sexta-feira, 27 de junho de 2014

Vereis o Céu abrir-se*



Constelações de fogo
Altares suspensos sobre o espaço
Sangue nobre colhido em taças de oiro
Espasmo do mármore ao toque azul da hóstia
Desertos negros riscados pela prata

O contacto da pele do pensamento
Com a carne hesitante e nervosa da existência efémera
Abala a estrutura rígida das coisas
Provoca a mudança de estado do real
Derrete a solidez satisfeita do sensível
Que, agora liquefeito, alaga violentamente
As margens demarcadas da lógica clássica

(O Estagirita esbraceja e S. Tomás
Debalde enseja lançar-lhe o seu auxílio.
Platão serve a Plotino,
Que sorve o suco dos frutos mais exóticos,
O açúcar do riso dos profetas
E a verde humidade das florestas
Onde o calor cozinha a novidade)

O Céu abriu-se na noite de Saint John
Entresílabas de séculos passados
E coches carregados de esmeraldas
E línguas de terras de além-mar
E cofres e caixas de Pandora
E o selo número sete protege o formigueiro
Mas eu suspeito que alguém já o quebrou

O Céu abriu-se, abriu-se tanto
Que nada já parece inteiro
Mas no auge do trágico e do espanto
Chegou ao fim a tinta no tinteiro

25/6/2014

                                                         Fernando Henrique de Passos


* “Vereis o Céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem.” (Jo 1, 51)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixe aqui o seu comentário