sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A propósito de um novo romance...

"UM CIENTISTA E UMA FOLHA DE PAPEL EM BRANCO"



Aqui ofereceremos, cada dia, até ao seu lançamento, uma passagem de Um Cientista e uma Folha de Papel em Branco de Teresa Ferrer Passos. Trata-se de um romance sobre a sociedade materialista ocidental contemporânea - «fantástica viagem pelo mundo do irreal». A narrativa desdobra-se em duas partes: a 1ª, centra-se no cientista confrontado com a sua ambição e os enigmas da sua mente toda-poderosa; a 2ª, sobre a angústia do cientista perante a matéria, a ideia de Deus e o enigma da sua Origem.
    




O lançamento deste livro será no próximo dia 10 de Outubro, na Fnac do C. C. Colombo, em Lisboa, pelas 18h30. A Apresentação da obra está a cargo do Professor António Cândido Franco da Universidade de Évora.




«E duvida do sentido de todas as coisas. Ao mesmo tempo, sente no seu coração uma grande certeza: a sua espera remonta ao princípio do mundo e irá prolongar-se até à própria eternidade.»

«Mas, de súbito, teme a verdade como uma tragédia. O olhar imobiliza-o. As mãos pousam sobre a folha de papel e o lápis rola sobre a mesa. A respiração é ofegante. Depois, lenta. Demasiado lenta. O pensamento faz um silêncio.»

«Taoj sente perderem-se lentamente os rumos interrompidos das suas reflexões, essas reflexões que orientam e equilibram, mas também desesperam. (...) No seu olhar de dor adormece todas as noites»


À entrada do seu escritório

«Na realidade dos possíveis, vê a folha de papel em branco com os olhos apagando-se na palidez do impossível (...). 
Que caminhada de renúncia se inscreve no seu horizonte. Que emoção ansiosa a vergar-se à serenidade das realidades profundas. Que oculto sentimento de resistência a mantê-lo numa expectativa de que qualquer coisa vai acontecer».

«Com que agilidade eu pensava e com que sentido crítico estudava e, afinal, onde está a minha cabeça? não está espelhada na folha de papel em branco... onde estou eu se perdi a minha cabeça pensante? quando a perdi? há quanto tempo? perdi-me dela ou foi ela que se perdeu de mim?»

«Mas o que é mais estranho em tudo isto é que, ao fim de tantos anos, sente, pela primeira vez, que deseja alguma coisa com determinação, e, até perscruta em si uma espera que lhe parece não poder ter fim.»


A escrever no computador

«Silenciando o medo, Taoj sente que algo muda no seu modo de interpretar os possíveis objetivos daquele estranho computador. Como por encanto, Taoj refugia-se mais na caverna fragmentada de si mesmo, como se uma grande calma a inventasse»

«Então, Taoj sente-se uma raiz de felicidade-em-si porque nenhuma dúvida vive nele; as redes da Internet seriam o rumo certo, mesmo que um grande sofrimento, uma forte dor, uma inevitável derrota, o esperasse na procura, na procura sem limites. E que rapidez espantosa para qualquer comunicação com pessoas, objetos, e, até com todos os mundos, que desconhecia»

«Sentados, ao lado de um pequeno rochedo batido por ondas, a desfazerem-se em bolhas de espuma lilás ou roxa (não se discerne com clareza), dois homens parecem conversar com vivacidade. Taoj reconhece o perfil de um deles. Sente que o reconhece. Já o viu em alguma galeria de arte, na contracapa de um livro ou numa desconhecida rua de grande cidade»

Com António Cândido Franco e José Augusto Mourão
na Livraria Escolar Editora, em 2003

«Nesse instante, Taoj escuta a voz de Ulisses. Depois, parece ouvir de novo aquela voz de mulher ténue e distante tão distante e a sussurrar palavras que ele procura esquecer porque é, claramente, uma voz que o engana, que só pode existir em sonho, não, não pode ser verdadeira».

«O mistério como que dilui a espera de Taoj, perturbado demais para a pressentir. Sente uma náusea de susto. Não há imagens para além da aparência. Nem há vida para além do verbo. Um silêncio estende-se como um céu sem astros»

«Pressente à distância, fogos acesos e sem chamas, melodias divinas e a vibrar toda a simplicidade de um leve roçar de vida. Como podem fogos de vibrações sonoras devorar toda a procura, sem serem vistos pelo corpo acéfalo de Taoj e mesmo assim extenuado de sonhos?»


Com João Carlos Raposo Nunes na livraria Uni Verso
em Setúbal, em 1999, no lançamento de Álbum de Amor.

« − A liberdade é a água que corre em todos os recônditos lugares do teu corpo − escuta Taoj, com nitidez.

Quem diz estas palavras? (...) Assustado, o seu coração palpita com mais impetuosidade. Depois, o seu inconsciente extrai das nuvens negras e densas da memória o nome do filósofo grego, que desoculta no canto superior esquerdo do ecrã do computador»


«Entre os sábios gregos, muitos amigos tornaram-se meus adversários e tive de separar-me daqueles a quem a amizade me ligava mais. Seduzia-me descobrir toda a verdade sobre as origens do mundo, essa maravilha que me cercava e de que eu próprio fazia parte. Procurar a verdade sem falsidades, sem desvios artificiosos. Estudar a natureza na sua realidade pura, sem sofismas, sem vantagens fúteis na sua verdade íntima e a transparecer de beleza.»

«Como é espantosa a matéria, sempre a querer valorizar-se aos nossos olhos. A matéria constrói-se a si própria na ânsia de se regenerar até ao seu limite. Apetece-me dizer infinito, mas não gosto da palavra infinito, porque, quem pode entender essa palavra?»


Em 2004, na sua antiga casa de S. Braz de Alportel 

«Procurar, procurar, torna-se-lhe um caminho agora irreversível. O verdadeiro sentido da sua vida, conforme uma multiplicidade de sonhos lhe desocultara numa só noite, a parecer-se com os segredos do universo.»

«Nunca enviou um sinal,uma simples mensagem, um breve aviso. Inundado de caos, Alfa simula um real transcendente, em busca de um santuário consagrado ao deus da luz imperecível.

"A solidão, só a solidão me acompanha"

"E se pudesses dizê-lo a quem te criou?"»


No Jardim da Verbena, S. Brás de Alportel (2004)

«Uma espantosa coragem de avançar está inscrita em cada um daqueles irreverentes absurdos que esperam nascer, talvez um dia, e brilhar até ao infinito de todos os espaços ainda por criar.
Mais do que tudo, esperam romper todo o mundo precário e irreal em que Alfa vegeta perdido de qualquer referência ou vislumbre de direção.»

«Alfa não pode confiar senão no seu mundo pequenino, estreito, vadio e sem emoção. Nada o faria acreditar no valor de confiar e, muito menos, confiar nas palavras carregadas com o peso de uma mentira inglória!»



Antes de pegar na sua "enxada" diária em 21 de Agosto de 2015
«O silêncio intromete-se num monólogo inconsciente. Lúcido e como se estivesse alucinado, Alfa questiona-se. Na angústia, enrola-se bem no fundo de si e adormece. É uma letargia sem horas. E espera que qualquer coisa aconteça.»

«Múltiplas imagens perturbam Alfa. Tudo é semelhantes às ruas entrecruzadas de uma qualquer cidade infernal, ensurdecida pelos ruídos de uma tecnologia que rejeitou a ciência e invadiu os corpos humanos. Corpos amolgados pelo bairros de lata e os uivos das mulheres agredidas e a criança violentada como se fosse o lodo dos pântanos.»

«Adormecido numa imobilidade que o perdia e anulava, nenhuma partícula podia sobreviver no seu mundo de engano. Uma mentira colossal estava dentro das suas portas»

Junto ao castelo de Ourém, em 2002

«Acho que a matéria quer ir sempre mais longe, mais além, numa criação repleta de imaginosas direções, em mutações imparáveis e desvios alienados de mim.»


«Alfa está a perder-se deste estranho e vastíssimo universo que cada vez mais se afasta do seu pequeno mundo. As partículas divertindo-se com o espaço e o tempo e as outras forças novas alienam-se, encobrem-se e fazem nascer embriões de fantásticas criaturas.»

«Alfa está frente à aventura do impossível.
 Desse impossível donde irrompe a matéria em átomos e mais átomos que se atraem ou se repudiam, que se amam ou se odeiam, que edificam mundos novos ou recusam a sua construção.
 No caos absoluto da matéria vão-se erguendo biliões de absurdos. A Esperança é um deles.»


Excertos do romance de Teresa Ferrer Passos, "Um Cientista e uma Folha de Papel em Branco", Chiado Editora, Lisboa, 2015, pp. 15, 17, 19, 24, 27, 35, 43, 48, 58, 67, 80, 92, 107, 123, 144, 152, 180, 211, 229, 256, 269, 280, 357, 394, 397.



Na Biblioteca Municipal da Amadora, ao lado de
um retrato de Fernando Pessoa, em 2008




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