trabalho para todos - por todos os continentes, em suma, grassa a hipocrisia dos governos ao serviço e a servirem-se dos grandes grupos capitalistas e das maiorias populares.
   Em todo este mundo, sem compreender a sua própria realidade social, nem sequer tentar auscultar-lhe as deficiências lesivas das minorias sem ruído, há uma frenética ânsia de dar a imagem de um planeta a caminho do progresso, sem recuos ou máculas - um progresso fundado na esperança ou na espera de mais segurança, mais emprego, mais abundância e bem-estar social.
   Em Portugal os exemplos abundam: novos cursos superiores, mais democratização do ensino com a abertura de mais vagas, mais escolas, mais, sempre mais vias para mais postos de trabalho. «O emprego espera por vós», parece ser constantemente afirmado. E  todos, todos têm a espera, talvez uma esperança vã  pela frente.
   Escritores um pouco por todo o mundo e, mais perto de nós, nos países da Europa de que fazemos parte - e refiro-me àqueles que ainda pensam, são capazes de olhar o outro, ou aquele que passa a seu lado, sem se deixarem vender às maiorias dominantes e, não raro, dominadoras (as ditaduras surgem das maiorias que esmagam as minorias, em vez de as libertarem) - estão a alertar para o perigo de se estar a enganar o tecido social da maioria votante (que dá o voto para ser governada, na espera de dias melhores, como lhe prometem), com toda uma falaciosa realidade que já nada tem de real. Trata-se de toda uma propaganda política ligada aos grandes monopólios económicos mundiais - privados e dos estados -, sempre a intervir com a reafirmação da criação de mais emprego. A verdade é que tudo isto não passa de uma falaciosa esperança. O emprego será cada vez mais desnecessário num mundo profusamente maquinizado, tecnicizado.
   A viabilidade de conseguir mais trabalho para todos os que ainda estão à espera, é praticamente nula, se essas margens que são já milhões de pessoas em termos mundiais, não fugirem ao esquema actual do sistema e àqueles que se preparam para manter esses indigentes do trabalho - silenciados, como numa culpabilização generalizada pelos insucessos individuais.
   Nasce, assim, uma das maiores injustiças sociais da época contemporânea: a desigualdade camuflada de igualdade; a submissão  ocultada sob uma pretensa  liberdade; a oligarquia plutocrata e a ditadura mascaradas de democracia.
   Neste contexto mundializante (e que se estende cada vez mais a Portugal), Madre Teresa de Calcutá e as suas Missionárias almejaram um sentido mais vivo e mais fundo. Resta, aos que sofrem na desilusão e na descrença de si próprios, ainda quem se coloque do seu lado, como as Missionárias  da Caridade. Mas outros estão a usar outros meios: a palavra escrita e propagada através do livro.  
   A situação não está a passar-se sem que haja quem se aperceba da farsa social que são, designadamente em Portugal, as chamadas Acção Social, Segurança Social, Luta contra a Droga ou as leis favoráveis à desagregação da família - edifício ético sobre o qual deve assentar uma sociedade psiquicamente saudável.
   As Missionárias da Caridade que Madre Teresa de Calcutá dirigiu até à sua morte, em 1997, estão, não no mundo, mas num mundo incluído num outro mundo, que não está perplexo, que não está a fazer uma autocrítica dos seus actos, mas que apenas procura ludibriar a situação degradante de muitos indivíduos. É um facto que «vendeu a alma» ao poder.
   Afirmava Madre Teresa: «Se não estivéssemos profundamente convencidas de que Cristo permanece oculto no rosto dos deserdados deste mundo, a nossa Missão não se justificaria». A situação é grave. Na verdade, as consequências psicológicas e morais (o suicídio e as doenças mentais), atingem  indivíduos, ou seja, pessoas, que se distinguem de massas anónimas.
   O cidadão, ou é considerado por si próprio ou a sociedade perde o seu sentido essencial. O Poder não pode ter em vista apenas fins, sem olhar aos meios, sob pena de se tornar imoral.
                                                           Teresa Ferrer Passos






*  Stella (revista) Set/Out 1998, nº579, pp.22 e 26.
1 José Luís González-Balado, Madre Teresa  dos  Pobres mais Pobres, Edições Paulistas, Lisboa, 1991, p.41.

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